O Estado de S.Paulo
Onde hoje mora o perigo para Bolsonaro não é no Congresso, é no STF
Onde hoje mora o perigo para Bolsonaro não é no Congresso, é no STF. E
não é no inquérito que resultou das acusações do ex-juiz e ex-ministro
Sérgio Moro ao sair do governo. É no inquérito das fake news, também no
Supremo, que começou há mais de um ano atirando nos “procuradores de
Curitiba” como principais suspeitos de articulações contra o STF e
acabou acertando no esquema bolsonarista de pressão e propaganda que,
suspeita-se, é articulado em parte desde o Palácio do Planalto.
Não cabe aqui discutir todos os aspectos jurídicos relacionados ao
inquérito, que começou impondo censura a órgãos de imprensa (logo
derrubada), corre em sigilo e transforma o STF em investigador e juiz ao
mesmo tempo. Integrantes da corte acham que o tal inquérito virou uma
metralhadora giratória nas mãos do ministro Alexandre de Moraes – o
mesmo se ouve na PGR, que foi contra, depois a favor, e agora contra de
novo, mas são coisas que ninguém admite em público. [a ex-procuradora Raquel Dodge arquivou em 2019 o tal inquérito.]
Em outras palavras, o mundo correto jurídico acha o inquérito
abominável, porém ainda mais abominável o que representam as redes
bolsonaristas. Uma vez que essa ação dirigida pelo Supremo tem como alvo
quem se organizou para destruir a institucionalidade, o inquérito é
amplo o suficiente para, eventualmente, levar a uma acusação política
grave, além de criminal contra seus alvos. Difícil de calcular são as
consequências do tipo de ambiente que provoca.
Os alvos da vez são personalidades das redes bolsonaristas, empresários
amigos do presidente e parlamentares que o apoiam. Na lista figura
também um ministro, o da Educação, que deverá ser ouvido pelo que disse
na já célebre reunião ministerial do dia 22 de abril não no inquérito
relacionado a Moro, mas no inquérito das... fake news contra o Supremo.
No Legislativo o mesmo inquérito do Supremo reforça uma CPMI para
apurar... fake news nas eleições.
Outra voz que ganhou destaque nos últimos dias, a do empresário Paulo
Marinho, ex-adepto convertido em inimigo do presidente, também deve ser
incluída no que o TSE tem investigado, via corregedoria (considerada
mais contundente pelos especialistas) como abuso de poder econômico e
político nas eleições de 2018, incluindo disparos em massa de mensagens
em redes sociais e, claro, fake news.
Por um lado, o empenho dos atingidos por operações da PF deflagradas por
Alexandre de Moraes em caracterizar os ministros do STF como meros
adversários políticos, fora o resto, vai em boa parte ao encontro do que
pensam militares graúdos que manifestam (tão somente nos bastidores)
descontentamento com os rumos gerais do governo, mas não escondem a
fúria com o que consideram ingerência indevida do Judiciário nos
negócios do Executivo. A reação ao STF forja um tipo de “união”.
Por outro, o que as redes bolsonaristas em geral e o presidente em
particular conseguiram com os sucessivos ataques às pessoas dos
ministros foi levar o STF a uma inusitada convergência de posturas entre
ministros divididos por querelas pessoais ou pelas sérias dúvidas
quanto ao inquérito das fake news. Em outras palavras, em que pesem as
divergências internas, a resposta do STF tem sido mais institucional do
que “pessoal”.
Os ministros do STF reiteram em uníssono que o Judiciário está sendo
atacado pelos que não aceitam fiscalização ou limitação de poderes, não
respeitam o pacto federativo, interferem em órgãos do Estado (como
Polícia e Receita Federal) por motivos pessoais ou políticos, agem
contra a saúde pública ao desrespeitar critérios técnicos e científicos
no combate ao coronavírus, desprezam a educação e mobilizam setores do
eleitorado contra instituições como Legislativo e Judiciário. Em resumo,
Jair Bolsonaro.
Nos bastidores do mundo do direito em Brasília admite-se que não
surgiram até aqui evidências contundentes para basear eventual denúncia
da Procuradoria que “automaticamente” encurtaria a permanência de Jair
no Planalto. Tal desfecho só poderia surgir de um julgamento político no
Congresso, reitera-se. É exatamente o que um grupo dentro do STF espera
conseguir. [o povo está indo as ruas apenas quando o objetivo é apoiar o presidente Bolsonaro - vejam que a divulgação de um vídeo, com o intuito de prejudicar Bolsonaro, resultou em:
- maior número de apoiadores do presidente presentes ao encontro dos domingos; e,
- queda do dólar na segunda passada e a Bolsa de Valores subir.
No mundo político além da falta de apoio popular, combustível para progresso de qualquer pedido de impeachment, há a dificuldade de conseguir o mínimo de 341 votos contra o nosso presidente.
No campo jurídico falta 'substância' nas acusações. O inquérito abominável, na adequada classificação do articulista, não se sustentará quando o plenário do STF for examiná-lo.]
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo
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