Não será surpreendente se, ainda neste ano, a participação da Ásia atingir o patamar de 50% da pauta exportadora
A recessão global causada pela pandemia de covid-19 dá tração a uma
mudança no perfil do comércio exterior brasileiro, acelerando o espaço
da China e de outros países asiáticos como destino das nossas
exportações. De 39,4% no primeiro quadrimestre do ano passado, a Ásia
passou a absorver 47,2% dos produtos vendidos ao exterior entre janeiro e
abril de 2020. Houve crescimento de 15,5% dos embarques (em valores) na
comparação anual.
Para cada US$ 1 exportado à União Europeia, segundo maior receptor de
bens produzidos no Brasil, já são US$ 2 para o mercado chinês. Malásia e
Cingapura são exemplos de outros países que ganham relevo na agenda
comercial, além do tradicional Japão, sobretudo com petróleo e produtos
do agronegócio (como carnes).
Não será surpreendente se, ainda neste ano, a participação da Ásia
(excluindo o Oriente Médio) atingir um emblemático patamar de 50% da
pauta exportadora. Por um lado, muitos asiáticos se encontram em fase
mais adiantada do que o Ocidente na saída do pico da emergência
sanitária e podem escapar de uma crise econômica duradoura. Por outro
lado, em um momento de perda da renda global, deixa-se de consumir
chapéus de feltro ou tesouras de jardinagem - mas os alimentos se
mostram mais resilientes e economias de volta ao crescimento, como é o
caso da China, devem continuar comprando mais proteína animal.
Diante do novo quadro comercial, algumas posturas se fazem necessárias. A
primeira e mais urgente é barrar atitudes como a do ministro da
Educação, Abraham Weintraub, que não apenas têm efeitos negativos para a
política externa como são um exemplo literal de antidiplomacia, no
sentido de distribuir grosserias. Enquanto os ministérios da Economia e
da Agricultura adotam uma posição de pragmatismo e de respeito,
Weintraub tratou como “bem alta” a possibilidade de uma nova pandemia
surgir na China ao longo dos próximos dez anos porque, segundo seu
raciocínio, os chineses comem “tudo o que o sol ilumina”. Sabe-se lá que
outros insultos haveria nos trechos cortados do vídeo da reunião
ministerial de 22 de abril tornado público na sexta-feira.
No entanto, a política comercial deve ter horizontes muito além da
manutenção de boas relações com o gigante asiático. Cerca de 55% das
exportações brasileiras para os Estados Unidos são de bens e serviços de
alto valor agregado. O diplomata Todd Chapman, que assumiu no fim de
março a embaixada americana no Brasil, traçou como meta duplicar o
intercâmbio bilateral - hoje em US$ 106 bilhões anuais - em um prazo de
cinco anos (Valor, 22/6).
A conjuntura atual não permite grandes expectativas sobre negociações de
livre comércio: o mandato do presidente Donald Trump está acabando, bem
como o “Trade Promotion Authority” (TPA) dado à Casa Branca, e a
atenção em Washington se concentra agora em questões domésticas, da
pandemia às eleições. Porém, como esclareceu o próprio embaixador, há
outras iniciativas que podem prosperar no curto prazo: convergência
regulatória, facilitação de procedimentos aduaneiros, redução das
barreiras não tarifárias e, quem sabe, até um acordo para evitar a dupla
tributação de empresas com negócios nos dois países.
O governo brasileiro deveria se engajar na ratificação dos tratados de
livre comércio fechados com a União Europeia e com o EFTA (bloco formado
por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). O acordo com a UE
garantirá cotas abaixo do que se desejava, sem tarifas, para produtos
como carnes e açúcar. Mas tudo indica que foram resguardados os
interesses nacionais em temas como patentes, indicações geográficas e
aplicação de salvaguardas contra eventuais aumentos bruscos de
importações.
Já novos tratados comerciais, assim como a possibilidade de redução
unilateral da Tarifa Externa Comum (TEC), requerem cuidado redobrado
agora. Como sabe qualquer cidadão que já tenha viajado para o exterior,
as elevadas alíquotas deixam mais caros os preços no Brasil e diminuem a
oferta para os consumidores. No entanto, a recessão global
provavelmente ampliará a capacidade ociosa nas economias
industrializadas e o risco de uma sobreoferta de importados no país.
A maior inserção competitiva do Brasil nas cadeias internacionais de
valor exige um dever de casa: simplificação tributária, melhorias na
infraestrutura, fluidez de crédito. São problemas temporariamente
mitigados pelo dólar nas alturas, mas cuja solução fica mais incerta em
meio à economia parada e ao ambiente de impasse político.
Editorial - Valor Econômico
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