O risco da radicalização
Reunião realizada na surdina com a
presença do Alto Comando do Exército, em que se discutiu a possibilidade
de uma intervenção militar no País, revela que a voz do general Antonio
Hamilton Martins Mourão, com notas extremistas, não é isolada na
caserna. É preciso ficar alerta
EXTREMISMO Bolsonaro (acima) capitaliza o discurso
radical, que insinua intervenção militar para se contrapor ao caos
político, como fez o general Mourão
Segunda-feira, 11, às 9h, o ar estava seco e o tempo quente em Brasília,
a despeito de ainda ser inverno no País. Nesse exato instante, o
Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, fazia a abertura
formal da 314ª reunião do Alto Comando do Exército, realizada no Quartel
General do Exército, em Brasília. O encontro, de cinco dias de duração,
foi convocado para discutir os problemas que afligem os militares,
entre os quais, a crise política do País e a falta de recursos para
manter soldados nas casernas e garantir as atividades básicas da força,
alvo de um significativo contingenciamento de verbas do governo federal.
Os generais que comandam as tropas nas principais unidades do Exército
demonstravam inquietação. Sentiam a necessidade de se posicionar sobre a
corrupção e a barafunda reinante nos poderes da República. Mas a pauta,
por assim dizer, foi extrapolada, ultrapassando as fronteiras do
razoável.
Na surdina, a cúpula do Exército pôs em debate ali o que o general
Antonio Hamilton Martins Mourão ecoaria dias depois, mais precisamente
na sexta-feira 15, durante um evento da Loja Maçônica Grande Oriente:
uma eventual necessidade de uma intervenção militar no País, “diante da
crise ética e político-institucional”. Ou seja, Mourão não falava
sozinho nem havia cometido um arroubo imprevidente, quando defendeu a
solução radical tornada pública na última semana. Ele entabulou um
discurso, com tintas golpistas, respaldado por um encontro prévio do
Alto Comando do Exército. Não se trata de um foro qualquer.
PASTEL SEM RECHEIO Preferido do militares, Bolsonaro
cresce nas pesquisas em meio ao clima anti-estabilishment, mas
falta-lhe substância (Crédito:LINCON ZARBIETTI )
O colegiado é
o responsável pelas principais decisões do Exército. Estavam presentes
16 generais quatro estrelas, entre eles Fernando Azevedo e Silva, chefe
do Estado-Maior e Comandante Militar do Leste, cotado para substituir
Villas Bôas, prestes a encerrar seu ciclo no comando do Exército.
Compareceram também os demais seis comandantes militares, entre os quais
o da Amazônia, general Antonio Miotto, e o do Sul, general Edson Leal
Pujol. Fontes ouvidas por ISTOÉ, presentes à reunião, ponderam que não
estavam ali a fim de tramar um golpe militar, mas confirmam que o que os
motivou a realizar o encontro foi a preocupação com o ritmo acelerado
da deterioração do quadro político brasileiro. E, sim, deixam claro que,
se houver necessidade, estarão prontos “para uma intervenção com o
objetivo de colocar ordem na casa”.
Ao invés de punir o general Mourão, o Comandante do Exército elogiou o colega: “Grande soldado”
Foi munido desse espírito que Mourão desembarcou na maçonaria. O
encontro teve início às 20h de sexta-feira 15. Lá, ele disparou a
metralhadora giratória sem maior cerimônia. Disse que seus “companheiros
do Alto Comando do Exército entendiam que uma intervenção militar
poderá ser adotada se o Judiciário não solucionar o problema político”,
referindo-se à corrupção. Pediu a “retirada da vida pública desses
elementos envolvidos em todos os ilícitos” e advertiu que “vai chegar um
momento em que os militares terão que impor isso (a intervenção militar
na política)”. E, por fim, acrescentou: “O que interessa é termos a
consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos, de
qualquer maneira, atingir esse objetivo. Então, se tiver que haver,
haverá (ação militar)”, pregou Mourão.
A fala do general provocou o maior alvoroço no País. Apesar disso, em
entrevista na noite de terça-feira 19 ao jornalista Pedro Bial, da TV
Globo, Villas Bôas foi taxativo: “Punição não vai haver. Essa questão já
está resolvida internamente”, disse o comandante, acrescentando: “A
maneira como Mourão se expressou deu margem a interpretações amplas, mas
ele inicia a fala dizendo que segue as diretrizes do comandante”. Ainda
chamou Mourão de “um grande soldado, uma figura fantástica”. E ateou
ainda mais lenha à fogueira ao dizer que “a Constituição concede às
Forças Armadas um mandato para intervir se houver no País a iminência de
um caos”. Não é verdade. De acordo com o artigo 142 da Constituição, as
Forças Armadas podem agir, desde que “sob a autoridade suprema do
presidente da República”. Em nenhum lugar da Carta Magna está escrito
que o caos confere um “mandato” para atuar à revelia do presidente. O
que Villas Bôas deveria ter feito, e não o fez, foi punir o subordinado.
ELE NÃO ESTÁ SÓ Quando o general Mourão (à esq.) diz
que os militares podem fazer uma intervenção na política, o radicalismo
se exacerba (Crédito:Divulgação)
Claro, quando a existência de uma reunião prévia com a participação
do Alto Comando do Exército vem à tona, tudo faz mais sentido. Como é
que o Comandante do Exército, o general Villas Boas, poderia aplicar uma
sanção a um subalterno que tornou público um dos cenários debatidos num
encontro em que ele mesmo estava presente, participou da abertura dos
trabalhos e comandou as discussões? Não poderia, evidente, e, por isso,
não puniu. Em audiência no dia seguinte, o ministro da Defesa, Raul
Jungmann, defendeu ao menos uma reprimenda pública a Mourão, ao que o
comandante do Exército de novo resistiu. Ficou combinado apenas que
Villas Bôas conversaria com o subordinado para deixar claro que a voz
oficial do Exército é a dele e de mais ninguém. Coube aos comandantes
militares da Marinha, Exército e Aeronáutica defender publicamente, por
meio de comunicados, o respeito à Constituição, aos poderes constituídos
e aos princípios democráticos.
Mero formalismo. Embora não lidere nenhum movimento de insurreição
militar, o general Mourão conta com amplo apoio não só do comando do
Exército, como da tropa. No início da semana, o coronel Muniz Costa
distribuiu para um grupo de companheiros de farda uma carta sob o título
“Do que falou o General”. Nela, promoveu uma contundente defesa do
general: “Quando um general de quatro estrelas afirma que o Exército tem
planejamentos para atuar na eventualidade de uma falência das
instituições nacionais, num momento que o País enfrenta a mais grave
crise em mais de cinquenta anos, as cassandras do ‘pseudolegalismo’ se
agitam”, afirmou. O primeiro comandante da Força de Paz no Haiti (2004),
general da reserva Augusto Heleno, seguiu na mesma toada.“Meu apoio
irrestrito ao respeitado chefe militar (Mourão). É preocupante o
descaramento de alguns políticos, integrantes da quadrilha que derreteu o
País, cobrando providências contra um cidadão de reputação intocável”.
Outro que demonstrou estar no mesmo compasso de Mourão foi o general de
Brigada Paulo Chagas. A seu grupo de amigos nas redes sociais afirmou
que num cenário de um caos total, os militares não poderiam ficar
“inertes aguardando ordens”. O presidente da Associação de Oficiais da
Reserva do Distrito Federal, o tenente Rômulo Nogueira, foi além, ao
divagar sobre uma eventual queda de Temer. “Quem assume? O rapazinho lá,
não sei o quê Maia. Será que ele teria pulso forte para dar uma ordem?
Num clamor, numa desordem, alguém tem de tomar conta da casa”.
A população minimamente instruída precisa ficar alerta a
manifestações dessa natureza. Pouco importam os panos quentes manuseados
pelos militares, ao longo dos últimos dias, para abafar o
indisfarçável. É inadmissível qualquer vestígio, rastro ou laivo capaz
de representar uma chance mínima que seja de retrocesso de 53 anos na
história do País. A retrospectiva histórica ensina: militar não tem de
se arvorar a fazer política. Cabe constitucionalmente às Forças Armadas a
garantia da ordem interna e das fronteiras. [é óbvio que estando o Brasil caminhando para uma situação de CAOS o que ocorrer atualmente - e a Chefia de nenhum dos Três Poderes tomando a iniciativa de adotar medidas que garantam a ORDEM INTERNA, as Forças Armadas tem o SAGRADO DEVER de adotar todas as medidas necessárias para cumprir a Constituição e adotar as medidas necessárias para garantir a ORDEM INTERNA.
Não se trata de fazer política e sem de cumprir a Constituição, um DEVER de todos os brasileiros, especialmente dos militares;
portanto, não recebendo ordens para fazer cumprir a Constituição os militares estão obrigados a agir por ordem dos seus Comandantes.] Quando os militares se
meteram a fazer política, pela última vez, mergulharam o País em 21 anos
de trevas, os quais não podemos esquecer para que jamais novamente
aconteça.
FILME REPETIDO
Em 2015, o mesmo Mourão havia sido afastado do Comando Militar do Sul,
em Porto Alegre, depois de tecer críticas a presidente Dilma, dizendo
que seu governo era corrupto e incompetente – o que não constituía uma
mentira, por óbvio. Mas tratava-se de uma insubordinação. Punido, Mourão
foi transferido para Brasília, onde assumiu o cargo de Secretário de
Finanças do Exército, sua atual função, uma das mais importantes na
força. Por isso, as perguntas que mais circulavam em Brasília na última
semana eram: o que aconteceria agora? O general perderia o cargo e seria
preso por pregar uma intervenção militar no País? Seria repreendido?
Nem uma coisa, nem outra.
Crédito: Jorge Couri
Pelo sim, pelo não, a ordem unida no Planalto é de baixar a bola. Na
verdade, desde que assumiu o poder, o presidente Michel Temer evitou
criar embaraços às Forças Armadas. Por exemplo, bastou um ranger de
dentes para que os militares fossem retirados da reforma da Previdência.
Depois de uns muxoxos, também ficaram imunes à proposta de congelamento
dos salários dos servidores federais. De outro lado, não convém
desconsiderar que prevalece entre setores da caserna o espírito
corporativista. Apesar de o governo tê-los poupado de eventuais
maldades, há uma espécie de sentimento de sabotagem ao estado de penúria
experimentado pelas Forças Armadas desde 2012 pelo menos. Nos últimos
cinco anos, o Orçamento despencou de R$ 17,5 bilhões para R$ 9,7
bilhões.
Em geral, as insatisfações são ecoadas por militares, da ativa e da
reserva, por ‘WattsApp’. Pelas redes privadas, formam grupos de
comunicação direta, trocam informações e opiniões. É por elas que
circulam as críticas pela falta de verbas, como também todos os passos
do candidato do coração da caserna: o deputado Jair Bolsonaro (PSC). Os
militares constituem a principal base eleitoral do capitão da reserva do
Exército, que já anunciou sua pré-candidatura à presidência da
República em 2018. Pelas recentes pesquisas, ele figura em segundo
lugar. Por frases como “soldado meu que vai à guerra não senta no banco
dos réus”, Bolsonaro frequentemente é ovacionado por seus seguidores
abnegados em discursos pelo País afora. “Não se faz democracia aceitando
a corrupção por governabilidade. Reagir a isso é obrigação de qualquer
civil ou militar”, afirmou o parlamentar, ao comentar o discurso de
Mourão. O deputado desperta amores e
ódios. Fala pouco, e admite parco conhecimento quando o assunto é
economia ou políticas públicas –, o que representa um grave defeito para
quem quer comandar os destinos do País –, mas provoca aplausos na mesma
intensidade das vaias quando discorre sobre direitos humanos, tortura e
comunismo. Constantemente comparado a Donald Trump, Bolsonaro é o
pré-candidato com o qual ninguém sabe como lidar, ao menos por ora.
Para manter aquecida sua tropa eleitoral, em suas quase três décadas
na Câmara, o deputado dedicou-se a atender os interesses de militares e à
área de segurança pública. Questões que deverão estar no centro dos
debates em 2018, como os rumos da política econômica do País, parecem
não ser uma prioridade para o militar da reserva. “Um País violento não
tem economia. Eu, por exemplo, raramente vou sair para comer uma pizza à
noite na Barra da Tijuca”, afirmou o deputado recentemente, depois de
reclamar da insegurança no Rio, onde mora.
INDISCIPLINA
Apesar de Bolsonaro ser um proverbial entusiasta da ordem, sua
carreira no Exército não foi isenta de atos de indisciplina. Em 1987,
segundo documentos do Superior Tribunal Militar divulgados pela “Folha
de S.Paulo” recentemente, o então capitão foi acusado por cinco
irregularidades e teve que responder a um Conselho de Justificação
formado por três coronéis: ele escreveu um artigo para a revista “Veja”
pedindo aumento salarial para a tropa, sem consultar seus superiores.
Meses depois, a mesma publicação afirmou que ele e outro oficial haviam
elaborado um plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do
Rio. Os superiores de Bolsonaro chegaram a avaliá-lo como dono de uma
“excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”. Isso
porque em 1983, o na época tenente, com 28 anos, “deu mostras de
imaturidade ao ser atraído por empreendimento de ‘garimpo de ouro’”. [até o presente momento, o deputado Jair Bolsonaro, caso tenha a excessiva ambição mencionada, a exerce de forma honesta, comedida, dentro dos principios legais, tanto que NUNCA foi acusado de nenhum ato de corrupção, ou mesmo alvo de suspeita.]
Para o cientista político e professor da Unesp, Marco Aurélio
Nogueira, apesar da popularidade atual, “Jair Bolsonaro tem essa força
demonstrada agora porque o caos está instalado, mas quando outros
candidatos se lançarem ele deve perder gordura”, aposta. O fato é que,
independentemente de como marchará Bolsonaro, os militares – sob sua
influência ou não – sacudiram o País nos últimos dias. Se o diabo mora
nos detalhes, ele começou a se insinuar inadvertidamente. E sem ser
admoestado. Faltou pulso firme ao governo, ao mesmo tempo em que sobrou
irresponsabilidade à caserna. Em qualquer democracia do mundo deve haver
espaço para ideais de todos os espectros políticos. E isso é salutar
para o processo democrático. Mas não há dúvida de que o flerte com o
radicalismo – à direita ou à esquerda – é o mais perverso dos caminhos,
ao nos remeter a tempos que acreditamos ter ficado definitivamente para
trás. [perguntem aos que tiveram a felicidade de viverem sob o Governo Militar, 1964 a 1985, o Brasil era melhor naquela época ou agora?
E os cariocas daquela época, milhões ainda vivos, e residindo no Rio: morar no Rio, era melhor naquela época ou agora?]
Não é essa a primeira vez que um sobrenome Mourão aparece na história
política brasileira, de farda e com quatro estrelas nos ombros – ou
seja, estamos falando de um general do Exército. Não é essa a primeira
vez que um general Mourão fala mais do que o bom senso tolera, e mais,
muito mais, do que as regras de sua instituição permitem. Trata-se,
aqui, de Antonio Hamilton Martins Mourão e de Olímpio Mourão Filho. O
primeiro é atual, está na ativa e conseguiu ser notícia porque insinuou
na maçonaria que as Forças Armadas podem atropelar a democracia se assim
cismarem.
O segundo Mourão foi ideólogo e hábil operador de um
trágico passado: o golpe de 31 de março de 1964 que rasgou a
Constituição, apeou do poder o presidente João Goulart e mergulhou o
País na noite de vinte e um anos de ditadura militar. [impediu que o Brasil se transformasse em uma CUBONA, em mais um satélite da extinta União Soviética.]
Mourão, não o Antonio boquirroto do presente, mas o
Olímpio silencioso e golpista do passado, atravessou a vida
conspirando.
A rigor, 1964, para ele, foi a decorrência lógica do que
começou a aprontar na década de 1930. Eis um registro marcante: como
dirigente máximo do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (que
tinha o fascismo enquanto discurso e Plínio Salgado enquanto boca), o
general Mourão Filho arquitetou o mentiroso Plano Cohen, segundo o qual o
Partido Comunista Brasileiro se preparava clandestinamente para golpear
as instituições. A consequência imediata foi a decretação, por Getúlio
Vargas, da ditadura do Estado Novo.
Fonte: Revista Isto É - Colaborou Eliane Lobato