Entrevista com Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército
Ex-comandante do Exército afirma que ataques ‘passaram do ponto’ e que escritor ‘se arvora com mandato para querer tutelar País’
Um dos nomes mais respeitados nas Forças Armadas, o
ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas quebrou o silêncio
que reina na caserna e entre os generais que despacham no Palácio do
Planalto para defender, primeiro no Twitter e depois em entrevista ao
Estado, os ministros militares dos ataques do guru bolsonarista Olavo de
Carvalho e seus seguidores, incluídos os filhos do presidente Jair
Bolsonaro. Villas Bôas, que está na reserva e exerce o cargo de assessor
especial do ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), disse ao Estado que Olavo “passou do ponto”, está
agindo com “total desrespeito aos militares e às Forças Armadas” e
“presta enorme desserviço ao País”.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Olavo de Carvalho voltou a atacar os militares pelo Twitter. O sr. rebateu. Qual o tamanho do incômodo dos srs.?
Bolsonaro entendeu que trazer militares para trabalhar em setores do
governo seria uma cooperação importante para o restabelecimento da
capacidade de gestão e a busca de combate à corrupção. Isso não
significa que as Forças Armadas estão participando do governo, mas
trazendo consigo seus valores. Portanto, os militares exercem uma
natural influência que contribui para a estabilidade do País e do
governo. Talvez por isso, o sr. Olavo de Carvalho se sinta
desprestigiado e queira disputar espaço com os militares, junto à
Presidência da República. Isso não dá direito a ele de traçar
comentários desairosos a toda uma classe profissional, que representa
uma instituição. Desconheço os tipos de valores que animam o sr. Olavo
de Carvalho a tecer tais comentários.
Olavo passou do ponto?
Sim. Passou do ponto. Aliás, já vem passando do ponto há muito tempo,
agindo com total desrespeito aos militares e às Forças Armadas. E,
quando digo respeito, é impressionante que ele, como um homem que se
pretende culto e inteligente, desconhece normas elementares de educação.
É também muito grave a maneira como ele se refere com impropérios a
oficiais da estatura dos generais Mourão (vice-presidente da República),
Santos Cruz (ministro da Secretaria de Governo) e Heleno (ministro) e
aos militares em geral.
O que fazer diante disso?
Rebater Olavo de Carvalho seria dar a ele a importância e a relevância
que não tem e não merece. Ele está prestando um enorme desserviço ao
País. Em um momento em que precisamos de convergências, ele está
estimulando as desavenças. Às vezes, ele me dá a impressão de ser uma
pessoa doente, que se arvora com mandato para querer tutelar o País.
O presidente Bolsonaro está sendo tímido na defesa dos militares?
O presidente, desde sempre, tem sido enfático ao expressar o seu
respeito, a sua admiração e o seu apoio às Forças Armadas, tanto
verbalmente como em inúmeras ocasiões. Eu desconheço como é o
relacionamento do presidente da República com Olavo. O presidente não me
disse diretamente, mas soube que ele já expressou o seu
descontentamento com as posturas do sr. Olavo.
Mesmo assim Olavo e filhos do presidente mantêm os ataques...
Isso tudo é resultado de uma certa influência do sr. Olavo num grupo
importante de apoiadores de Bolsonaro. O presidente deve estar pesando
isso antes de tomar uma decisão (sobre esse assunto).
A que o sr. atribui essa guerra?
Uma patologia muito comum que acomete todos aqueles que se deixam
dominar por uma ideologia é a perda da capacidade de enxergar a
realidade e a inconformidade de não ver todos os preceitos que ele
professa serem implantados na sociedade.
Há uma corrente olavista que acusa os militares de tutelar o presidente...
Absolutamente. O presidente Bolsonaro tem uma personalidade bastante
independente na sua maneira de ser. Ele interage com seus assessores, se
orienta e se aconselha pelas observações que lhes são apresentadas. Ele
sempre foi assim. Mantém absoluta independência de pensamento e na
maneira de agir.
Os olavistas levantam teses de que os militares querem assumir o poder em dois anos, com o vice Hamilton Mourão.
Isso é uma inverdade que beira o ridículo. Não passa na nossa maneira de
pensar algo desse tipo, porque seria uma deslealdade com o presidente e
a lealdade é o valor que os militares tomam como religião. O general
Mourão, a quem conheço com profundidade, tampouco se prestaria a
participar desse tipo de articulação.
O general Santos Cruz pode deixar o governo? Os militares podem se afastar por conta dos ataques?
Não acredito. Cada um está imbuído em auxiliar o governo e o Santos Cruz
expressa isso, a enorme responsabilidade que ele tem, e a sua
importância para a articulação política em relação ao que ocorre no
Congresso.
Se o governo não der certo, a conta vai para os militares?
Embora o que estejamos vivendo não represente as Forças Armadas no
governo, mas pela importante presença dos militares em cargos de chefia,
certamente uma parte da conta será debitada aos militares.