O PT se
manifesta de dois modos na imprensa nesta terça. Na Folha, Gleisi
Hoffmann assina um artigo em que, vá lá, afirma o trivial e o esperado
enquanto o TSE não declara a inelegibilidade de Lula: o PT vai até o fim
e coisa e tal; é ele o candidato; não vamos desistir etc. Levado o
texto na ponta do lápis, temos o paradoxo a serviço do ridículo. Já
chego lá. A outra voz é a de Jaques Wagner. Judeu, o ex-governador da
Bahia e agora candidato ao Senado deve ter se lembrado de ecos de rabino
Hilel, o Ancião: “Se não eu por mim, quem por mim? Se eu for só por
mim, quem sou eu? Se não for agora, quando?” Traduzo a minha citação
adaptada: se Lula não lutar por si, quem lutará? Se Lula lutar só por
si, quem é Lula? Se não se começar a divulgar o nome de Fernando Haddad
agora, quando?
Há,
visivelmente, duas posturas em curso. Gleisi, obedecendo às ordens do
chefão, está entre aqueles que gostariam de esconder Haddad ou de
limitar a sua fala à condição de mero porta-voz do “verdadeiro
candidato”. E há os que entendem, como Wagner — que sempre se mostrou
mais realista nesse processo; ele defendia a aliança com Ciro Gomes —,
que a estratégia de substituição tem de ser posta em prática já. Os
petistas que se entendam. Problema deles. Para quem olha de fora, no
entanto, como é o meu caso, resta um julgamento: uma atitude é
basicamente irracional, assentada no pensamento mágico, e a outra
reconhece os limites da realidade. Antes que volte a esse ponto, uma
observação sobre o texto de Gleisi.
A presidente do PT torna ilegítima, em seu artigo, até mesmo uma eventual eleição de Haddad. Escreve a preclara:
“Se [as instâncias judiciais]
negarem esse caminho [candidatura de Lula] à nação, estarão assumindo
as responsabilidades e consequências por fraudar a soberania do voto.”
Logo,
mesmo a eventual eleição de Haddad será, segundo a senadora, uma fraude.
Caso venha a vencer e caso tenha início um movimento para derrubá-lo,
ainda que por vias ilegais e ilegítimas, esta Varoa de Plutarco diria:
“Estão derrubando um presidente ilegítimo”.
No PT
d’antanho, um artigo como esse passaria por várias mãos, até sair no
jornal. Nestes tempos de racionamento da dialética do esclarecimento,
Gleisi deve ter escrito o artigo sozinha, se é que me entendem.
O racional e o racional
Wagner não está propondo nada de muito
difícil, nada que Gleisi não possa entender. Ele defende que o nome de
Haddad passe, desde já, a ser oferecido como alternativa ao eleitorado
lulista, ao eleitorado mais amplamente petista e ainda ao mais
amplamente indefinido. O que a legenda tem a perder? Se a Justiça for
sensível aos argumentos do PT, Lula será sagrado candidato, sai da
cadeia, elege-se presidente e pronto! A mecânica celeste do petismo
volta ao seu lugar. Caso, no entanto, o partido seja malsucedido, aquele
que aguarda no banco já entra com algum apoio da torcida.
Objetivamente, perde-se o quê? É o racional.
Mas parte
do PT é presa da suposição mística, estúpida, irracional mesmo, de que
basta afirmar que Lula será o candidato até o fim para que ele seja
candidato… até o fim.
Gleisi
fala genericamente em “precedentes” da Justiça Eleitoral, que não se
aplicam ao caso. E insiste que o petista foi condenado sem provas — foi
mesmo! —; que se aplicou um andamento de exceção a seu processo — é
verdade; que o julgamento no TRF-4 teve a cara de um concerto, de um
arranjo. E eu também acho. Mas e daí?
Será que
essa argumentação será eficiente para que o TSE declare a sua
elegibilidade? O que ela pretende? Que a corte eleitoral seja empregada
como instância revisora do julgamento do TRF-4? Gleisi pretende que a
Justiça Eleitoral atue como instância superior do processo penal? Vamos
convir: quanto mais se insiste na mistura desses dois domínios, mais o
aparelho judiciário se encarregará de fazer a distinção entre eles. Não é por
outra razão que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, fez
nesta segunda uma candente defesa da Lei da Ficha Limpa, que seria,
segundo ela, um primor. Trata-se, na verdade, de um monstrengo, que
contou, no entanto, com o apoio das esquerdas, do PT em particular, e de
Lula, que a sancionou sem vetos. É um tanto ridículo que uma ministra
da corte constitucional decida fazer a defesa de uma lei em particular.
Ao optar por esse procedimento, resolve fazer política, não é? É claro
que está se referindo, ainda que indiretamente, a Lula. Como já o fez
Luiz Fux, ainda na presidência do TSE. A nova comandante do tribunal,
Rosa Weber, é outra entusiasta dessa estrovenga legal.
Ainda que assim não fosse, que diferença faria? A lei está aí. O paradoxo
que conduz ao ridículo na argumentação de Gleisi parte do princípio de
que uma conspiração político-judicial operou para tirar Lula da eleição.
Digamos, por hipótese, que tenha existido. Faz sentido, então, esperar
que esse mesmo aparelho devolva a elegibilidade a Lula, juntando, assim,
aos exotismos passados mais um, a saber: o desrespeito à Lei da Ficha
Limpa?
Nada, por óbvio, faz sentido na argumentação de Gleisi.
E, como se
nota, ela flerta abertamente com o perigo ao considerar, por princípio,
ilegítima uma eleição sem Lula. Ilegítimo, pois, nessa perspectiva,
seria o vencedor desse certamente — mesmo, segundo as suas palavras, que
seja um petista.
Blog do Reinaldo Azevedo