O Globo
Sete de Setembro - Remédio amargo
Na
carta, dizia-se que o espaço da praça “foi construído formando um
triângulo equilátero, cujos vértices são os edifícios-sede de cada um
dos Poderes. Esta disposição deixa claro que nenhum dos prédios é
superior em importância, nenhum invade o limite dos outros, um não pode
prescindir dos demais”. Os dois, o discurso de Lira e o manifesto da
Fiesp, com essa metáfora arquitetônica, queriam não criticar diretamente
o presidente da República, fingindo que a culpa pela crise que vivemos é
dos dois outros Poderes, quando, na verdade, somente o Executivo está
em pé de guerra com o Judiciário e também com o Legislativo, quando
Bolsonaro se recusa a aceitar a derrota do voto impresso.
O
presidente da Câmara, que tem a chave [sic] do pedido de impeachment, não
poderia ter se referido, como fez o ministro Luiz Fux, a crime de
responsabilidade de Bolsonaro ao anunciar que não acataria mais decisões
emanadas do ministro Alexandre de Moraes. Como cabe somente a ele abrir
o processo de impeachment, uma palavra nesse sentido seria terminativa.
Fux acusou o presidente de ter agido fora das quatro linhas a que tanto
alude, mas lembrou que a investigação cabe ao Legislativo. O fato é que
todas as autoridades se pronunciaram ainda impactadas pelas multidões
que foram às ruas aderir ao discurso golpista de Bolsonaro.
Muitos
continuavam ontem em Brasília fazendo arruaças. Tanto Fux quanto Lira
aplaudiram quem foi à rua em manifestação pacífica, afirmando que assim
funciona a democracia. Mas coube ao presidente do Supremo ressaltar que a
forma era boa, mas o conteúdo não. Defender a extinção do STF ou a
substituição de ministros, sem utilizar os meios legais para isso, é
fora das quatro linhas. Assim como Bolsonaro não aceita a decisão do
Congresso sobre o voto impresso, também não acata a decisão do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de arquivar o pedido de
impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes.
Mesmo que
Arthur Lira alegue não ver razão para acatar um dentre as dezenas de
pedidos de impeachment contra Bolsonaro, terá de fazê-lo a qualquer
momento, pois ninguém, nem mesmo ele, acredita em acordos com Bolsonaro
para que se modere. Ontem mesmo, na reunião do Conselho de Governo que
improvisou depois de ter dito que convocaria o Conselho da República
como ameaça, mostrou fotos das manifestações do dia 7 de setembro para
garantir que o povo está com ele.
O ministro que pula de
ministério em ministério de acordo com a conveniência de Bolsonaro teve a
petulância de sugerir ao ministro da Justiça que proíba a Polícia
Federal de acatar ordens emanadas do ministro Alexandre de Moraes. Como
se a PF não fosse polícia judiciária e autônoma — e pudesse ser
manipulada pelo governo. Ou como se isso não representasse mais um crime
de responsabilidade.
A fala absurda de Bolsonaro, assim como
estimulou Lorenzoni a propor besteiras, fará com que militantes
bolsonaristas, como blogueiros e caminhoneiros a soldo, se sintam
estimulados a resistir a um mandado de prisão, o que poderá ter sérias
consequências. A crise mal começou e, como depende apenas de Bolsonaro,
não será contida a não ser com o remédio amargo do impeachment.
Merval Pereira, colunista - O Globo
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