“A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defende um
amplo programa de privatizações, porém, os militares são
nacional-desenvolvimentistas”
Comparar as biografias do ex-senador Amaral Peixoto e do
ex-presidente Ernesto Geisel ajuda a entender como os projetos
liberal-democrático e nacional-desenvolvimentista se digladiaram, à
sombra do populismo, durante a maior parte do período republicano. Genro
de Getúlio Vargas,
Amaral teve papel decisivo nas articulações com os
Estados Unidos para o Brasil entrar na guerra contra o Eixo
(Alemanha,
Itália e Japão) e na construção das alianças do governo Juscelino
Kubitschek; Geisel presidiu a Petrobras e sucedeu o general Garrastazu
Médici na Presidência, sendo responsável pelo desalinhamento da política
externa brasileira em relação aos Estados Unidos, com o
acordo nuclear
com a Alemanha, o reatamento de relações com a
China e o reconhecimento
da independência de Angola. Foram adversários políticos por toda a vida.
Amaral lançou a candidatura de Juscelino (PSD) à Presidência da
República na eleição de 1955, com um discurso desenvolvimentista cujo
slogan era “50 anos em 5”, tendo como companheiro de chapa João Goulart
(PTB). Com 35,6% dos votos, contra 30,2% de Juarez Távora (UDN),
Juscelino somente tomou posse porque o general Henrique Lott, legalista,
desencadeou um movimento militar que a garantiu.
Responsável pela
construção de Brasília, atraiu investimentos estrangeiros, promoveu a
industrialização, o desenvolvimento do interior e a integração do país,
num ambiente de estabilidade política e liberdade. Entretanto, deixou
como herança dívidas interna e externa elevadas, aumento da inflação e
concentração de renda, que alimentaram a crise política dos anos 1960 e
desaguaram no golpe militar de 1964. Geisel herdou a crise do
“milagre econômico” do general Médici,
idealizado pelos
ministros João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique
Simonsen, com o objetivo de preparar a infraestrutura necessária ao
desenvolvimento: transportes e telecomunicações, ciência e tecnologia,
indústrias naval, siderúrgica e petroquímica. Grandes obras de
infraestrutura foram executadas: a hidrelétrica de Itaipu, a Ponte
Rio-Niterói e a
rodovia Transamazônica.
Houve crescimento médio de 11,2%
ao ano, com uma inflação inercial de 19%. A crise do petróleo de 1974,
porém, interrompeu o ciclo e forçou uma mudança de rumo na economia.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), lançado por Geisel,
porém, fracassou. Fora idealizado por Reis Velloso, Simonsen e Severo
Gomes para enfrentar a crise internacional provocada pelo
“choque do
petróleo “ (os países produtores formaram um cartel e passaram a ditar
os preços). Geisel fez a maior intervenção estatal na economia da
história do país, com medidas de regulação
(taxa de câmbio, taxa básica
de juros, regras para exportação e importação, tributação, etc.) e um
ajuste estrutural na economia, com redução da dependência do petróleo
árabe, por meio do investimento em pesquisa, prospecção, exploração e
refino de petróleo dentro do Brasil, além de investimento em fontes
alternativas de energia, como o álcool e a energia nuclear.
Privatizações
No governo Geisel, graças ao fechamento da economia e subsídios
generalizados
, o Brasil conseguiu dominar todo o ciclo industrial, porém
a dívida externa e a inflação explodiram. O modelo de capitalismo de
Estado dos militares naufragou na moratória de 1982, no governo
Figueiredo, que sucedeu Geisel. A crise de financiamento do setor
público colocou em xeque não só o modelo, mas o próprio regime militar.
Após sucessivas derrotas eleitorais, em 1974, 1978, 1982, Tancredo Neves
(PMDB), um político liberal-democrata, foi eleito em 1985, em pleito
indireto, no embalo de greves de trabalhadores, protestos estudantis e
uma campanha por eleições diretas para presidente da República que não
vingou no Congresso. Mas a saída da crise só veio com o
Plano Real, nos
governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Nos bastidores do governo Bolsonaro, há uma disputa surda entre dois
modelos: a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defende um
amplo programa de privatizações, porém, os militares, que assumiram o
comando das empresas estatais e querem o controle das agências
reguladoras, são
nacional-desenvolvimentistas e não estão muito
dispostos a cumprir essa missão. Na semana passada, em Washington, nos
Estados Unidos, o ministro de Minas e Energia, almirante Bento
Albuquerque, anunciou que a Eletrobras não será privatizada como estava
previsto, mas capitalizada com base no mesmo modelo adotado em 1994 pela
Embraer, que vendeu 55% das ações ordinárias da companhia, com direito a
voto, em leilão na bolsa paulista.
O ministro também quer rediscutir a relação da Eletrobras com a
Eletronuclear, a Chesf
(Companhia Hidrelétrica do São Francisco) e a
Itaipu Binacional. Bento Albuquerque disputa com Guedes o controle da
Petrobras e foi um dos artífices do megaprograma de construção do
submarino nuclear brasileiro, cujo estaleiro franco-brasileiro, em
Itaguaí, corre o risco de ficar fora do programa de construção das
novas
corvetas da Marinha (estimado entre US$ 1,6 bilhão e US$ 2 bilhões) e
virar um elefante branco.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB