Minha colega Ana Paula Henkel já escreveu um texto espetacular nesta revista sobre a decadência californiana (“Garota, eu não vou para a Califórnia”),
que recomendo a todos que se preocupam com o potencial estrago de uma
mentalidade “progressista”. Volto ao tema, pois nesta semana o
bilionário Elon Musk oficializou sua mudança para o Texas. Trata-se de
um marco que ilustra com perfeição o declínio acelerado do “Estado de
Ouro” norte-americano.
Ana Paula já havia resumido as principais causas dessa debacle:
políticas progressistas tolerantes ao crime, elevados gastos sociais sem
planejamento, aumento da população de rua e regulação cara e complexa
para negócios.
Tudo isso tem provocado o êxodo californiano. O conhecido
comentarista conservador Ben Shapiro já tinha anunciado a decisão de
levar seu The Daily Wire para Nashville, e o simbolismo não foi
pequeno, uma vez que Shapiro nasceu e viveu em Los Angeles sua vida
toda. Mas todos têm um limite.
Os motivos apresentados por Shapiro são similares àqueles oferecidos
por Musk. O bilionário empreendedor disse que, embora haja “muitas
coisas realmente ótimas” no Estado da Costa Oeste, ele achou prudente
mudar-se para o Texas, e alertou: “Se uma equipe está vencendo há muito
tempo, ela tende a ficar um pouco complacente, cheia de direitos, e
então não ganha mais o campeonato. A Califórnia vem ganhando há muito
tempo. E acho que eles estão tomando isso como algo garantido”.
Musk ainda possui operações na Califórnia, mas pelo visto está
ficando cansado da situação: “Em primeiro lugar, a Tesla e a SpaceX
obviamente têm operações massivas na Califórnia. Na verdade, é
importante notar que a Tesla é a última empresa automotiva ainda
fabricando carros na Califórnia. A SpaceX é a última empresa
aeroespacial ainda fazendo uma produção significativa na Califórnia.
Costumava haver mais de uma dúzia de fábricas de automóveis na
Califórnia. E a Califórnia costumava ser o centro da fabricação
aeroespacial! Minhas empresas são as duas últimas que sobraram… Essa é
uma observação muito importante a fazer”.
Resta perguntar: até quando? A realidade é que ninguém gosta de
deixar dinheiro na mesa, para burocratas do governo. Nem mesmo os
“liberais” que costumam defender maiores impostos, diga-se de passagem. A
Fox Business relatou que a mudança pessoal de Musk para o Texas
significa que ele “aumentará suas chances de evitar um imposto de renda
estadual de 13,3% sobre os ganhos de capital que obtém no caso de vender
ações da Tesla ou receber bônus”. Quem costuma pregar mais impostos em
nome do combate às desigualdades ignora que as riquezas, antes, precisam
ser criadas. É a típica mentalidade ex-post facto, que olha o bolo feito e quer reparti-lo de forma “mais justa”, ignorando que ele primeiro foi fabricado.
O que aconteceu? Numa frase: muita riqueza e muita pobreza
Em complemento ao brilhante texto de Ana Paula, gostaria de recomendar o pequeno livro do historiador Victor Davis Hanson, The Decline and Fall of California: From Decadence to Destruction.
Hanson está numa posição privilegiada para falar do assunto, pois dá
aulas na costa cosmopolita e reside no interior, cuidando de sua
fazenda. Ele conhece como poucos o abismo que se abriu entre ricos e
pobres no Estado, justamente por conta das medidas esquerdistas. E seu
diagnóstico é assustador.
Como pegar um dos Estados mais ricos do planeta, repleto de
empreendedores de tecnologia, de riquezas naturais, de expoentes da
indústria do cinema, e transformá-lo num caos social?
É preciso adotar
por longo período a receita esquerdista: progressismo cultural,
relativismo moral e Estado de bem-estar social. Roberto Campos já dizia
que “uma tragédia como a brasileira não é obra do acaso, mas sim de um
esforço determinado de décadas”. O mesmo diagnóstico serve para o caso
californiano. “Os californianos sabem que ter dezenas de milhares de desabrigados
em suas principais cidades é insustentável. Em alguns lugares, as
calçadas tornaram-se esgotos a céu aberto de lixo, agulhas usadas,
roedores e doenças infecciosas”, diz Hanson. Não obstante, ninguém ousa
questionar o modelo esquerdista vigente.
O Estado tem uma das maiores cargas tributárias do país, os preços de
combustível são bem mais altos do que a média, e falta energia, com
frequentes apagões. A infraestrutura é cada vez mais abandonada, o
trânsito é infernal, mas a moda nas rodas cosmopolitas é elogiar a
energia limpa. As escolas públicas estão entre as mais fracas do país,
mas a elite é contra as charter schools ou os vouchers, enquanto coloca seus filhos em escolas particulares. “Os californianos sabem que se aventurar na sala de emergência de um
hospital municipal é descer ao inferno moderno de Dante. As instalações
médicas estão superlotadas. A classe média em extinção precisa enfrentar
preços exorbitantes para tratar uma criança ferida ou doente”, escreve
Hanson. A criminalidade está em alta também. Mas ninguém se atreve a
criticar as leis frouxas de imigração ou de combate ao crime.
A Califórnia é agora um Estado com um partido único. Os democratas
têm supermaiorias em ambas as casas do Legislativo. Apenas sete das 53
cadeiras no Congresso do Estado são ocupadas por republicanos. Os três
políticos mais poderosos da Califórnia, entre eles a presidente da
Câmara, Nancy Pelosi, são multimilionários. Vivem blindados dos efeitos
perversos de suas ideologias progressistas.
O que aconteceu com a Califórnia? Hanson responde em uma frase: muita
riqueza e muita pobreza, à medida que o número de multimilionários e
bilionários — agora mais de 130 — disparou mesmo com o aumento da
porcentagem de pobres. Ambos encontraram isenções de impostos estaduais
mais altos e maiores regulamentações, um por sua influência política,
conexões e capital, o outro por sua pobreza e dependência.
Hanson apresenta dados estarrecedores, como a dívida estadual
gigantesca, e desabafa: “Se ao menos as pessoas tivessem de viver no
mundo que sonharam para os outros”. Eis o problema californiano em
essência: aqueles utópicos que idealizam seu “novo mundo” imposto de
cima para baixo pelo Estado não são os mesmos que costumam pagar o preço
de efetivamente viver em tal inferno.
A classe média fica espremida entre ricaços poderosos e pobres que dependem do Estado
Em suma, a Califórnia caminha para um experimento social fracassado
por culpa da elite, mas quem paga o pato mesmo é o povo. “Os pobres e as
classes médias geralmente arcam com o peso dessas políticas em termos
de redução das oportunidades de emprego e economia mais lenta”, explica
Hanson.
Sendo especialista em história militar, Hanson faz uma comparação
interessante: “Isso me lembra os otomanos na Grécia, que arrancaram os
selos de chumbo dos grampos de ferro que mantinham unidos os blocos de
mármore dos templos e paredes da Grécia Antiga. Os turcos, que pouco
podiam fazer, exceto limpar muito, conseguiram seus poucos gramas de
chumbo para as balas. Na troca, os grampos de ferro expostos
enferrujaram e se desfizeram, arruinando as antiguidades que até então
haviam sobrevivido a 2 mil anos de desgaste natural. Uma civilização
constrói e investe, outra completamente diferente destrói e consome”.
O ditador popular já diz: “Pai rico, filho nobre, neto pobre”. Ou
seja, os californianos estão consumindo o que herdaram, estão
desperdiçando no luxo ao qual só herdeiros irresponsáveis, sem
consciência de como a fortuna foi criada, podem se dar.
“Por que nem todo mundo vai embora?”, questiona Hanson. A resposta é
simples, segundo ele: para os ricaços do litoral, não há nenhum outro
lugar onde o dinheiro seja tão bom e o clima e a paisagem sejam tão
agradáveis. E, para a classe baixa do interior, os direitos na
Califórnia e os empregos em serviços mal pagos são um paraíso em
comparação com Honduras ou o sudeste da Ásia. E, sim, os pequenos
agricultores de classe média, donos de lojas de ferragens, aposentados
de empresas e eletricistas estão partindo em massa.
A classe média fica espremida entre ricaços poderosos e pobres que
dependem do Estado. Mas, se a situação continuar saindo do controle, é
questão de tempo até os ricaços perceberem que sua redoma não é
absoluta, que o estrago causado do lado de fora produz inevitável
impacto no todo. Não quero ser um abutre aqui, mas é uma análise
realista. A Flórida, governada por um republicano e que deu vitória a
Trump nessas eleições, estará de braços abertos para receber Ana Paula e
sua família!
Rodrigo Constantino, jornalista - Revista Oeste