Vozes - Gazeta do Povo
Fundo do poço
Eis aí, enfim: de ódio em ódio, e com o empenho cada vez maior da elite intelectual brasileira na tarefa de selecionar tipos diferentes de ódio, os maus e os bons, chegamos ao topo do pódio. Embora a prudência ensine que não há limite para o pior, vai ser difícil ir muito mais longe do que o ponto em que acabamos de chegar: num artigo publicado em jornal, o autor diz que quer que o presidente da República morra de Covid-19.
É
a medalha de ouro, até agora, em matéria de ódio do bem. Seu alvo é o
presidente Jair Bolsonaro – e odiar Bolsonaro, no Brasil bem pensante de
hoje, é lutar em defesa dos valores democráticos, da inclusão social,
da igualdade e, no fim das contas, da salvação da pátria. Uma salva de
palmas, portanto, para esse manifesto em favor da morte, do fundo do
coração civilizado, liberal e moderno do Brasil 2021.
Cada
um, naturalmente, tem o direito de dizer em público o que quer. Desejar
a morte do próximo, desde que o dono do desejo fique só nisso, não é
proibido por lei – ao contrário, é um direito estabelecido pelo artigo
5º da Constituição Federal brasileira, que assegura a todos a plena
liberdade de expressão.
O único problema neste caso –
mas aí já é realmente um problema de 400 talheres – é que no Brasil
onde se construiu a doutrina do ódio do bem o cidadão tem o direito de
escrever que deseja a morte do presidente, mas não pode desejar a morte
dos seus atuais inimigos políticos, pelo menos nas “redes sociais”.
Experimente, para ver o que acontece, escrever que você quer que o
ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, caia morto. Melhor não.
Para
começar, o ministro vai mandar a Polícia Federal à sua casa, às 6 horas
da manhã, e você será trancado numa cela de prisão. Essa prisão poderá
ser prorrogada por um número indefinido de vezes. Os seus advogados não
terão acesso à totalidade dos autos – só vão poder ler o que o ministro
Moraes deixar.
Você pode ser proibido de trabalhar como jornalista, e o seu site pode ser banido pelos operadores das redes de comunicação na internet.
No caso de ser funcionário de alguma empresa dedicada à defesa da democracia, à luta contra o racismo e à manutenção do “distanciamento social”, vai perder o seu emprego.
Você pode ser proibido de trabalhar como jornalista, e o seu site pode ser banido pelos operadores das redes de comunicação na internet.
No caso de ser funcionário de alguma empresa dedicada à defesa da democracia, à luta contra o racismo e à manutenção do “distanciamento social”, vai perder o seu emprego.
O
Brasil que cultiva o ódio do bem não é apenas moralmente absurdo. É uma
aberração do ponto de vista legal — a lei, pelo menos enquanto o atual
presidente continuar no governo, é oficialmente desigual. Depende, para
proteger e para punir, da sua posição política.
J.R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo
J.R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo
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