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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Um ano envolto em fraldas - Percival Puggina

        As antigas folhinhas de xaropes e pílulas costumavam vir ilustradas com a imagem de um ano ancião que saía, barbas brancas, encurvado sobre sua bengala e um ano novo que chegava enrolado em fraldas. Posta na parede, ali ficava como “marco temporal” de nossos planos de réveillon.

Contudo, o Sol e a Lua não contam seus giros nem dão bola para as promessas que fazemos a nós mesmos. 
O tempo é coisa que usamos, mas não nos pertence; é utilidade, convenção, relatividade. Meia hora na cadeira do dentista dura bem mais do que meia hora numa roda de amigos. 
Na infância, eternidade é o tempo decorrido entre dois Natais ou duas visitas de Papai Noel. 
Minha mãe, por seu turno, tão logo terminava um ano começava a se preocupar com o Natal vindouro “porque, meu filho, logo, logo é Natal outra vez”.

A vida familiar e a vida social se fazem, entre outras coisas, do cotidiano encontro da maturidade com a juventude. Imagine um mundo onde só haja jovens ou onde, pelo reverso, só existam idosos. Imagine, por fim, a permanente perplexidade em que viveríamos se a virada da folhinha nos trouxesse, com efeito, um tempo novo, flamante, que nos enrolasse nas fraldas da incontinência urinária, com tudo para aprender.

Felizmente não é assim, nem deve ser visto assim. O importante, em cada recomeço, é ali estarmos com a experiência que o passado legou. Aprender da História! Aprender da vida! E, principalmente, aprender da eternidade!

Quem aprende da eternidade aprende para a eternidade. Aprende lições que o tempo não desgasta nem consome, lições que não são superadas, lições para a felicidade e para o bem. 
Por isso, para os cristãos, a maior e melhor novidade de cada ano será sempre a Boa Nova, que infatigavelmente põe em marcha a História da Salvação, cumprindo o plano de amor do Pai.

Bem sei o quanto é contraditório à cultura contemporânea o que estou afirmando. E reconheço o quanto as pessoas se deixam cativar pela mensagem do hedonismo “revolucionário”, supostamente coletivista e igualitário. Mas é preciso deixar claro que tal mensagem transforma o mundo num grande seio onde, a cada novo ano, se retoma a fase oral e se trocam as fraldas da imaturidade.

A quantos lerem estas linhas desejo um 2024 de afetos vividos, aconchego familiar, realizações, vitórias, saúde e paz.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

domingo, 2 de janeiro de 2022

TROCAR AS FRALDAS DO TEMPO - Percival Puggina

É comum representar-se a virada da folhinha com o desenho de um bebê que chega para suceder o ancião que se retira. Sai o ano velho e entra o ano novo. O ano velho sai trôpego e fatigado; o novo chega enrolado em fraldas.

O tempo é convenção e relatividade. Meia hora na cadeira do dentista dura bem mais do que meia hora numa roda de amigos. Na infância, é uma eternidade o tempo decorrido entre natais. Minha mãe, porém, tão logo terminava um ano, começava a se preocupar com o Natal vindouro “porque, meu filho, logo, logo é Natal outra vez”.

A vida familiar e a vida social se fazem, entre outras coisas, do cotidiano encontro da maturidade com a juventude. Imagine-se um mundo onde só haja jovens; ou onde, pelo reverso, só existam anciãos. Imagine-se, por fim, a permanente perplexidade em que viveríamos se a virada da folhinha nos trouxesse, com efeito, um tempo novo, flamante, que nos enrolasse nas fraldas da incontinência urinária, com tudo para aprender.

Felizmente não é assim, nem deve ser visto assim. O importante, em cada recomeço, é ali estarmos com a experiência que o passado legou. Aprender da própria vida, aprender da história e, principalmente, aprender da eternidade.

Quem aprende da eternidade aprende para a eternidade. Aprende lições que o tempo não desgasta nem consome, lições que não são superadas, lições para a felicidade e para o bem. 
Por isso, para os cristãos, a maior e melhor novidade de cada ano será sempre a Boa Nova, que infatigavelmente põe em marcha a História da Salvação, cumprindo o plano de amor do Pai. 
 
Bem sei o quanto é contraditório com a cultura contemporânea o que estou afirmando. E reconheço o quanto as pessoas se deixam cativar pela mensagem do hedonismo “revolucionário”, supostamente coletivista e igualitário. Mas é preciso deixar claro que tal mensagem transforma o mundo num grande seio onde, a cada novo ano, se retoma a fase oral e se trocam as fraldas da imaturidade.

A quantos lerem estas linhas desejo um 2022 de afetos vividos, saudades curadas, aconchego familiar, realizações, vitórias, saúde e paz.[agradecemos e retribuímos os desejos expressos e também os não expressos, aos quais juntamos os nossos.]

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Testes de virgindade e kits de 'reparo de hímen' são vendidos no Reino Unido

BBC
Rachel Stonehouse - BBC Newsbeat

Os exames intrusivos são considerados uma violação dos direitos humanos pela OMS e pela ONU, que querem sua proibição

[Aconteceu e continua acontecendo na democrática Inglaterra.]

Polêmicos "testes de virgindade" estão sendo feito em mulheres em clínicas médicas privadas britânicas, mostra uma investigação do programa de rádio Newsbeat e do projeto 100 Women (100 Mulheres), ambos da BBC. Os exames intrusivos são considerados uma violação dos direitos humanos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), que querem sua proibição.

Os testes — que envolvem um exame vaginal para verificar se o hímen está intacto — não têm base científica, não podem provar se alguém é virgem e podem ser uma forma de abuso. A investigação da BBC encontrou também várias clínicas privadas anunciando procedimento de "reconstituição da virgindade" que, quando contatadas, também ofereciam o chamado teste de virgindade por valores entre 150 libras (R$ 1.063) e 300 libras (R$ 2.126).

A BBC identificou 21 clínicas e conseguiu fazer perguntas a 16 delas. Sete confirmaram que oferecem "teste de virgindade" e várias outras não quiseram prestar esclarecimento. Todos disseram que oferecem cirurgia de reparo do hímen, que custa entre 1,5 mil libras (cerca de R$ 10 mil reais) e 3 mil libras (cerca de R$ 21 mil). Dados do NHS (o serviço de saúde pública britânico) mostram que 69 procedimentos de reparo de hímen foram realizados na Inglaterra nos últimos cinco anos.

 A BBC ouviu a história de uma mulher que teve ajuda da instituição de caridade Karma Nirvana, que apoia vítimas de um tipo de abuso emocional praticado por famílias, baseado "na honra" e casamento forçado. "Eu tinha um relacionamento emocionalmente abusivo com meus pais, que queriam que eu tivesse um casamento arranjado", diz ela. "Um dia, um ancião da comunidade me viu sair com meus amigos e disse à minha mãe que um dos meninos era meu namorado. Havia muitos rumores na comunidade sobre isso."

Ela foi então ameaçada com um "teste de virgindade" pelos pais. "Meus pais e a família do homem com quem eles queriam que eu me casasse disseram que eu precisava fazer um teste de virgindade para provar que ainda era virgem para que o casamento pudesse prosseguir. Eu estava com medo e não entendi o que isso realmente significava. Senti que fugir era minha única opção — então foi o que fiz", conta ela, que pediu para não ter seu nome divulgado.

"Recebemos ligações de meninas preocupadas com isso. Pode ser que estejam preocupadas que suas famílias tenham descoberto que talvez tenham tido um relacionamento ou não sejam virgens. Pode ser que a família esteja pressionando as jovens a fazer os testes e elas estão preocupadas com o resultado', diz Priya Manota, que a gerencia a linha telefônica de apoio do Karma Nirvana.

"O abuso por causa da 'honra' e do casamento forçado acontece muitas vezes quando a mulher entra em um relacionamento, escolhe seu próprio parceiro e tem um relacionamento íntimo ou sexual. Sabemos que muitas vítimas em casos extremos chegaram a ser mortas", afirma. "Outras vítimas são repudiadas pela família e não têm para onde ir."

No ano passado, o rapper americano T.I. provocou indignação após admitir durante um podcast que leva sua filha todos os anos para um teste para verificar se o seu hímen ainda está intacto.

Pinças e sangue falso
A BBC também descobriu 'kits de reparação de hímen', que afirmam 'restaurar a virgindade', sendo vendidos na internet por 50 libras (R$ 354).

Um kit comprado na internet e exportado da Alemanha continha 60 ml de gel que tensiona a vagina, pinças de plástico, uma cápsula de sangue e três sachês que pareciam conter sangue falso. Não havia instruções sobre como usar o kit.

O ginecologista Ashfaq Khan recebe regularmente pedidos de pacientes para fazer testes de virgindade e reparo do hímen. "Não entendo por que isso não é ilegal no Reino Unido, deveria ser ilegal", diz ele. "Toda a ideia de que a ausência de parte do hímen significa que você não é virgem está errada desde o princípio. Ele pode ser rasgado por vários motivos."

'Educar as comunidades'

Continue lendo no Correio Braziliense

 

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Gleisi, Wagner, o rabino Hilel e o “esconde ou exibe” Haddad. Presidente do PT leva paradoxo ao ridículo e expõe juízo perigoso em um artigo

O PT se manifesta de dois modos na imprensa nesta terça. Na Folha, Gleisi Hoffmann assina um artigo em que, vá lá, afirma o trivial e o esperado enquanto o TSE não declara a inelegibilidade de Lula: o PT vai até o fim e coisa e tal; é ele o candidato; não vamos desistir etc. Levado o texto na ponta do lápis, temos o paradoxo a serviço do ridículo. Já chego lá. A outra voz é a de Jaques Wagner. Judeu, o ex-governador da Bahia e agora candidato ao Senado deve ter se lembrado de ecos de rabino Hilel, o Ancião: “Se não eu por mim, quem por mim? Se eu for só por mim, quem sou eu? Se não for agora, quando?” Traduzo a minha citação adaptada: se Lula não lutar por si, quem lutará? Se Lula lutar só por si, quem é Lula? Se não se começar a divulgar o nome de Fernando Haddad agora, quando?

Há, visivelmente, duas posturas em curso. Gleisi, obedecendo às ordens do chefão, está entre aqueles que gostariam de esconder Haddad ou de limitar a sua fala à condição de mero porta-voz do “verdadeiro candidato”. E há os que entendem, como Wagner que sempre se mostrou mais realista nesse processo; ele defendia a aliança com Ciro Gomes —, que a estratégia de substituição tem de ser posta em prática já. Os petistas que se entendam. Problema deles. Para quem olha de fora, no entanto, como é o meu caso, resta um julgamento: uma atitude é basicamente irracional, assentada no pensamento mágico, e a outra reconhece os limites da realidade. Antes que volte a esse ponto, uma observação sobre o texto de Gleisi.

A presidente do PT torna ilegítima, em seu artigo, até mesmo uma eventual eleição de Haddad. Escreve a preclara: “Se [as instâncias judiciais] negarem esse caminho [candidatura de Lula] à nação, estarão assumindo as responsabilidades e consequências por fraudar a soberania do voto.”

Logo, mesmo a eventual eleição de Haddad será, segundo a senadora, uma fraude. Caso venha a vencer e caso tenha início um movimento para derrubá-lo, ainda que por vias ilegais e ilegítimas, esta Varoa de Plutarco diria: “Estão derrubando um presidente ilegítimo”.
No PT d’antanho, um artigo como esse passaria por várias mãos, até sair no jornal. Nestes tempos de racionamento da dialética do esclarecimento, Gleisi deve ter escrito o artigo sozinha, se é que me entendem.

O racional e o racional Wagner não está propondo nada de muito difícil, nada que Gleisi não possa entender. Ele defende que o nome de Haddad passe, desde já, a ser oferecido como alternativa ao eleitorado lulista, ao eleitorado mais amplamente petista e ainda ao mais amplamente indefinido. O que a legenda tem a perder? Se a Justiça for sensível aos argumentos do PT, Lula será sagrado candidato, sai da cadeia, elege-se presidente e pronto! A mecânica celeste do petismo volta ao seu lugar. Caso, no entanto, o partido seja malsucedido, aquele que aguarda no banco já entra com algum apoio da torcida. Objetivamente, perde-se o quê? É o racional.

Mas parte do PT é presa da suposição mística, estúpida, irracional mesmo, de que basta afirmar que Lula será o candidato até o fim para que ele seja candidato… até o fim.
Gleisi fala genericamente em “precedentes” da Justiça Eleitoral, que não se aplicam ao caso. E insiste que o petista foi condenado sem provas — foi mesmo! —; que se aplicou um andamento de exceção a seu processo — é verdade; que o julgamento no TRF-4 teve a cara de um concerto, de um arranjo. E eu também acho. Mas e daí?

Será que essa argumentação será eficiente para que o TSE declare a sua elegibilidade? O que ela pretende? Que a corte eleitoral seja empregada como instância revisora do julgamento do TRF-4? Gleisi pretende que a Justiça Eleitoral atue como instância superior do processo penal? Vamos convir: quanto mais se insiste na mistura desses dois domínios, mais o aparelho judiciário se encarregará de fazer a distinção entre eles.  Não é por outra razão que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, fez nesta segunda uma candente defesa da Lei da Ficha Limpa, que seria, segundo ela, um primor. Trata-se, na verdade, de um monstrengo, que contou, no entanto, com o apoio das esquerdas, do PT em particular, e de Lula, que a sancionou sem vetos. É um tanto ridículo que uma ministra da corte constitucional decida fazer a defesa de uma lei em particular. Ao optar por esse procedimento, resolve fazer política, não é? É claro que está se referindo, ainda que indiretamente, a Lula. Como já o fez Luiz Fux, ainda na presidência do TSE. A nova comandante do tribunal, Rosa Weber, é outra entusiasta dessa estrovenga legal.

Ainda que assim não fosse, que diferença faria? A lei está aí.  O paradoxo que conduz ao ridículo na argumentação de Gleisi parte do princípio de que uma conspiração político-judicial operou para tirar Lula da eleição. Digamos, por hipótese, que tenha existido. Faz sentido, então, esperar que esse mesmo aparelho devolva a elegibilidade a Lula, juntando, assim, aos exotismos passados mais um, a saber: o desrespeito à Lei da Ficha Limpa?
Nada, por óbvio, faz sentido na argumentação de Gleisi.
E, como se nota, ela flerta abertamente com o perigo ao considerar, por princípio, ilegítima uma eleição sem Lula. Ilegítimo, pois, nessa perspectiva, seria o vencedor desse certamente — mesmo, segundo as suas palavras, que seja um petista.

Blog do Reinaldo Azevedo