O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso foram
amortecedores dos conflitos gerados pela mentalidade castrense e
centralizadora que predomina no Palácio do Planalto
O ano de 2021 começa com sinais fortes de que será marcado por muitas
tensões políticas e poucas entregas do governo Jair Bolsonaro. Dois
episódios apontam nessa direção:
um é a guerra das vacinas, na qual o
governo federal, por meio de medida provisória, tentou requisitar
vacinas, seringas e agulhas já adquiridas pelos estados para viabilizar a
campanha nacional de vacinação;
o outro, o jogo bruto do Palácio do
Planalto para eleger os presidentes da Câmara e do Senado, com apoio
ostensivo, a base de liberação de verbas e loteamento de cargos, ao
deputado Arthur Lira (PP-AL), e ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente.
Vamos por partes:
A medida provisória que pongava vacinas, seringas e agulhas dos estados foi uma saída do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para resolver um problema criado por sua própria equipe:
a não-aquisição dos insumos básicos para a campanha nacional da vacinação em tempo hábil e a aposta numa única vacina, a de Oxford, que será produzida pela Fiocruz. [erro grosseiro foi o do Joãozinho Doria, que apostou tudo em uma vacina genérica chinesa, que está encalhada ainda na fase de apresentação de resultados = no pedido de registro que apresentou à Anvisa, faltam quase 50% das informações necessárias.
Óbvio que a maior parte da grande mídia vai atribuir a falta de documentos não juntados pela Sinovac ao pedido de registro da Coronavac, a manobra da Anvisa para sabotar o governador paulista.
E, o assunto será judicializado cabendo ao MD Lewandowski, especialista do STF em CIÊNCIAS da SAÚDE, a palavra final - não é necessário ser cartomante para se deduzir qual será tal decisão.]
São tarefas que as equipes do Ministério da Saúde, em todos os governos, e todos os ministros que o antecederam, tiravam de letra, porque havia expertise de gestão no setor para vacinar até 10 milhões de pessoas por dia. Essas equipes foram desmanteladas e substituídas por militares arrogantes e inexperientes, a começar pelo secretário-executivo da pasta, aquele que anda com uma
faca ensangüentada na lapela, o broche de ex-integrante de unidade de operações especiais do Exército. [qualquer integrante, ou ex-integrante, da unidade do 'gorro preto', um comando, usa com orgulho a 'faca na caveira' um maiores símbolos de uma das unidades de operações especiais mais bem treinadas e que significa a vitória da vida sobre a morte = 'muitos tentam mas poucos conseguem'.]O papel de Robin Hood ensaiado pelo general Pazuello — tirar dos
estados com vacinas para dar aos sem vacinas — [as vacinas serão distribuídas de forma equitativa e proporcional, entre todos os estados.
Os recursos são públicos, do Governo Federal, e a decisão privilegiando um estado, em prejuízo do restante do Brasil (especialmente os profissionais da Saúde que deverão ter prioridade sobre todos) será revista.] foi frustrado por decisão
do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que
proibiu a requisição das vacinas, seringas e agulhas já adquiridas por
alguns governos estaduais e prefeituras, entre os quais o de São Paulo.
Por ironia, a vacina produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com
os chineses, a CoronaVac, que o presidente Jair Bolsonaro tentou
desacreditar [tentativa desnecessária, já que a própria farmacêutica chinesa se auto desacreditou e está enrolada com a Anvisa devido o elevado número de documentos que não juntou ao seu pedido de uso emergencial.] e acabou sendo comprada pelo Ministério da Saúde. São 100
milhões de doses que salvarão o governo federal do vexame de não ter
como começar a vacinar imediatamente a população.
O episódio promete ter um final feliz, mas merece uma reflexão mais
profunda sobre a natureza do governo Bolsonaro e a relação que pretende
manter com os demais entes federados, a imprensa e a sociedade.
Primeiro, adota os métodos da caserna em atividades civis, o que não tem
chance de dar certo. Segundo, não compreende a natureza democrática do
Estado brasileiro, regido pela Constituição de 1988, que é federativo e
ampliado, ou seja, garante a independência dos demais poderes, a
autonomia de estados e municípios, os direitos dos cidadãos e presta
contas aos órgãos de controle e à sociedade. O Ministério da Saúde,
muito mais do que o vértice, é o centro do Sistema Único de Saúde (SUS),
que tem uma gestão compartilhada horizontalmente com os demais entes
federados e outros órgãos e autarquias, e não uma cadeia de comando
vertical e militarizada, ou seja, trabalha na base da coordenação e
cooperação. O ministro da Saúde precisa fazer a sua parte e liderar; se
achar que manda em tudo, vira rainha da Inglaterra.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense