Grupo socioeconômico exprime sentimento de abandono e desconfiança do Estado; 55% da população, é maior no Sudeste, Sul e Centro-Oeste, onde Bolsonaro venceu no 1º turno
De acordo com analistas, iniciativas como o aumento do auxílio emergencial às vésperas das eleições não mudaram essa relação já estabelecida entre o atual presidente e o Estado mínimo. “Mesmo que Bolsonaro não tenha conseguido fazer ações nesse sentido, o ‘não fique em casa’, o ‘Estado me atrapalha’, menos coletivo e mais individual, é uma visão que colou nele e que tem respaldo nesse grupo”, completa Prado.
José Álvaro Moisés, coordenador do grupo de trabalho sobre a qualidade da democracia da Universidade de São Paulo (USP)
Intangível
Outro elemento que as análises mostram sobre este grupo é uma dificuldade em entender e se mobilizar pelo que parece intangível. Em suas pesquisas, Prado percebe posições fortes, por exemplo, contra o feminismo. “Eles são contra demitir uma mulher por estar grávida, mas não associam isso ao feminismo. Há uma visão geral da coisa, mas quando vai no detalhe, no tangível, se mostram a favor”, explica. As campanhas têm justamente explorado, sem explicações detalhadas – o que favorece essa confusão – temas como aborto, drogas e gênero.
No aspecto criminal, diferentemente do que ocorre com o PT, analistas avaliam que há baixa compreensão sobre suspeitas de corrupção no governo Bolsonaro, como a influência dos pastores no Ministério da Educação (MEC), revelada pelo Estadão, ou a investigação sobre compra de vacinas para covid-19, denunciada pela CPI no Senado. “Petista preso é algo mais concreto. Roubo, cadeia é mais simples de entender”, diz Prado.
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Uma comunicação clara e focada no concreto, segundo analistas, torna-se um trunfo neste segundo turno para que as campanhas consigam falar à classe C. Além disso, a religião, identificada como algo relevante para esse grupo, também já tem aparecido como protagonista na disputa nas redes socais e deve continuar em evidência.
Especialistas apontaram erros do PT em ter se utilizado, por exemplo, de artistas e intelectuais para buscar voto para Lula no primeiro turno. Prado diz que o grupo enxerga “um discurso de lacração, de esquerda arrogante progressista ou de um vitimismo, de grupos como os gays”.
Ele cita o movimento nas redes sociais que estimulava eleitores do PT a fotografar 13 livros de cor vermelha. “Muitos pensam: nunca li nem 13 livros, quanto mais vermelhos”, diz o antropólogo. O partido tirou os artistas e passou a veicular vídeos com pastores evangélicos logo nos primeiros dias da campanha do segundo turno.[artistas tipo a Mercury cujo último sucesso foi na década de 90, ou o Chico Buarque, mais recente sucesso também no século passado.].
O desafio da comunicação também aparece no discurso de não violência, contra as armas, diz Prado, já que a população se vê entre facções criminosas e tráfico. A evidência de que o aumento no número de armas leva a mais violência, demonstrada em pesquisas, é mais difícil de explicar do que o discurso de que a arma serve para a pessoa se defender.[Comentários: é sabido que vários morticínio nos Estados Unidos, em outros países e mesmo no Brasil, não se realizaram ou tiveram menos vítimas, por ter pessoas armadas entre as , ou próximas das, possíveis vítimas.]
A religião surge, de acordo com analistas, muito atrelada aos valores morais na classe C. “Uma parte da narrativa desses segmentos de direita é de natureza dos costumes, há uma recuperação de um sentimento conservador, colado na fé religiosa, que existe na sociedade e foi trazido para o centro do debate”, diz o professor José Álvaro Moisés.
Apesar de as últimas pesquisas mostrarem que 30% da população é evangélica, como o último Censo demográfico foi feito em 2010 (e deveria ter sido repetido em 2020) os números podem estar defasados. Outros 50% se declaram católicos.
“Como cristã, valorizo a família, a vida, sou contra o aborto, contra corrupção”, diz Andreia Bassan, de 47 anos, que é evangélica. Ela e o marido têm uma microempresa de cursos online de artesanato. Seu voto é convicto em Bolsonaro. “Ele veio para mostrar as coisas que a gente não enxergava, fomos muito enganados pela política. Se ele não tivesse esse jeito de falar, o sistema já teria engolido ele.”
Andreia mora na zona norte da capital e reclama de não poder trabalhar durante a pandemia e de ser obrigada a “entrar como bandida em seu escritório”. O casal não se vacinou contra a covid por não acreditar no imunizante “feito às pressas”. “Meu marido pegou covid no começo da pandemia, foi terrível, estávamos sem plano de saúde, mas sou uma mulher de fé.”
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