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quarta-feira, 15 de abril de 2020

O mundo pós pandemia (por Hubert Alquéres) - VEJA - Blog do Noblat

A crise terminal do capitalismo vem sendo preconizada desde a deflagração da Primeira Guerra Mundial. 

Já há um grande debate sobre o redesenho da ordem mundial, quando a crise do coronavírus passar. Há projeções para todos os gostos. As mais catastrofistas vão do fim do capitalismo ao surgimento de um “comunismo redesenhado”, como avalia o filósofo esloveno Slavoj Žižek.

Sem chegar a tanto, outros enxergam o fim da globalização e da União Europeia. Também se especula sobre o fortalecimento do autoritarismo; como se Victor Orban primeiro ministro da Hungria – fosse a regra e não a exceção das tendências que vão se impor com o fim da pandemia.
É bom desconfiar dos profetas do caos. A crise terminal do capitalismo vem sendo preconizada desde a deflagração da Primeira Guerra Mundial. Ressuscitada em todas as crises mundiais, sua morte jamais se confirmou, para desespero dos marxistas, estes sim cada vez mais minoritários. Não será diferente agora. O mundo também não vai retroagir para a era da segunda revolução industrial quando inexistiam as cadeias produtivas globais.

Isso não quer dizer que tudo será como dantes no quartel de Abrantes. A pandemia vai acelerar tendências que já estavam em curso. Antes mesmo da crise, o Fórum Econômico Mundial descortinava um “capitalismo de parte interessadas”, que não se guiaria apenas pela lógica implacável do lucro. Assim, as empresas teriam também responsabilidades sociais e ambientais. A desigualdade e a sustentabilidade já estavam na agenda planetária, com a crise assumiram caráter de urgência.

A pandemia tornou mais visível a desigualdade. Explicitou a necessidade de ser enfrentada por meio de um novo contrato social entre Estado, sociedade e mercado. A globalização desregulada levou à crise do Estado de Bem Estar Social, enfraquecendo serviços vitais para a população. Na Inglaterra, o sistema público de saúde , nos últimos anos dos conservadores no poder NHS – perdeu 17 mil leitos e 43 mil enfermeiros. Não foi muito diferente em outros países desenvolvidos.

Os ingleses redescobriram o quanto é importante ter um sistema de saúde fortalecido. O próprio Boris Johnson descobriu isso quando estava numa UTI. Saiu de lá fazendo declaração de amor ao NHS e a dois enfermeiros, imigrantes da Nova Zelândia e de Portugal.  Os países desenvolvidos estão valorizando os imigrantes. São eles que tocam parte de vários serviços essenciais. O reforço do liberalismo associado ao Estado de Bem Estar Social é uma tendência. No novo contrato social a ser estabelecido, determinados bens e serviços – saúde e segurança, por exemplo – terão uma forte presença do Estado, não sendo ditados apenas pelas leis do mercado. O desafio é encontrar novas fontes de financiamento para assegurar aos cidadãos uma renda mínima e serviços públicos.

A ideia do Estado-Nação também ressurge com força. Não que os países vão se fechar em copas, econômica e politicamente, mas a configuração da União Europeia terá de se reinventar, assim como a divisão de trabalho internacional. A dependência de um só produtor de equipamentos médicos gerou uma questão de soberania. Os países buscarão formas de se proteger, sobretudo se não houver uma resposta global ao desafio atual. A reindustrialização com cada país produzindo tudo seria um anacronismo que jogaria por terra os ganhos de produtividade decorrentes da automação e do advento das cadeias globais. A solução estará na regulamentação do mercado de itens sensíveis para evitar guerras de aquisição e na qual falará mais alto o poder do dinheiro dos países mais fortes.

Certamente a geopolítica mundial também passará por mudanças, com a China aumentando o seu protagonismo por meio do soft power. Os Estados Unidos não deixarão de ser a principal potência mundial econômica e militar, ao menos no curto prazo. Mas cada vez mais a Europa olhará mais para a China. Foi ela que veio em socorro de outros países, quando a pandemia ceifou milhares de vida no velho continente.
As grandes crises sempre tiveram o poder de fazer o mundo se reinventar. Na maioria das vezes para melhor. Foi assim na Segunda Guerra Mundial. Não será diferente agora.

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e do Conselho Estadual de Educação. Escreve às 4as feiras no Blog do Noblat. 

Ricardo Noblat, jornalista - VEJA

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