Noção de Estado nacional era inexistente no Oriente Médio até a Primeira Guerra Mundial e fragmentou região multirreligiosa
Meu avô nasceu otomano, achava que fosse sírio, disseram que era
libanês e, se nascesse alguns quilômetros mais ao Sul, seria palestino.
As vilas daquela região do Mediterrâneo Oriental integravam o Império
Otomano, com sede na distante Istambul (Constantinopla).
Não existiam
fronteiras no que hoje é Israel, territórios palestinos, Líbano e Síria.
A pessoa se identificava com sua vila, sua religião e sua região.
Poderia ser um cristão melquita de Zahle, um muçulmano sunita de Nablus,
um judeu de Aleppo, um muçulmano xiita de Nabatieh, um cristão armênio
de Jerusalém, um druso das Colinas do Golã ou um cristão greco-ortodoxo
de Haifa. Todos súditos otomanos.
A noção de Estado nacional era inexistente naquela região até a
Primeira Guerra, quando os otomanos foram derrotados e viram seu império
desmoronar. França e Reino Unido, os vencedores da guerra, dividiram
entre si essa região do Levante, assim como outras partes do Império
Otomano, a não ser pela Turquia. Por exemplo, os britânicos uniram três
províncias diferentes na Mesopotâmia e inventaram uma monarquia
artificial chamada Iraque.
Anos depois, fariam o mesmo no que hoje é a
Jordânia.
A França ficou com o que hoje é Síria e Líbano, criados no mandato
francês nos anos 1920 e que viriam a ficar independentes nos anos 1940. O
Reino Unido, por sua vez, ficou com a região da Palestina histórica.
Como no resto do Levante, tratava-se de uma região multirreligiosa.
Basta ver que a cidade antiga de Jerusalém historicamente é dividida em
quatro quadriláteros — o cristão, o armênio (também cristão), o islâmico
e o judaico.
A maioria da população era muçulmana, mas havia
expressivas minorias de diferentes denominações cristãs e judaicas.
Diferentemente do que ocorreu no Líbano e na Síria com a França, a
região onde estava a Palestina histórica teve um status indefinido pelos
britânicos. Afinal, além da população que ali vivia (muçulmanos,
cristãos e judeus), ocorreu uma enorme imigração de judeus europeus
durante o movimento sionista.
Diferentemente da população local, eles
traziam uma noção de Estado nacional e, diante das perseguições que
sofriam na Europa, consideravam o que hoje é Israel como o único lugar
onde poderiam estabelecer uma nação judaica dado os laços milenares com a
região, onde está Jerusalém, berço do judaísmo — essa ideia ganhou
ainda mais força ao redor do mundo com o Holocausto.
Nesse momento, duas identidades passam a se chocar. A dos muçulmanos e
cristãos, que não tiveram uma nação para suas vilas sob o mandato
britânico, diferentemente do ocorrido nos recém-independentes Síria e
Líbano com a França — e com o colapso otomano começava a emergir a
identidade palestina.
E a dos judeus tanto vindos da Europa como os
locais, que queriam uma nação judaica. Naquele momento, talvez até
pudessem ter um Estado sectário sem maioria religiosa, como o Líbano.
No fim, os palestinos não aceitaram a partilha por avaliar ser injusta
porque dava áreas de expressiva maioria árabe para Israel.
O fato é que
houve a guerra de 1948, que resultou na expulsão e saída da maioria dos
palestinos do territórios israelenses — a maioria dos habitantes de Gaza
descende de palestinos que viviam há gerações no que hoje é Israel.
Paralelamente, nos ano seguintes, houve a expulsão ou saída de judeus de
países como Síria, Egito, Iraque e Líbano. Segundo o escritor
franco-libanês Amin Maalouf, que preside a Academia Francesa de Letras,
estes dois acontecimentos são a tragédia do Levante, como é conhecida
esta região.
Guga Chacra, colunista - O Globo