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domingo, 20 de março de 2022

Atraso de vida [= Petrobras] - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Esta tem sido a função da Petrobras: servir aos interesses dos políticos que controlam o governo.

A alta desesperada dos preços internacionais do petróleo, por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia, chamou as atenções para uma questão puramente brasileira: 
qual a vantagem que a população leva numa hora dessas pelo fato de ser dona, na lei e na teoria, de uma empresa petrolífera estatal? 
Dez entre dez analistas políticos levariam o resto da vida debatendo a questão para, ao fim, não oferecer nenhuma resposta coerente. 
Fica mais prático, então, responder da maneira mais simples, e com base nos fatos: a população não leva vantagem nenhuma
O preço da gasolina e do diesel, na bomba do posto, continua o mesmo, sendo o cidadão dono da estatal ou não sendo. 
Se fizerem algum truque para não aumentar, vão ter de achar dinheiro para cobrir a diferença entre o preço real e o preço que inventaram. Esse dinheiro é seu mesmo: é aquilo que você paga em impostos. Vão tirar de um bolso o que estão colocando no outro. 

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A ideia de uma empresa estatal como a Petrobras, num país com os usos e costumes políticos do Brasil, é, antes de tudo, um absurdo
Essas coisas podem dar certo na Noruega, ou algo assim, onde o lucro da estatal do petróleo é entregue diretamente à população, em dinheiro, sem conversa fiada, no prazo certo, dentro de um sistema transparente e compreensível para todos. 
 
Mas, aqui, empresa estatal não é empresa pública nem pertence de verdade aos acionistas; os acionistas, aliás, não passam nem da porta de entrada do prédio-sede. Tudo é propriedade privada dos que mandam no governo. Há pouco era propriedade do ex-presidente Lula e do PT. Nunca uma empresa foi tão roubada na história e nunca houve roubo tão bem comprovado, com confissões assinadas dos que roubaram e até devolução de parte do dinheiro roubado. 
 
Esta tem sido a função essencial da Petrobras, desde sua fundação há quase 70 anos: servir aos interesses materiais dos políticos que controlam o governo e a vida pública deste país. 
É verdade que, em seu último surto de roubalheira, a Petrobras chegou a extremos. 
Que empresa privada do mundo compraria, por exemplo, a refinaria americana de Pasadena, um amontoado de ferro velho imprestável? 
Que empresa privada construiria uma refinaria de petróleo em sociedade com a Venezuela de Hugo Chávez, que jamais cumpriu sua parte no negócio e deixou a Petrobras com uma fatura de US$ 20 bilhões a pagar? 
Esse dinheiro, num caso, no outro e em todos os demais, não foi pago “pelo governo”. O governo não tem um tostão. Quem pagou foi o cidadão brasileiro, e o mais pobre pagou mais – como sempre acontece quando uma conta é dividida por igual entre todos. Mas, mesmo em condições normais, sem corrupção nenhuma, a Petrobras é um atraso de vida.

A única estatal boa é a estatal que não existe.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo 


segunda-feira, 27 de abril de 2020

Demissão de Moro - J R Guzzo - Gazeta do Povo

Ao apostar na tensão permanente, Bolsonaro comete seu maior erro

O presidente Jair Bolsonaro, ao que parece cada vez mais, continua decidido a governar dentro de um ambiente de tensão permanente, por achar que o calor da fornalha é o que existe de melhor para ele. Pode pegar fogo? Então vamos lá.

No momento, ele não se mostra satisfeito com as cargas de TNT que rondam o Palácio pelos quatro cantos. Como se já não houvesse dinamite suficiente do lado fora, Bolsonaro faz questão de criar, a cada quinze minutos, focos de tensão dentro do seu próprio governo. Nessa espiral alucinada, acaba de demitir o ministro da Justiça, Sergio Moro — o homem mais popular do governo e do Brasil. A ideia, que vem de longe, andava esquecida com a Covid-19 e, aparentemente, tinha caído em exercício findo. Não tinha.


É coisa de homem-bomba do Exército Islâmico – que vá tudo para o espaço, comigo junto. O presidente, para forçar a saída, demitiu por decreto o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ocupante de um cargo que está diretamente subordinado ao Ministério da Justiça [estando o Ministério da Justiça diretamente subordinado ao presidente Bolsonaro = quem pode o mais, pode o menos.
Ao nosso entendimento, de leigos em política, o maior problema do Moro e que ocasionou o conflito foi a ambição e a preocupação com as eleições de 2022 - ele, a contragosto, esperava que Bolsonaro começasse a governar e implantar a agenda que Moro desejava e que lhe seria favorável = esqueceu o ex-juiz que o presidente não conseguiu ainda governar, implantar sua própria agenda, tem sido boicotado por outros movidos a interesses nada republicanos.] — sem dizer o que ele fez de errado, ou dar qualquer motivo razoável. Disse apenas que a exoneração foi a pedido” – o que não foi. Foi, isso sim, um ato de agressão a qualquer proposta de procurar um mínimo de serenidade e equilíbrio para o seu governo. Tomou a opção pelos grupos que querem ir “para o pau”.

A conta é a de sempre: a base de apoio de Bolsonaro, em sua cabeça e segundo rezam os algoritmos das redes sociais, gosta quanto ele diz “aqui quem manda sou eu”, e vai dar-lhe 100% de apoio ao botar no olho da rua um ministro que incomodava parte do entorno presidencial, por um monte de motivos. Era popular demais. “Se achava”. Queria ser independente. Atrapalhava a vida de certas pessoas que detestam a ação permanente de seu Ministério no combate à corrução. Agora, com o ministro de fora, Bolsonaro e seus estrategistas imaginam que a população vai aplaudir, o “centrão” vai fechar com o governo, por se ver mais longe do camburão da Polícia Federal, e que ele acabará ganhando sabe lá mais que vantagens junto ao mundo político – com o qual está em guerra desde o começo do seu governo.

Para ficar só nos últimos dias, Bolsonaro se viu alvo de acusações indignadas de que estimula um golpe militar, por ter participado de um comício na frente do Quartel General do Exército, em Brasília, na qual faixas e gritos pediam o fechamento do Congresso e do STF. Está sob críticas pesadas, e não só dos inimigos habituais, por causa de suas posições agressivas contra a manutenção da quarentena trazida pelo coronavírus e por ter demitido o ministro da Saúde. O coro pedindo seu “impeachment já” engrossa a cada dia. Importa cada vez menos, a essa altura, discutir se existem ou não, do ponto de vista técnico e jurídico, os motivos constitucionais para a deposição do presidente da República. O que interessa para os inimigos é insistir todo dia no “impeachment”. Qualquer coisa serve: falta de decoro, defesa da cloroquina, ofensa a mulheres jornalistas, incentivo a mortes em massa com a demissão do ministro da Saúde, apoio ao “golpe militar”.

A isso acaba de se juntar o STF, que mandou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, explicar a dois advogados porque não aceita as denúncias de impeachment apresentadas por ambos – junto com a exigência de que seja feita uma estranhíssima divisão da autoridade legal do Poder Executivo entre o presidente e o seu vice.
Num momento de angústia nacional, como o que se vive hoje no Brasil, por causa da epidemia, da ruína para a produção e o emprego criada pelo confinamento e de toda a desgraceira que há por aí, imagina-se que o mais recomendável, para um presidente pressionado por inimigos de todos os lados, seria a busca da paz. Ele tem certeza que não é.

J. R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo



quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Tudo chute - [No Nordeste, o PT teve 10 milhões de votos a menos que em 2014.]

Bolsonaro iria perder de ”qualquer adversário” no segundo turno

As últimas pesquisas de “intenção de votos” que estão circulando na praça dizem, em números redondos, que Jair Bolsonaro está com cerca de 60% das preferências do eleitorado, contra 40% de Fernando Haddad. Mas esperem um momento: deve haver alguma coisa errada aí. Até às vésperas da votação do primeiro turno, todas as pesquisas (e a mídia insistia muito nesse ponto: todas as pesquisas) garantiam que Bolsonaro iria perder de qualquer dos outros candidatos no segundo turno. Repetindo: de qualquer candidato. Nove em cada dez análises se fixavam na importância terminal desta informação vinda da ciência estatística.  Podia se contar com diversos cenários, mas uma coisa pelo menos estava certa, acima de toda e qualquer dúvida: o candidato da direita iria perder a eleição no segundo turno, seja lá o adversário que sobrasse para a disputa com ele. Até o Meirelles?  

Aparentemente, não chegaram a medir a coisa nesses detalhes, mas as manchetes diziam que Bolsonaro perderia de todos os candidatos no segundo turno, e como Meirelles (ou o cabo Daciolo, ou o Boulos, ou o Amoedo, ou o Álvaro Dias etc.) eram candidatos, sempre dá para dizer, tecnicamente, que até essas nulidades iriam ganhar dele. Não aconteceu nada de extraordinário de lá para cá. Porque, então, as pesquisas preveem agora exatamente o oposto do que previam cinco minutos atrás?  Os institutos de pesquisa fariam uma especial gentileza ao público se explicassem, em umas poucas palavras compreensíveis, por que seus números devem ser levados a sério no segundo turno, se mostram agora o contrário do que mostravam no primeiro. Não conseguindo fazer isso, talvez ficasse mais simples dizer o seguinte às pessoas: “Esqueçam o que a gente deu no primeiro turno. Era tudo chute”. Chute ou torcida, tanto faz, porque uma coisa é tão ruim quanto a outra e, no fim das contas, nenhuma das duas será cobrada. Como sempre acontece, se Bolsonaro ganhar mesmo as eleições, os autores das pesquisas dirão que ficou provado o quanto eles acertaram – pois o resultado que costuma sobrar na memória é o último. [lembrando que quando erram, quando a verdadeira pesquisa - o resultado das urnas - prova que estavam errados, dizem que as pesquisas representam o momento em que foram realizadas.] Daqui a pouco, contando com esquecimento geral por parte do público, estarão propondo novas profecias para quem estiver interessado. E em 2022, ou já em 2021, prepare-se para ler que Lula está na frente de todo mundo com 50%, que Marina está subindo e Ciro Gomes começa a crescer. Bolsonaro, se for eleito agora e se candidatar à reeleição, estará com 0%. Na reta final os números serão ajustados de novo (“ocorreram mudanças no processo decisório”) e tudo continuará como sempre foi.

As pesquisas eleitorais de 2018 deixaram claro, mais que em qualquer eleição anterior, o quanto elas estão sendo incapazes de medir aquilo que está realmente na cabeça do eleitor. Foi um desastre. Dilma Rousseff foi garantida como a senadora mais votada do Brasil e ficou num quarto lugar em Minas Gerais. O senador de São Paulo Eduardo Suplicy, outro “eleito” pelas pesquisas, foi exterminado após 27 anos de Senado. Houve erros grotescos nas pesquisas para governador de Minas e Rio de Janeiro – os que acabaram colocados em primeiro lugar tinham 1% dos votos, ou nada muito diferente disso, até poucos dias antes da eleição. Geraldo Alckmin ficou com menos de 5% dos votos. [Alckmin foi um dos que não surpreendeu, sua tática idiota de atirar no primeiro para ir para o segundo lugar = segundo turno, foi um tiro no pé.] Marina Silva ficou com 1%. No Nordeste, que foi citado durante seis meses seguidos como o grande celeiro de onde Lula poderia operar a sua “volta”, o PT teve 10 milhões de votos a menos que em 2014. Das sete capitais da região, perdeu em cinco. Erros deste tamanho, por mais que os institutos neguem, são sintoma de alguma coisa profundamente errada no sistema todo. Como escrito acima, tudo isso tende a cair rapidamente no esquecimento, sobretudo porque não há paciência para ficar discutindo um assunto que não interessa mais até a próxima eleição. Mas o problema não vai sumir só porque não se falará mais nele.

As pesquisas, com certeza, não conseguiram captar as correntes que se movimentam no oceano da internet e do mundo digital como um todo. Não entenderam nada sobre o peso que as redes sociais tiveram no processo eleitoral. Seus questionários podem não estar fazendo as perguntas certas, na maneira certa, na hora e no lugar certos. Na disputa nacional, o papel da propaganda obrigatória na televisão, tido como algo sagrado, mostrou que está valendo zero – e as pesquisas não estavam preparadas para isso, nem para o efeito nulo dos “debates” entre candidatos na TV, das opiniões dos comentaristas políticos e da orientação geral da mídia. Está surgindo um mundo novo por aí. Não será fácil para ninguém começar a entender como ele vai funcionar. Uma boa razão, portanto, para começar já o esforço. [uma das pesquisas assegura que o eleitor decide seu voto muitos dias antes da data eleição - sendo verdade, qual o valor do debate? com certeza não vale a pena Bolsonaro correr o risco de uma recaída, para dar uma de bêbado e ir conversar com um poste.]

J R Guzzo - Veja 

domingo, 22 de outubro de 2017

O parto do STF

Durante um programa de entrevistas na televisão, pouco mais de um ano atrás, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, teve a ideia de perguntar a um dos entrevistadores, o jornalista José Nêumanne Pinto: “Você não acredita na Suprema Corte do seu país?”. Um ministro do STF não deve perguntar essas coisas hoje em dia. Se perguntar, arrisca-se a receber, como de fato recebeu, a resposta mais sensata para a indagação que tinha feito. “Não”, disse o entrevistador. “Eu não acredito.” E por que alguém haveria de confiar, Santo Deus?

Os onze ministros insultam-se publicamente entre si. Faltam ao serviço. Um deles levou bomba duas vezes no concurso para juiz de direito. Outro mantém negócios privados e julga causas do escritório de advocacia em que trabalha a própria mulher. Há um que conseguiu asilo no Brasil para um quádruplo homicida condenado legalmente pela Justiça da Itália, e outro que foi o juiz preferido do ex-governador e hoje presidiário Sérgio Cabral, réu em quinze processos de corrupção. Agora, em seu último feito, o STF decidiu que cabe ao Senado Federal punir ou perdoar o senador Aécio Neves — flagrado numa conversa gravada tentando extorquir 2 milhões de reais de um bilionário, réu confesso e atualmente domiciliado no sistema penitenciário nacional. Os ministros tinham decidido o contrário, tempos atrás, com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que por causa disso perdeu o cargo, o mandato e está preso até hoje. O que vale, então?

Nossa Corte Suprema parece ter conseguido, nesse tumulto, algo inédito no direito internacional: errou nas duas decisões. Perguntaram aos nossos magistrados máximos quanto dá 2+2; na primeira vez eles responderam que dá 5, e na segunda que dá 7. Erraram nas duas vezes porque em ambas se meteram a resolver coisas que não têm o direito de resolver — invadiram a área de outro poder, e uma vez feito isso não conseguem acertar mais nada. 

Com certeza o poder que invadiram, o Congresso Nacional, é uma espécie de Monga, a Mulher-Gorila, ou alguma dessas aberrações exibidas no circo; mas é o eleitorado, e não o STF, quem tem de consertar isso. Com sua intromissão, os ministros pariram Mateus; agora têm de embalar a criatura, dar de mamar, levar ao pediatra e esperar mais uns dez ou doze anos para ver qual o sexo que ela prefere. Enquanto o STF cria a criança que não podia ter parido, os brasileiros ficam sem saber o que está valendo. As decisões finais sobre corrupção no Poder Legislativo são do Congresso? São do Poder Judiciário? Vai saber. Talvez fique valendo o que resolverem na próxima vez.

O caso de Aécio é especialmente tenebroso. Começa que o grupo de ministros que queria punir o senador veio com uma punição de mentirinha — “afastaram” o homem do cargo e decidiram, com imensa coragem, proibi-lo de sair de casa à noite, como se alguém só começasse a roubar depois que escurece. É uma piada, para fazer bonito a preço de custo com intelectuais e artistas de novela, mas o foco da infecção não está no tipo do castigo. Está na pretensão de entregar o que não poderia ser entregue. O ministro Luís Roberto Barroso argumentou que seria uma injustiça deixar “três peixes pequenos” presos e o “peixe grande” solto. Mas Barroso não está lá para medir o tamanho dos peixes, e sim para cumprir a Constituição. Tem todo o direito de não gostar dela; mas não pode escolher quando vale e quando não vale o que está escrito ali. Aécio Neves não é peixe graúdo nem miúdo — é senador da República, por mais que isso se revele um disparate. É senador porque foi eleito. Se o povo votou errado, paciência — a lei não obriga o eleitor a votar certo. Mas obriga a todos, incluindo os ministros do STF, a obe­decer à regra segundo a qual um senador só pode ser punido com a autorização do Senado.

Sem Aécio, o Brasil seria um lugar mais justo, mais sadio e mais limpo — sem ele e todos os outros que vêm do mesmo saco de farinha, a começar por seus inimigos e todos os parasitas, mentirosos e ladrões que mandam no país e fingem ser diferentes entre si. Mas ele é membro do Congresso, e esse Congresso, que positivamente está entre os piores do mundo, é também o único que existe por aqui. Também só existe um STF e só uma Constituição, essa mesma do “Dr. Ulysses” — antes adorada de joelhos como grande fonte de “direitos populares” e hoje tida como um manual de estímulo à roubalheira. Fazer o quê? Acabar com tudo?

Ou dar ao STF o poder de decidir quem é punido e quem é premiado? Está garantido que não vai dar certo.


Fonte: Revista VEJA - J. R. Guzzo


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

J.R. Guzzo: Para quem quer

A morte do ministro Teori Zavascki foi a mais recente comprovação da atitude nacional de pouco-caso diante de comportamentos oficiais que não fazem nexo


O Brasil de hoje é provavelmente um dos países do mundo que melhor convivem com o absurdo. Fomos desenvolvendo na vida pública brasileira, ao longo de anos e décadas, uma experiência sem igual em aceitar a aberração como uma realidade banal do dia a dia, tal como se aceita o passar das horas ou o movimento das marés – “No Brasil é assim mesmo”, dizemos, e com isso as coisas mais fora de propósito se transformam em fatos perfeitamente lógicos. A morte do ministro Teori Zavascki, dias atrás, na queda de um turbo-hélice privado no litoral do Rio de Janeiro, foi a mais recente comprovação da atitude nacional de pouco-caso diante de comportamentos oficiais que não fazem nexo. É simples. O ministro Zavascki não podia estar naquele avião, porque o avião não era dele ─ estava viajando de favor, e um magistrado do Supremo Tribunal Federal não pode aceitar favores, de proprietários de aviões ou de qualquer outra pessoa. Nenhum juiz pode, seja ele do mais alto tribunal de Justiça do Brasil, seja de uma comarca perdi­da num fundão qualquer do interior.


 Primeira sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal), na abertura do ano Judiciário de 2017. Substituto de Teori Zavascki deverá ser conhecido nesta quarta-feira em sessão no Supremo - 01/02/2017 (Alan Marques/Folhapress)

Da morte de Teori Zavascki já se falou uma enormidade, e sabe lá Deus o que não se falou, ou talvez ainda se fale. Foram feitas indagações sobre o dono do avião, um empresário de São Paulo, seus negócios e suas questões junto ao Poder Judiciário. Foram apresentados detalhes sobre as suas relações pessoais, seus projetos empresariais e seu estilo de vida. Foram examinadas as circunstâncias em que se originou e evoluiu seu relacionamento com o ministro Zavascki. Não apareceu nada que pudesse sugerir qualquer decisão imprópria por parte do magistrado ─ ao contrário, sua conduta à frente dos processos da Operação Lava Jato continua sendo descrita como impecável. Mas o problema, aqui, não é esse. O problema é que ninguém, entre os que tomam decisões ou influem nelas, estranhou o fato de que um dos homens mais importantes do sistema de Justiça brasileiro, nos trágicos instantes finais de sua vida, estivesse viajando de carona no avião de um homem de negócios que não era da sua família nem do seu círculo natural de amizades. Não se trata de saber se o empresário era bom ou ruim. Sua companhia não era adequada, apenas isso, para nenhum magistrado com causas a julgar.

A questão não se limita aos empresários. Não está certo para um juiz, da mesma maneira, frequentar ministros de Estado e altos funcionários do governo. Ele também não pode andar com sócios de grandes escritórios de advocacia – grandes ou de qualquer tamanho. Entram na lista, ainda, diretores de “relações governamentais” de empresas, dirigentes de órgãos que defendem interesses particulares e políticos de todos os partidos. Não dá para aceitar convites de viagem com “tudo pago”, descontos no preço e qualquer coisa que possa ser descrita como um favor. Não é preciso fazer a lista completa ─ dá para entender perfeitamente do que se trata, a menos que não se queira entender. O ministro Zavascki não era, absolutamente, um caso diferente da maioria dos membros do STF e de uma grande parte, ninguém poderia dizer exatamente quantos, dos 17 000 magistrados brasileiros de todas as instâncias. Seu comportamento era o padrão – com a diferença, inclusive, de ser mais discreto que muitos. Ninguém nunca viu nada de errado no que fazia ─ e ele, obviamente, também não.

Cobrança exagerada? Diante dos padrões de moralidade em vigor na vida pública nacional, é o caso, realmente, de fazer a pergunta. Mas não há exagero nenhum em nada do que foi dito acima. Ao contrário, essa é a postura que se observa em qualquer país bem-sucedido, democrático e decente do mundo. Na verdade, não passa na cabeça de ninguém, nesses países, levar uma vida social parecida à que levam no Brasil os ministros do STF e de outros tribunais superiores, desembargadores e juízes de todos os níveis e jurisdições. Muitos magistrados brasileiros também acham inaceitável essa confusão entre comportamento privado e função pública. Não falam para não incomodar colegas, mas não aprovam – e não agem assim. Têm a solução mais simples para o problema: só falam com empresários etc. no fórum, e nunca a portas fechadas. Para todos eles, “conversa particular” é algo que não existe. Nenhum deles vê nenhum problema em se comportar assim. Eles aceitam levar uma vida pessoal com limites; só admitem circular na própria família, com os amigos pessoais e entre os colegas. Fica mais difícil, sem dúvida, mas ninguém é obrigado a ser juiz, nem a misturar as coisas. Só quem quer.

Publicado na edição impressa de VEJA

 

domingo, 19 de junho de 2016

Duas ferrovias

Quando a Suíça resolve fazer uma estrada de ferro, as pessoas passam a andar de trem; no Brasil, ficam devendo

Os viajantes que vão de Zurique, de outras cidades da Suíça e da maioria dos países da Europa para Milão e para o norte da Itália já estão rodando a até 250 quilômetros por hora na linha de trem que passa pelo novo túnel do Monte São Gotardo, a mais recente maravilha da engenharia mundial ─ com quase 60 quilômetros perfurados na rocha bruta, é o túnel mais longo do mundo, e sua construção tornou-se uma epopeia comparável à da travessia subterrânea do Canal da Mancha, entre Inglaterra e França.  

Enquanto isso, no Brasil, a última notícia que o público pagante teve em matéria de estrada de ferro foi o anúncio, dias atrás, de que o Tribunal de Contas da União proibiu qualquer entrega de dinheiro do Erário à “Ferrovia Transnordestina”, [ferrovia que foi inaugurada QUATRO VEZES pelo estrupício do Lula, sendo que na última inauguração o 'messias de Garanhuns' teve a cara de pau de autorizar que os vagões FERROVIÁRIOS fossem levados ao local da inauguração em carretas RODOVIÁRIAS, pelo simples fato de no local da farsa existir apenas uns cem metros de trilhos.] apresentada desde o governo do ex-presidente Lula como um monumento à redenção do Nordeste; seria também uma prova de que foi preciso um operário chegar à presidência deste país para ensinar que grandes obras não podem ser feitas só no “Sudeste”.  
A decisão foi tomada porque a Transnordestina assumiu a proporção de calamidade fora de controle em matéria de agressão ao Tesouro Nacional, incompetência técnica absoluta e desrespeito ao cidadão. O resumo real do que aconteceu aí é o seguinte: dez anos após anunciadas as obras, não existe ferrovia nenhuma. Em compensação, existe uma dívida de 35 bilhões de reais.

Sempre se pode dizer: “Não dá para comparar a Suíça com o Brasil”. Não dá mesmo ─ não é realista, não é lógico e é inútil. A Suíça é uma coisa, o Brasil é outra, e não existe nenhuma previsão, pelo menos por enquanto, de que fiquem mais parecidos algum dia em termos de conduta por parte do poder público. Ainda assim, o caso das duas ferrovias oferece uma excelente oportunidade para pensar um pouco nessa coisa ruim chamada “governo”. Tudo bem, ninguém está querendo por aqui que os governantes tenham um desempenho semelhante ao de lá; mas, francamente, também não há nenhuma obrigação de serem tão ruins desse jeito. A Transnordestina, lançada em 2006 para ligar os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, além de abrir um novo acesso ao mar para o interior do Piauí, deveria ser entregue em 2010. Não foi. Já estamos em 2016 e nada ─ não há no momento nem sequer um palpite sobre a data de entrega. 

Descobriu-se que as obras foram iniciadas sem um projeto de engenharia coerente. Não existe nenhuma dificuldade geográfica especial na área (nada de túneis a 550 metros de altitude, por exemplo), mas dos 1 700 quilômetros da estrada só há trilhos em 600, onde não passa trem algum. Sua função, no momento, é serem estragados pelo tempo ou furtados para a venda a peso do seu aço. O novo túnel do maciço de São Gotardo, aberto ao público dias atrás, foi entregue seis meses antes do prazo contratado e custou o que deveria custar ─ o equivalente a pouco mais de 10 bilhões de dólares. Por uma dessas coincidências da vida, a soma é praticamente igual aos 35 bilhões de reais de dívida que as empresas estatais responsáveis pela Transnordestina têm a apresentar como resultado de seus esforços até agora. Dá o que pensar. Quando a Suíça resolve fazer uma estrada de ferro, as pessoas passam a andar de trem; no Brasil, ficam devendo. É lindo, isso.

Também chama atenção, no caso, um fenômeno curioso, que provavelmente só acontece no Brasil: quanto mais a tecnologia avança no mundo desenvolvido, mais as obras públicas brasileiras demoram para ficar prontas. Numa época em que a ciência da engenharia é capaz de vencer os mais ingratos desafios da natureza, dentro dos prazos e dos orçamentos previstos, é como se o Brasil estivesse vivendo no tempo da régua de cálculo e do trator a gasolina; no ritmo de trabalho seguido pelos dois últimos governos, a Ponte Rio-Niterói ainda estaria em obras. Estradas como a Transnordestina, segundo apontou o TCU, apresentam “vícios de construção” e “erros primários” de técnica ferroviária

A transposição de águas do Rio São Francisco é uma coleção de ruínas. [até os nordestinos eleitores de Lula e Dilma - votar em Lula e Dilma pode ser tudo, menos sinal de inteligência - sabem que a invenção da transposição teve um único objetivo: propiciar uma obra para Lula e Ciro Gomes roubarem - qualquer outra explicação é enganação que nem eleitor do PT acredita.] Usinas hidrelétricas geram energia inútil, porque não há linhas de transmissão ─ e por aí se vai. Para piorar, o governo que não faz é o mesmo governo que não deixa fazer, na sua paixão contra o resultado prático e no seu pânico diante de qualquer benefício público feito pela iniciativa privada. Nesse meio-tempo, o mundo continua a girar. A primeira ferrovia do São Gotardo é de 1882; por lá, já estão na terceira. Por aqui, a grande discussão é saber se os que não fizeram vão voltar ao governo para continuar não fazendo.

 Fonte: J. R. Guzzo - Edição impressa da VEJA


 

segunda-feira, 28 de março de 2016

Insano, errado e inútil

Dilma Rousseff tanto fez, mas tanto fez que acabou sendo obrigada a aceitar o “fora Dilma” gritado nas ruas pela multidão e também, como ficou oficialmente comprovado agora, por seu próprio partido. A opinião pública já não quer saber dela há muito tempo. O PT também não quer. E, mais que todos, o ex-presidente Lula não quer — e, quando ele não quer, ela não fica. Não ficou. Enquanto o Congresso Nacional não resolve a questão do impeachment e a Justiça não chega a uma decisão sobre a legalidade do mandato presidencial, Lula é o único que poderia tentar alguma pirueta extrema na esperança de resolver o prodigioso embrulho político, penal, econômico e gerencial montado no governo pela criatura que, um dia, ele teve a infeliz ideia de colocar no Palácio do Planalto como sua sucessora.  

Resolveu, como se viu, assumir ele mesmo o cargo de presidente da República, disfarçado de “ministro da Casa Civil”; a Dilma restam hoje o crachá de presidente, a incumbência eventual de aparecer na televisão falando um disparate qualquer e a possibilidade de andar de bicicleta em volta do palácio com seu capacete, seu traje de ciclista no último estilo e seu pelotão de seguranças. Pode dar certo uma extravagância dessas, até agora jamais tentada em nossa “história republicana”? Do ponto de vista do interesse pessoal de Lula, não está claro se pode ou não. Ele assumiu, sem eleição, esse terceiro mandato porque achou que era sua melhor, ou única, chance de salvar o próprio couro diante da Justiça penal brasileira; mas tem contra si tantas variáveis potencialmente desastrosas, política e juridicamente, que nada está garantido. 

Do ponto de vista do interesse dos cidadãos, a coisa já é bem simples: não há nenhuma possibilidade de dar certo. É um caso claríssimo de pau que nasce torto; não pode endireitar mais tarde. Não se sabe de nenhuma democracia no mundo em que um político de primeira grandeza tenha sido nomeado subitamente para um cargo de ministro com a única finalidade de fugir de uma possível prisão preventiva, legalmente ordenada pela Justiça, sob a acusação de praticar crime comum. No presente caso de Lula, não houve sequer uma tentativa de dizer que sua nomeação atende a algum interesse público — que interesse público poderia ser esse, santo Deus? E por que a urgência desesperada? 

É óbvio que numa situação dessas, em qualquer época ou lugar, o certo é justamente não colocar no ministério, de jeito nenhum, uma pessoa com tal tipo de problema. Mas não: fizeram o exato contrário. A isso se soma uma declaração de hostilidades à opinião pública. Bem na hora em que 1,3 milhão de pessoas, em São Paulo, e outros 2 milhões ou mais, em outras 500 cidades e nos 27 estados brasileiros, repudiam o governo na maior manifestação popular da história nacional, Lula, o PT e Dilma decidem ir na direção oposta e provocam abertamente a voz da rua; em vez de tentar algum gesto para apaziguar um pouco os espíritos, mandam a população calar a boca. Também não prometem endireitar uma situação que começa com a divulgação, em plena luz do dia, das malfadadas conversas gravadas em que Lula dispara uma barragem sem precedentes de insultos ao Judiciário, ao Congresso e a todos os que não concordam com ele.

Mais complicado que tudo, enfim, é a impossibilidade material, para Lula, de “salvar a economia” ou torná-la um pouco menos ruim — o que, em sua imaginação, acabaria resolvendo tudo. Mas o repertório de ações aparentemente cogitadas por suas forças se divide entre o insano, o errado e o inútil. Falam em usar as “reservas internacionais” para fazer “obras”, como se fossem um cofrinho em que o governo vem guardando suas economias para um dia de chuva. Sonham em gastar mais e aumentar a maior dívida pública da história econômica do Brasil. Acreditam no milagre da ressurreição do imposto do cheque. Acham que dá para comprar por atacado o Congresso e os partidos. Nenhum deles notou, pelo jeito, que em fevereiro o governo teve a pior arrecadação dos últimos seis anos como tirar dinheiro de onde não há nada? Fora essas ideias, não há outras. O terceiro mandato de Lula começa mal.