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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Até 1ª Guerra, não existiam fronteiras entre Israel, Líbano, territórios palestinos e Síria - Guga Chacra


Meu avô nasceu otomano, achava que fosse sírio, disseram que era libanês e, se nascesse alguns quilômetros mais ao Sul, seria palestino. As vilas daquela região do Mediterrâneo Oriental integravam o Império Otomano, com sede na distante Istambul (Constantinopla). 
Não existiam fronteiras no que hoje é Israel, territórios palestinos, Líbano e Síria. 
A pessoa se identificava com sua vila, sua religião e sua região. 
Poderia ser um cristão melquita de Zahle, um muçulmano sunita de Nablus, um judeu de Aleppo, um muçulmano xiita de Nabatieh, um cristão armênio de Jerusalém, um druso das Colinas do Golã ou um cristão greco-ortodoxo de Haifa. Todos súditos otomanos. 
 
A noção de Estado nacional era inexistente naquela região até a Primeira Guerra, quando os otomanos foram derrotados e viram seu império desmoronar. França e Reino Unido, os vencedores da guerra, dividiram entre si essa região do Levante, assim como outras partes do Império Otomano, a não ser pela Turquia. Por exemplo, os britânicos uniram três províncias diferentes na Mesopotâmia e inventaram uma monarquia artificial chamada Iraque. 
Anos depois, fariam o mesmo no que hoje é a Jordânia. 
 
A França ficou com o que hoje é Síria e Líbano, criados no mandato francês nos anos 1920 e que viriam a ficar independentes nos anos 1940. O Reino Unido, por sua vez, ficou com a região da Palestina histórica. Como no resto do Levante, tratava-se de uma região multirreligiosa. 
Basta ver que a cidade antiga de Jerusalém historicamente é dividida em quatro quadriláteroso cristão, o armênio (também cristão), o islâmico e o judaico. 
A maioria da população era muçulmana, mas havia expressivas minorias de diferentes denominações cristãs e judaicas. 
 
Diferentemente do que ocorreu no Líbano e na Síria com a França, a região onde estava a Palestina histórica teve um status indefinido pelos britânicos. Afinal, além da população que ali vivia (muçulmanos, cristãos e judeus), ocorreu uma enorme imigração de judeus europeus durante o movimento sionista. 
Diferentemente da população local, eles traziam uma noção de Estado nacional e, diante das perseguições que sofriam na Europa, consideravam o que hoje é Israel como o único lugar onde poderiam estabelecer uma nação judaica dado os laços milenares com a região, onde está Jerusalém, berço do judaísmo — essa ideia ganhou ainda mais força ao redor do mundo com o Holocausto. 
 
Nesse momento, duas identidades passam a se chocar. A dos muçulmanos e cristãos, que não tiveram uma nação para suas vilas sob o mandato britânico, diferentemente do ocorrido nos recém-independentes Síria e Líbano com a França — e com o colapso otomano começava a emergir a identidade palestina. 
E a dos judeus tanto vindos da Europa como os locais, que queriam uma nação judaica. Naquele momento, talvez até pudessem ter um Estado sectário sem maioria religiosa, como o Líbano.
 
No fim, os palestinos não aceitaram a partilha por avaliar ser injusta porque dava áreas de expressiva maioria árabe para Israel. 
O fato é que houve a guerra de 1948, que resultou na expulsão e saída da maioria dos palestinos do territórios israelenses a maioria dos habitantes de Gaza descende de palestinos que viviam há gerações no que hoje é Israel. Paralelamente, nos ano seguintes, houve a expulsão ou saída de judeus de países como Síria, Egito, Iraque e Líbano. Segundo o escritor franco-libanês Amin Maalouf, que preside a Academia Francesa de Letras, estes dois acontecimentos são a tragédia do Levante, como é conhecida esta região.

Guga Chacra, colunista - O Globo


quinta-feira, 29 de junho de 2023

O ressentimento como moeda - Revista Oeste

Theodore Dalrymple

A luta contra a hegemonia global do dólar pode levar a uma situação muito pior


 Foto: Shutterstock

Tanto na imprensa britânica quanto na francesa muito tem se falado recentemente, não sem certa satisfação maliciosa, sobre o declínio do dólar americano como a moeda de reserva do mundo
Afinal, a importância do dólar americano há muito tempo é um lembrete da substituição permanente da Europa como o centro do mundo depois da Primeira Guerra Mundial.

Claro, o ressentimento causado pela dominação do dólar americano não se restringe à Europa.  
Países, tanto quanto indivíduos, gozam de um status de subordinados. 
E a situação do dólar como moeda de reserva é o que permite aos Estados Unidos — ao que parece, indefinidamente — gastarem mais do que podem, ou seja, consumirem mais do que produzem à custa de outras nações. Enquanto a fé no dólar durar, e não existir outra moeda de último recurso em vista, isso deve continuar acontecendo.

A hegemonia do dólar também dá — ou dava — aos Estados Unidos um imenso poder político
De um só golpe, eles podem — ou podiam — eliminar países das linhas normais de crédito e dos meios de troca. 
Mas essas sanções não são fatais para as nações que as enfrentam. 
A necessidade de escapar das sanções econômicas afia e concentra a mente das pessoas, acaba com a rotina e encoraja governos sobre a necessidade de serem mais flexíveis. 
A primeira vez que me dei conta disso foi em Rodésia, que era como o Zimbábue ainda era conhecido na época, cujo regime colonizador branco basicamente transformou o país em pária internacional. Graças às sanções, a eficiência do governo e uma disposição para desobedecer às regras se tornaram uma questão de sobrevivência. Onde quer que existam sanções econômicas existirão pessoas dispostas a ganhar fortunas fugindo delas, inclusive nos países que as impuseram.

Isso posto, nenhum país quer ser objeto dessas sanções, e ser vulnerável a elas é uma das razões por que muitos países desejam desdolarizar a economia mundial — ou é isso que dizem. Se isso é verdade, é outra história. Foto: Shutterstock

O Brasil não vai ficar feliz em ser dominado por um regime asiático autoritário

Tanto a China quanto o Japão têm enormes reservas de dólares, cujo valor eles certamente não querem ver sofrer uma queda súbita e dramática. Um declínio semelhante na capacidade dos Estados Unidos de pagar por importações teria um sério efeito deletério na economia mundial como um todo.

Mesmo assim, fala-se muito sobre alguma forma de moeda do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pelo que sei, só poderia ser o yuan chinês em tudo, menos no nome; pelo menos num futuro próximo.

A ideia de os países do Brics serem uma grande família unida e feliz em sua oposição à hegemonia norte-americana é absurda. Os indianos que conheço têm medo dos chineses e não gostariam de ser dominados por eles. 
Os russos também temem os chineses e estão preocupados com sua penetração na Sibéria, que já é em boa parte uma colônia econômica chinesa. 
A Rússia, que costumava tratar a China com condescendência, se tornou o sócio minoritário nessa suposta parceria. 
Seja qual for o resultado da guerra na Ucrânia, a inferioridade do poderio militar russo não vai passar despercebida para os indianos, que há tempos se armam com os mesmos equipamentos. 
 Quanto ao Brasil (ainda que eu possa estar errado), o país é culturalmente parte do Ocidente e não vai ficar feliz em ser dominado por um regime asiático autoritário.
Fala-se muito sobre alguma forma de moeda do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 
 O ressentimento nunca é um bom conselheiro ou motivador de políticas, mesmo quando existe uma razão genuína para ele. A condição do dólar americano como moeda de último recurso é injusta, sem dúvida, e traz vantagens imensas aos Estados Unidos que eles não merecem. 
Essa é uma causa de ressentimento em muitas partes do mundo, inclusive na Europa, que ainda amarga sua destituição como potência hegemônica mundial e sua marginalização cada vez maior no globo, tudo em um doloroso contraste com sua autoimagem. 
O presidente Macron pediu diversas vezes que os europeus deixassem suas pequenas diferenças de lado para obterem uma independência estratégica em relação aos Estados Unidos, de cujo poder ele se ressente, mas deseja copiar. 
Mesmo assim, as diferenças culturais e políticas entre as nações e regiões europeias continuam emergindo, como água passando pela areia. 
A centralização de poder na Europa que o presidente francês gostaria de estabelecer com quase toda certeza causaria uma forte reação centrífuga e em pouco tempo levaria a um conflito potencialmente desastroso — a condição historicamente normal da Europa.

Em outras palavras, a Europa não pode ser um contrapeso independente para os Estados Unidos ou a China; ela precisa escolher se aliar a um ou ao outro. 
Por mais que o continente se ressinta da liderança norte-americana, e por mais incompetente ou moralmente dúbia essa liderança tantas vezes tenha provado ser, os Estados Unidos são preferíveis a qualquer outro; e na política o preferível é uma categoria muito mais importante que o bom.

Opor-se à hegemonia norte-americana, por mais injusta que ela seja, não é o suficiente para criar um mundo melhor, e é muito provável que crie um mundo pior

Entre a passividade e a fúria insensata
O ressentimento, pessoal ou em escala nacional, é uma emoção encantadora que, ainda que invariavelmente danosa, tem suas recompensas psicológicas. Primeiro, ele pode durar para sempre, ao contrário de praticamente todas as demais emoções. 
Ele convence quem o sente de sua própria superioridade moral em relação àqueles que supostamente o causaram. 
E reduz a necessidade de reflexão ao convencer a pessoa que se ressente de que todos os seus problemas e fracassos vêm de fora e de que, se não fossem os outros, ela teria sido brilhantemente bem-sucedida. O ressentimento permite que as pessoas sintam seu ódio em nome da própria virtude. 
E propõe soluções que costumam ser piores que a situação que deveriam melhorar. 
Ele coloca o foco no que é impossível, e não no que é possível, justificando assim a alternância entre a passividade e a fúria insensata. 
É uma das grandes causas da autodestruição.

Existe alguém que nunca foi tentado pelo ressentimento, ou que nunca respondeu ao seu canto de sereia? Existe alguém que não tenha causa nem motivo para se ressentir (o que é uma das razões para o seu potencial de longevidade)?

Muitos países se candidataram a fazer parte da “aliança” do Brics.  
É importante lembrar que uma perna não se fortalece quando fica inchada e edematosa. 
Opor-se à hegemonia norte-americana, por mais injusta que ela seja, não é o suficiente para criar um mundo melhor, e é muito provável que crie um mundo pior.
 

Leia também “O espetáculo sinistro das ditaduras”

 

Theodore Dalrymple é pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. É autor de mais de 30 livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações) estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou o que Restou Dela e A Faca Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.

 

Theodore Dalrymple, colunista - Revista Oeste

 

 


quarta-feira, 15 de abril de 2020

O mundo pós pandemia (por Hubert Alquéres) - VEJA - Blog do Noblat

A crise terminal do capitalismo vem sendo preconizada desde a deflagração da Primeira Guerra Mundial. 

Já há um grande debate sobre o redesenho da ordem mundial, quando a crise do coronavírus passar. Há projeções para todos os gostos. As mais catastrofistas vão do fim do capitalismo ao surgimento de um “comunismo redesenhado”, como avalia o filósofo esloveno Slavoj Žižek.

Sem chegar a tanto, outros enxergam o fim da globalização e da União Europeia. Também se especula sobre o fortalecimento do autoritarismo; como se Victor Orban primeiro ministro da Hungria – fosse a regra e não a exceção das tendências que vão se impor com o fim da pandemia.
É bom desconfiar dos profetas do caos. A crise terminal do capitalismo vem sendo preconizada desde a deflagração da Primeira Guerra Mundial. Ressuscitada em todas as crises mundiais, sua morte jamais se confirmou, para desespero dos marxistas, estes sim cada vez mais minoritários. Não será diferente agora. O mundo também não vai retroagir para a era da segunda revolução industrial quando inexistiam as cadeias produtivas globais.

Isso não quer dizer que tudo será como dantes no quartel de Abrantes. A pandemia vai acelerar tendências que já estavam em curso. Antes mesmo da crise, o Fórum Econômico Mundial descortinava um “capitalismo de parte interessadas”, que não se guiaria apenas pela lógica implacável do lucro. Assim, as empresas teriam também responsabilidades sociais e ambientais. A desigualdade e a sustentabilidade já estavam na agenda planetária, com a crise assumiram caráter de urgência.

A pandemia tornou mais visível a desigualdade. Explicitou a necessidade de ser enfrentada por meio de um novo contrato social entre Estado, sociedade e mercado. A globalização desregulada levou à crise do Estado de Bem Estar Social, enfraquecendo serviços vitais para a população. Na Inglaterra, o sistema público de saúde , nos últimos anos dos conservadores no poder NHS – perdeu 17 mil leitos e 43 mil enfermeiros. Não foi muito diferente em outros países desenvolvidos.

Os ingleses redescobriram o quanto é importante ter um sistema de saúde fortalecido. O próprio Boris Johnson descobriu isso quando estava numa UTI. Saiu de lá fazendo declaração de amor ao NHS e a dois enfermeiros, imigrantes da Nova Zelândia e de Portugal.  Os países desenvolvidos estão valorizando os imigrantes. São eles que tocam parte de vários serviços essenciais. O reforço do liberalismo associado ao Estado de Bem Estar Social é uma tendência. No novo contrato social a ser estabelecido, determinados bens e serviços – saúde e segurança, por exemplo – terão uma forte presença do Estado, não sendo ditados apenas pelas leis do mercado. O desafio é encontrar novas fontes de financiamento para assegurar aos cidadãos uma renda mínima e serviços públicos.

A ideia do Estado-Nação também ressurge com força. Não que os países vão se fechar em copas, econômica e politicamente, mas a configuração da União Europeia terá de se reinventar, assim como a divisão de trabalho internacional. A dependência de um só produtor de equipamentos médicos gerou uma questão de soberania. Os países buscarão formas de se proteger, sobretudo se não houver uma resposta global ao desafio atual. A reindustrialização com cada país produzindo tudo seria um anacronismo que jogaria por terra os ganhos de produtividade decorrentes da automação e do advento das cadeias globais. A solução estará na regulamentação do mercado de itens sensíveis para evitar guerras de aquisição e na qual falará mais alto o poder do dinheiro dos países mais fortes.

Certamente a geopolítica mundial também passará por mudanças, com a China aumentando o seu protagonismo por meio do soft power. Os Estados Unidos não deixarão de ser a principal potência mundial econômica e militar, ao menos no curto prazo. Mas cada vez mais a Europa olhará mais para a China. Foi ela que veio em socorro de outros países, quando a pandemia ceifou milhares de vida no velho continente.
As grandes crises sempre tiveram o poder de fazer o mundo se reinventar. Na maioria das vezes para melhor. Foi assim na Segunda Guerra Mundial. Não será diferente agora.

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e do Conselho Estadual de Educação. Escreve às 4as feiras no Blog do Noblat. 

Ricardo Noblat, jornalista - VEJA