As coisas no Brasil ficaram de um tal jeito que acabamos vivendo, hoje, a seguinte situação: no meio da mais calamitosa crise de saúde publica que jamais aconteceu no país, com mais de 25 mil mortos e um volume inédito de sofrimento, o presidente da República, que é a mais alta autoridade legal num regime presidencialista, não pode ser responsabilizado por nada do que está acontecendo nessa tragédia.
Não pode ser responsabilizado porque o Poder Judiciário, com a quieta aprovação do Poder Legislativo, tirou do presidente e de seu governo os meios para assumir, justamente, essas responsabilidades – entregou todas as decisões relevantes para governadores e prefeitos e suprimiu, em matéria de combate à Covid-19, a existência da federação brasileira. É o que se chamava, em outros tempos, de “teatro do absurdo”.
Os decretos do presidente, assim, não valem nada quando se referem ao mais grave problema que atormenta a população brasileira no dia de hoje. Segundo estabeleceu o STF, o sujeito é obrigado a obedecer o prefeito de Santo Antão do Brejo Seco, mesmo que esteja só passando por lá, mas não o governo legítimo do seu próprio país. Faz sentido?Não faz sentido nenhum, mas é assim que estamos e é assim que as coisas vão continuar.
O governo federal, em matéria de epidemia, está autorizado unicamente a tirar dinheiro do Tesouro Nacional para pagar as despesas — que não decidiu — feitas pelas autoridades locais no tratamento da doença. Passa verbas para estados, não cobra dívidas, cria até um programa com 50 milhões de inscritos para receber um “auxílio emergencial” de R$ 600 por mês. Em suma: paga tudo, não manda em nada.
O Poder Executivo, além disso, não pode hoje em dia nomear um diretor da Polícia Federal — se o STF não aprova o nome, tem de escolher outro. Está proibido, também, de expulsar do território brasileiro diplomatas estrangeiros que considera indesejáveis, um requisito elementar para o exercício da soberania nacional — o Supremo não deixou que mandasse embora daqui, até “o fim a pandemia”, 34 funcionários da embaixada e de cinco consulados da Venezuela. O governo não tem direito a fazer reuniões sigilosas — pode ser obrigado a divulgar vídeo e áudio de encontros do ministério, como o STF acabou de mandar que fizesse. O governo do Brasil, hoje, tornou-se “disfuncional”, como se diz em linguagem moderna. Não pode funcionar como governo.
J. R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo
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