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terça-feira, 16 de maio de 2023

Ações sobre internet no STF são prato cheio para juiz que se acha legislador - Alexandre Garcia

VOZES - Gazeta do Povo
 
Regulamentação ou censura?

Tributos retroativos
Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília.| Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF
 
Nesta terça temos julgamentos importantes no Supremo. São quatro ações, com quatro relatores diferentes, e tudo dizendo respeito ao novo mundo digital. 
A nova ágora, a nova praça pública universal, em que todos nos unimos, todos podemos conversar com todos, todos podemos opinar, falar, expressar nossas opiniões e nossos pensamentos. 
E há uma tentativa de, vamos chamar de “regulamentar”, mas na verdade é censurar, porque a rede social deu voz a cada um de nós. 
Não tínhamos voz; só que quem tinha voz era a televisão, quem estava no rádio, mas agora todo mundo tem voz. Eu tenho o prazer de falar aqui e receber retorno das pessoas, porque elas têm voz.
 
As ações são ligadas, principalmente, às plataformas Google e Telegram. Uma delas vai decidir se o artigo 19 do Marco Civil da Internet é constitucional ou não. Depois, vão julgar recursos do Google, que está reclamando que não é censor, que não tem ninguém que seja um superjuiz para decidir, como Deus, o que é mentira ou verdade, mas querem que a plataforma faça isso.  
Ainda temos o Telegram, em outro caso em que muitas pessoas também foram suspensas, bloqueadas. 
Por fim, a discussão sobre se a plataforma tem obrigação de quebrar o sigilo das pessoas – sigilo que é garantido pela Constituição – se o juiz pedir dados, e como isso seria feito.
 
Agora está cheio de gente, inclusive no governo, querendo que o Supremo regulamente, já que está difícil de passar aquele projeto de censura das redes sociais. 
Não pode: eu olhei o artigo 102 da Constituição, que diz quais são as atribuições do Supremo, e só está escrito julgar isso, julgar aquilo, julgar, julgar e julgar. Não tem nada sobre fazer leis, fazer regulamentos. Supremo julga: julga o que é constitucional e o que não é, interpretando a Constituição. Mas ele não faz leis, não faz regras, porque não tem voto para isso, não tem poderes recebidos do poder original, conferidos pelo voto, para fazer isso
Quem pode fazer leis são os nossos deputados e senadores, representantes de seus eleitores e de seus estados
É assim que funciona. 
Do contrário, está fora da Constituição, e um país que não obedece a Constituição está perdido.
Governo quer resolver logo o arcabouço e mandar a conta para o contribuinte
O governo quer votar o arcabouço fiscal essa semana, porque o presidente vai fazer mais uma longa viagem – já foi à China, a Londres, Madri, Lisboa, agora vai ao Japão, é o presidente que mais viaja [e o que menos governa] – e quer deixar esse assunto já amarrado. Não sei por que chamam de “arcabouço”; foi uma invenção para fazer propaganda. 
Na verdade, é um projeto para derrogar a lei de limite de gastos, para o governo poder gastar mais do que está estabelecido na lei; basicamente, o aumento de gastos está ligado à inflação e não é algo que possa disparar.
Em consequência, o governo vai cobrar de nós, consumidores, mais uns R$ 300 bilhões em impostos, incluindo aí renúncias fiscais para estimular certas atividades e que vão ser canceladas. Então, nós é que vamos pagar mais impostos, não é a empresa; imposto é custo da empresa, que o inclui no preço final, não tem como ser diferente. Está havendo uma briga enorme no Congresso sobre o que pode acontecer com esse arcabouço, que significa liberar geral os gastos e cobrar mais impostos. É bom que saibamos disso, porque nós é que sustentamos o governo, nós escolhemos o governo, nós nomeamos o governo pelo nosso voto. Agora, se não mandarmos nada, somos cidadãos passivos, que só comparecemos na hora da urna e nunca mais. Fica muito estranho isso, isso não é democracia, e muito menos cidadania.
 
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 
 

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Quem venceu o debate na Band? - Gazeta do Povo

Paulo Polzonoff Jr.
 
Ontem (28), os candidatos à Presidência participaram de um debate realizado por um grupo de veículos de imprensa, doravante chamado de "debate na Band". Criou-se alguma expectativa em torno desse debate porque ele colocaria frente a frente, pela primeira vez, o presidente Jair Bolsonaro e Lula. Só de pensar isso, na minha cabeça já começa a tocar a música-tema de Rocky.
 
Debates eleitorais como o da Band são resquício do tempo em que as disputas políticas se baseavam no debate saudável de ideias. Se é que esse tempo existiu. -  Foto: Reprodução/ YouTube
 
Para quem acredita numa democracia elevada, a frustração é certa. Porque debate eleitoral, no Brasil, é aquela coisa toda engessada. 
Coisa de tecnocrata que se acha capaz de controlar o discurso. 
Trinta segundos para a pergunta, um minuto para a resposta, outro tanto para réplica. 
O pressuposto disso é o de que um debate “cientificamente organizado” ajuda a esclarecer o eleitor. É um pressuposto errado.
 
Primeiro porque num domingo, às 21 horas, o eleitor está interessado em qualquer outra coisa, menos num debate eleitoral. 
Ele está de cabeça cheia porque o seu time perdeu na rodada do Brasileirão. 
Ou está com a cara cheia porque o time perdeu ou ele, eleitor, se excedeu no churrasco. 
Ou está angustiado com o fim do descanso e o início de uma semana complicada, e não quer ficar assistindo a um bando de gente dizendo como ele deve viver sua vida ou em que teorias econômicas deve acreditar.

Se debates fossem realmente importantes para a democracia e seu filho problemático, o processo eleitoral, eles seriam realizados com mais frequência e exibidos às 16h do domingo, no lugar do futebol. [sic] Aliás, seriam realizados num estádio de futebol lotado. Se debates fossem realmente importantes e minimamente relevantes, teriam a participação de pessoas que dispensariam as regras tolamente rígidas.

O pressuposto de que um debate ajuda a esclarecer o eleitor também é errado porque, apesar de toda a propaganda do TSE e das autoridades eleitorais, uma eleição não é um confronto saudável de ideias. Longe disso. Depois de décadas de distorções de todo tipo, dá para dizer sem medo de errar que o processo eleitoral se transformou numa disputa de lealdades. Não tem mais nada a ver com projetos ou visões de mundo.

Não importa o que o candidato fale ou deixe de falar nas entrevistas, no horário eleitoral gratuito ou nos debates. Poucos são os eleitores capazes de mudar radicalmente de voto por conta do que é ou não dito pelo candidato que eles acreditam ser não só o melhor, mas principalmente a única saída para o país. Ninguém está disposto a se deixar convencer do contrário.

Sim, chegamos a este ponto. Se é que alguma fez não estivemos nele. Tendemos a romantizar os debates como se eles fossem representações de algum ideal grego. Como se o estúdio frio da emissora de TV fosse a ágora e aqueles homens de terno e gravata fossem filósofos discutindo ideias avançadas não só de administração da cidade-estado, mas também da melhor forma de se viver e alcançar a felicidade. Mas, se um dia os debates buscaram refletir esse ideal de democracia, esse projeto caiu por terra com o surgimento das redes sociais. Que nada mais são do que um debate interminável e sem vencedores. E não há nada de mau nisso. Tecnologias novas surgem e as formas de nos comunicarmos muda também.

(Logo mais, à tarde, comentarei em vídeo os pormenores do debate na Band. Que, na minha opinião, foi "vencido" por Jair Bolsonaro).

Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

terça-feira, 6 de novembro de 2018

É a sociedade digital, estúpido!

O capitão cristão fortaleceu-se na internet como oposição ao ‘sistema’

Após vencer a Guerra do Golfo, Bush era favorito absoluto para ganhar as eleições de 1992 contra o desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que, com a economia em recessão, Bush não era invencível e cunhou a frase que explicou o resultado: “É a economia, estúpido!”.

Bolsonaro é um case de marketing. Candidato pelo então minúsculo PSL, sem apoio dos partidos tradicionais, sem dinheiro, criticado de forma contundente pela maioria dos acadêmicos, artistas e veículos de comunicação (nacionais e internacionais), com acesso ínfimo ao horário eleitoral e, ainda, em claro confronto com a “ordem” vigente (ideológica, econômica e política), venceu com 57,8 milhões de votos. O sociólogo espanhol Manuel Castells, estudioso dos movimentos sociais na era da internet, diz, há anos, que o modelo democrático conservador está esgotado. A indignação começa nas redes sociais e transborda para as ruas e urnas. De fato, em 2013, cerca de 1,3 milhão de pessoas protestaram no asfalto externando a insatisfação popular que já era evidente na internet. O reflexo nas urnas demorou, mas chegou…

À época, inúmeras raposas da política brasileira disseram que os interesses eram difusos e que faltava uma “causa” aos manifestantes. Ignoraram grande parte das infinitas razões do descontentamento. Bolsonaro até então um deputado inexpressivo, com posições e frases polêmicas —, ao contrário, viajou pelo Brasil e pelo mundo virtual, personificando a insatisfação social “contra tudo e contra todos”. Conforme pesquisa da FGV, 78% dos brasileiros não confiavam nos políticos e nos partidos. Por outro lado, a sociedade confiava nos militares (45,8%) e na Igreja (61,5%). O capitão cristão fortaleceu-se na internet como oposição ao “sistema” enquanto os políticos discutiam como distribuir verbas dos fundos partidário e eleitoral, tempo de televisão e palanques nos estados. Alguns ainda defenderam colegas corruptos, que já estavam presos ou que deveriam estar.

A carcomida estrutura política brasileira desprezou a era digital: o Facebook do maior partido brasileiro em número de filiados, o MDB, é curtido por apenas 79.659 pessoas, enquanto o do Nas Ruas, criado pela sociedade civil, tem 770.075 curtidas. O PSDB coligou-se com o Centrão para tornar-se o “campeão” de minutos no horário eleitoral, mas morreu longe da praia. O seu Facebook tem 1,3 milhão de curtidas, enquanto o do movimento Vem Pra Rua Brasil possui mais de dois milhões. O PT, recriminado pelo rapper Mano Brown por “não falar a língua do povo”, também não se destaca na linguagem virtual. O seu Facebook tem 1,5 milhão de curtidas, praticamente a metade das 3,1 milhões do Movimento Brasil Livre, que se insurgiu contra o aumento das passagens em São Paulo. A título de comparação, o Facebook de Jair Bolsonaro é curtido por 8,7 milhões de pessoas…

Nas outras redes, não é muito diferente. O Twitter de Bolsonaro tem 2,3 milhões de seguidores contra 1,1 milhão de Haddad. No Instagram, os 6,8 milhões de seguidores de Bolsonaro superam a soma dos que seguem todos os outros recém-candidatos a presidente.  Os dados são relevantes, pois, no ano passado, em pesquisa da FGV, quase a metade dos entrevistados (49,5%) disse que se informa sobre política no Facebook, Twitter, WhatsApp, blogs e sites.

Nas campanhas eleitorais, nada será como antes de 2018. O país possui 139 milhões de internautas e 120 milhões de contas de WhatsApp. Existem 220 milhões de smartphones para 209 milhões de habitantes.  Na Grécia Antiga, a sociedade se reunia na Ágora, a praça do povo, para debater com os arcontes, embaixadores e generais. A cidadania agora é tratada nas redes sociais, às vezes à revelia do que desejam os partidos políticos, seus dirigentes e muitos dos que pensavam ter ingerência sobre o pensamento da sociedade brasileira.

Para os que ainda não entenderam como Bolsonaro venceu, sugiro adaptarem a frase do marqueteiro de Clinton, James Carville. É a sociedade digital, estúpido!

Gil Castello Branco, O Globo