O desfecho de derrota
anunciada para o governo na disputa pela presidência da Câmara poderia ter sido outro se os
estrategistas do Palácio do Planalto tivessem dado ouvidos ao ex-presidente
Luiz Inácio da Silva, desde o início favorável à construção de um acordo entre
o PT e o PMDB. Na última semana o governo ainda tentou "criar um clima" de virada disseminando a versão de que a
pressão sobre os deputados em favor do petista Arlindo Chinaglia produziria
resultados de última hora.
A ficha da realidade, porém, caiu na sexta-feira à noite
quando já era tarde demais e uma oferta de acordo - feita por escrito, com a letra do ministro das Relações Institucionais,
Pepe Vargas - acabou consolidando a confiança de Eduardo Cunha e companhia
na vitória. Ao ponto de ser recusada uma tentativa de "embaixada" feita por Lula por
intermédio do prefeito do Rio, Eduardo Paes.
Naquela
altura as contas, feitas e refeitas, já lhes eram favoráveis o suficiente para
não haver espaço nem razão para um recuo. Cunha estava praticamente com a
presidência da Câmara nas mãos, o que o governo teria a oferecer? Em um papel levado pelo deputado Sandro Mabel
(desde ontem sem mandato) ao gabinete
da liderança do partido onde estavam reunidos os pemedebistas, Pepe Vargas propunha de início o seguinte: Os
dois candidatos e as respectivas bancadas partidárias fariam uma reunião e
anunciariam que o melhor para ambos os parceiros de governo seria um esforço de
unidade. A paz (teatral) estaria,
assim, sacramentada.
A sugestão incluía mais dois itens de
pressupostos para o acerto. Um deles,
a retirada de partidos de oposição do bloco de apoio a Eduardo Cunha. Outro, o compromisso de rodízio de
ocupação da presidência da Casa, tal qual havia sido feito quando da escolha de
Arlindo Chinaglia em 2007 e sua substituição por Michel Temer (PMDB) em 2009 e
depois uma nova rodada com o petista Marco Maia e o pemedebista Henrique
Eduardo Alves.
Recebida
a proposta, Cunha trancou-se no "confessionário"
- um minúsculo espaço no gabinete reservado para
conversas a portas fechadíssimas - com gente de confiança e concluiu: a oferta era um sinal evidente de
fragilização do outro lado. Poderiam,
portanto, ficar tranquilos. O adversário havia "piscado", reconhecendo a impossibilidade de vitória no
enfrentamento.
Eduardo
Cunha, então, disse a Mabel que não
teria como aceitar. Não iria romper compromissos assumidos anteriormente
com partidos de oposição (DEM e
Solidariedade), tampouco teria como assegurar o compromisso de rodízio lá
na frente. As circunstâncias são outras. Eleito agora
com votos de boa parte da base aliada revoltada com o PT, não haveria
garantia hoje de que esses mesmos partidos estivessem dispostos a apoiar um
candidato petista em 2016.
Acordo
recusado, dali a pouco telefona para Eduardo Cunha o prefeito do Rio falando em
nome de Lula para sondar se não havia ainda alguma possibilidade. Com todo apreço que o público ali reunido
dedica aos meios e modos de Lula fazer política (em contraponto à presidente Dilma), as condições da disputa estavam
dadas, não havia como mudá-las, assunto encerrado. Depois disso o governo ainda se enrolou todo ao tentar negar o inegável, alegando
que a proposta de acordo partiu do PMDB. Pois é, para quê se a vantagem estava
com o partido?
Fica
do processo como um todo, e desse episódio em particular, a evidência de que não é só a condução da economia que
precisava de correção. A pilotagem da política carece de mãos calejadas,
cabeças organizadas, sangue frio e pés no chão. Tipo do ofício em que vocação é posto.
Fonte: O Estado de São
Paulo - Dora Kramer, colunista do Estadão