O Estado de S.Paulo
Bolsonaro mantém Decotelli em nome de seus 42 anos de vida pública, mas até quando?
A erosão do “robusto currículo” do professor Carlos Alberto Decotelli dá
raiva, pena e, principalmente, medo da disputa reaberta no Planalto
para fazer o novo ministro da Educação depois do inusitado Vélez
Rodríguez, do inqualificável Abraham Weintraub e do constrangedor
Decotelli. A ala militar, que indicou o doutor que não é doutor, está
envergonhada. A ala ideológica, dos filhos do presidente, está
esfregando as mãos, gulosa. E o Centrão, vai desperdiçar essa chance?
As chances de Decotelli permanecer ministro pareciam ter ruído junto com
o seu currículo, já que a tese de mestrado na FGV é acusada de fraude, o
título de doutor na Argentina não existe e o pós-doutorado na Alemanha
foi uma um devaneio – não há pós-doutorado sem doutorado. O presidente
Jair Bolsonaro, porém, decidiu prestigiar “o lastro acadêmico e sua
experiência de gestor”, em detrimento de “problemas formais de
currículo”. Por enquanto, Decotelli fica. Até quando?
O único item do currículo que fica em pé é o curso de Administração na
Universidade Estadual do Rio (Uerj), o que poderia ser suficiente para a
posse no MEC. O problema é inventar títulos e ser acusado de plágio, um
vexame inominável para ele próprio e um constrangimento desnecessário
para Bolsonaro, que, induzido ao erro, publicou nas redes sociais o
currículo cheio de buracos. Assim como ele, a mídia também.
Bastaram os repórteres vasculharem daqui e dali para descobrir esses
buracos. Por que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não fez o
seu trabalho de filtro? Ou displicência, ou a checagem de nomes é só
ideológica, ou a decisão foi tão rápida pelo presidente que não deu
tempo de consultar o GSI/Abin. A terceira hipótese faz mais sentido.
Bolsonaro tinha pressa para indicar um nome, porque a “ala ideológica” –
leia-se: os filhos e assessores fascinados pelo tal guru da Virgínia –
não queria perder a vaga. A “ala militar” agiu rápido e o presidente
assinou a nomeação.
O fato é que Bolsonaro não dá a mínima para o ministério e para a
própria Educação, fundamentais em qualquer lugar do mundo e ainda mais
no Brasil, onde o problema maior, o problema-mãe, é a desigualdade
social. Como criar uma grande nação com uma parcela tão grande da
população excluída, sem chance de um lugar ao sol. Como salvar a
Educação, garantir o futuro das crianças pobres? Com Vélez, Weintraub,
Decotelli, ideologias fajutas, currículos fraudulentos? E esse drama não
acabou. Pobre MEC, pobre Educação, pobres crianças pobres.
E por que a “pena”, ao lado de raiva e medo no primeiro parágrafo?
Decotelli é um professor negro, respeitado no meio acadêmico, com perfil
técnico, e foi muito bem recebido depois de dois traumas sucessivos no
MEC. Num momento de mobilizações nos Estados Unidos e no mundo
democrático pela igualdade racial, ele seria o primeiro negro num
governo que tem na Fundação Palmares Sergio Camargo, um negro que nega o
racismo no Brasil. Logo, Decotelli tinha tudo a ver. Mas não resiste
aos fatos.
O professor deu estranhas versões ontem ao presidente e à mídia, dizendo
que o plágio na tese de mestrado na FGV foi porque “leu demais” e que
sua tese de mestrado foi reprovada por ser “muito profunda”, o que
remete a uma comparação injusta, mas que acaba surgindo, com o mentiroso
advogado Frederick Wassef. Haja cara de pau! O que fica é tristeza, desencanto, constrangimento, vergonha. Decotelli
parecia uma grande referência e exemplo, mas foi virando uma grande
decepção e constrangimento. O presidente anuncia que ele fica, mas, como
tudo o que é ruim sempre pode piorar, não convém desprezar a hipótese
de um terceiro “olavista” no nosso MEC.
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
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