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terça-feira, 4 de janeiro de 2022

O crepúsculo da União Soviética - Dagomir Marquezi

Em dezembro de 1991, a mais poderosa ditadura do mundo começou a se desmanchar de vez. E caiu sem praticamente nenhum tiro 

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) surgiu em outubro de 1917, a partir da implantação pioneira de uma ideologia — o comunismo. Fundada por Vladimir Ilich Lenin no fim da Primeira Guerra Mundial, cresceu até somar uma centena de nacionalidades vivendo em 15 repúblicas. Ocupava as terras do Leste Europeu até o Oceano Pacífico e do Círculo Polar Ártico até os desertos do sul da Ásia, cobrindo 22,4 milhões de quilômetros quadrados — o equivalente a 2,6 vezes o tamanho do Brasil.
                  Mapa político da URSS -  Foto: Shutterstock

A União Soviética ocupava um sexto da superfície terrestre. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o poder da URSS cresceu ainda mais. Sete países da Europa Oriental foram transformados em seus satélites no bloco comunista — Albânia, Hungria, Bulgária, Checoslováquia, Alemanha Oriental, Polônia e Romênia (a Albânia se descolou do grupo em 1968).

Uma máquina poderosa de propaganda internacional transformou esse bloco soviético no “paraíso do proletariado”. Lá, todos teriam os mesmos direitos, garantidos pelo sistema socialista. Os êxitos da URSS eram divulgados com orgulho por seus seguidores mundo afora — as conquistas esportivas, a bomba nuclear mais devastadora de todos os tempos, o primeiro satélite artificial, o primeiro astronauta em órbita, etc. Tudo indicava que o domínio do resto do mundo pelo comunismo soviético era apenas questão de tempo.

E, no entanto, o paraíso não era tão perfeito quanto os militantes da causa declaravam. O primeiro-ministro Nikita Khrushchev (entre 1958 e 1964) foi quem denunciou os crimes cometidos por seu antecessor, Josef Stalin, que deixou um rastro de 20 milhões de mortes.

O paraíso dos trabalhadores era na verdade um inferno de incompetência e repressão. Quem reclamasse era mandado para os campos de concentração da Sibéria, chamados gulags. A KGB, polícia de Estado comandada pelo Partido Comunista, dominava cada detalhe da vida. Os desfiles militares e as medalhas olímpicas escondiam a realidade de um império paralisado pela própria inépcia. Pior: não havia esperança. A população vivia num estado de penúria e medo permanentes. E os figurões do PC tinham direito a uma vida de luxo e poderes absolutos.a

Glasnost & perestroika
Khrushchev foi substituído por outros burocratas carrancudos. Mas nada funcionava, a não ser para os altos funcionários do PCUS. Nos anos 1980, a URSS estava paralisada. O modelo centralizador comunista não conseguia tirar o império do ponto morto. Para piorar as coisas, seu grande rival, os EUA, vivia um momento econômico especialmente exuberante. Desde 1981, era presidido por um republicano convicto, o ex-ator Ronald Reagan.
                          Ronald Reagan -  Foto: Divulgação

Reagan percebeu que a URSS estava desabando. E resolveu acelerar o processo. Apostou numa série de avanços no campo do armamento nuclear e num improvável projeto de mísseis no espaço que ficou conhecido como Star Wars. A União Soviética não tinha fôlego para responder a mais esse desafio estratégico.

A catástrofe da usina nuclear de Chernobyl, em 1986, havia mostrado quanto o regime estava apodrecido em todos os detalhes. O próprio Partido Comunista parecia ter reconhecido isso e permitiu que, em 1990, o reformista Mikhail Gorbachev virasse o líder máximo do império. Gorbachev, que sempre foi um comunista convicto, implantou no esclerosado aparelho de Estado duas palavras russas que logo se tornariam conhecidas no resto do mundo: glasnost e perestroika.

Glasnost quer dizer “abertura” e representava uma tentativa de dar um fôlego de liberdade de expressão e informação ao regime. Perestroika (“reestruturação”) ofereceu aos cidadãos alguma liberdade política, além de traços de livre mercado. Eram mudanças ousadas, mas limitadas. Mesmo assim foram boicotadas pelos burocratas do Partido Comunista, que temiam perder seus privilégios estatais.

Mikhail Gorbachev -  Foto: Reprodução/Facebook

A coragem de Gorbachev possibilitou que, em 1989, os países-satélites da Europa Oriental derrubassem suas ditaduras comunistas, uma após a outra. Sem sua visão de estadista, o Muro de Berlim não seria derrubado em 9 de novembro de 1989. Em 1990, Gorbachev não só aceitou que as Alemanhas Oriental e Ocidental se reunissem num só país como não se opôs a que a Alemanha reunida fizesse parte da organização militar antissoviética, a Otan. Propôs a extinção das armas nucleares até 2000 e anunciou profundos cortes na máquina militar soviética. Seus atos foram tão ousados que Gorbachev recebeu o Prêmio Nobel da Paz.


Dezembro de 1991
As repúblicas que formavam a URSS também começaram a se revoltar. A ordem rígida implantada por Lenin se diluía. E, quanto mais a realidade ficava exposta, mais os comunistas temiam perder o poder. Bateu o desespero.

Durante três dias de agosto de 1991, Gorbachev e sua família foram aprisionados por golpistas da linha dura do PC em sua “dacha” (casa de veraneio) na Crimeia. O império soviético havia se transformado numa república das bananas. O golpe, patético em sua execução, saiu pela culatra. Uma sensação surda de “basta” se espalhou pela maior nação do mundo. O comunismo estava sendo derrotado em seu berço.

A essa altura, o presidente da Rússia já era Boris Yeltsin (Gorbachev teoricamente tinha mais poder, pois era o presidente de toda a União Soviética). Yeltsin, rompido com o PC, era um político conhecido por: 1) não acreditar em nenhuma tentativa de ressuscitar o Partido Comunista; 2) ser corajoso o suficiente para criticar os privilégios da elite do partido; e 3) beber além da conta, mesmo para os padrões russos. Criou uma cena histórica ao enfrentar tanques nas ruas de Moscou e libertar Gorbachev.

Ao enfrentar os golpistas, Yeltsin ficou mais forte. Passou, na prática, a dividir o poder com Gorbachev, que se aferrou em sua concepção de que a URSS poderia viver para sempre, com alguns ajustes. A derrubada de um sistema político encastelado no poder do maior país do mundo havia sete décadas já seria difícil e perigosa. Mas havia um fator complicador: 27 mil armas nucleares prontas para lançamento. E ninguém sabia exatamente quem estava controlando o arsenal.

Esse xadrez se resolveu no mês em que o mundo virou de cabeça para baixo. Em dezembro de 1991, a mais poderosa ditadura do mundo começou a se desmanchar de vez. E caiu sem praticamente nenhum tiro. O mundo viveu durante um mês a sensação de que tudo era possível — o desastre e o sonho. Entre o caos e a possibilidade de uma convivência pacífica, livre, construtiva entre as maiores potências do mundo na época. Assim foi o mês mágico de dezembro de 1991, no distante mundo de 30 anos atrás:

(...)

4 dezembro 1991
Mikhail Gorbachev alerta: com a partida da Ucrânia, “a pátria (URSS) está ameaçada e o maior perigo é a crise de Estado”. O que ele diz já não importa muito.

6 dezembro 1991
O Pentágono declara que as 27 mil ogivas nucleares soviéticas aparentemente estão em mãos do governo central (chefiado por Mikhail Gorbachev). Mas a situação não está tão clara na recém-independente Ucrânia, que armazena 4 mil ogivas da URSS em seu território. O governo americano teme que, com o aparente caos político, armas soviéticas possam cair em mãos de “terroristas, ladrões ou países em guerra”.

9 dezembro 1991
Os governos da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia declaram o fim oficial da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E o nascimento de uma nova “Comunidade de Estados Independentes”, mantendo ação coordenada em assuntos de defesa, relações internacionais e economia. “A URSS, como sujeito do direito internacional e da realidade geopolítica, está deixando de existir”, declaram os três governos nacionais. Mikhail Gorbachev afirma em entrevista a uma TV francesa que as consequências do desmantelamento da União Soviética vão fazer a sangrenta guerra civil na Iugoslávia parecer uma “piada”. “Neste fim de semana”, notou Celestine Bohlen, comentarista do New York Times, “três das repúblicas da União Soviética provaram que, ao contrário das repúblicas da Iugoslávia, estão dispostas e podem se encontrar e negociar sobre o futuro comum”.

(...)

18 dezembro 1991
Yeltsin declara ao jornal italiano Repubblica que espera a renúncia de Gorbachev do cargo de presidente da URSS. O Parlamento Soviético, já sem poder, se “reúne” com um único orador presente, um comunista linha-dura chamado Viktor Alksnis. E existe uma única pessoa ouvindo seu discurso: ele mesmo. Os comunistas passaram o dia bravos com o fato de Gorbachev ter arrumado tempo para tirar fotos com a banda de rock alemã Scorpions, e não para ressuscitar o comunismo.

19 dezembro 1991
Boris Yeltsin faz todos os gestos para evitar uma dualidade de poder na nova Rússia. Toma o controle do Ministério das Relações Exteriores, do Parlamento e até do escritório presidencial, ocupado por Mikhail Gorbachev. Com um decreto, institui a MSB, nova sigla que substitui a velha e temida KGB. E levanta a possibilidade impensável até então: que a Federação Russa aderisse à Otan. Justamente a organização militar criada para combater a União Soviética. Outros países, especialmente a Hungria e a Checoslováquia, querem seguir o mesmo caminho.

Bandeira da Federação Russa | Foto: Vyacheslav 
Evstifeev/Shutterstock

25 dezembro 1991
No Kremlin, às 19h32, a bandeira vermelha com a foice e o martelo da URSS é recolhida pela última vez. Mikhail Gorbachev renuncia a seu posto de presidente da URSS. Entrega os códigos de disparo dos mísseis nucleares a Boris Yeltsin. Gorbachev deixa o governo aos 60 anos, com direito a uma aposentadoria de 48 mil rublos por ano. Ironicamente, por causa do fracasso econômico de seu próprio governo, esse dinheiro equivale a meros US$ 40 mensais. Recebe também um apartamento em Moscou, uma dacha de férias, dois carros, 20 guarda-costas e acesso gratuito à rede de saúde.

A bandeira da União Soviética (URSS) com a estátua de Lenin ao fundo | Foto: Alek Seenko/Shutterstock

26 dezembro 1991
No Kremlin, é hasteada pela primeira vez a bandeira branca, azul e vermelha da nova Federação Russa. Gorbachev sugere que vai descansar um tempo e ressurgir para a vida pública por meio de uma ONG, a Green Cross, fundada dois anos depois.

(....)

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Dagomir Marquezi, colunista - Revista Oeste


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