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quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Recordações de certo dia de abril - Percival Puggina

Era o dia 7 de abril e o sol se aninhava no horizonte quando Lula entrou no veículo da Polícia Federal estacionado junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Momentos antes, aquela alma serena e genuflexa, espírito de peregrino, com a pureza da “purinha, falara à militância ali reunida.

Naquela mesma noite, registrei em breve texto meus sentimentos a respeito daquele instante. Imaginei que havíamos assistido ao ápice de um evento apocalíptico. No entanto, o sol não se fizera mais escuro, a terra não tremera e o véu do templo permanecera incólume. “O sol, a terra e o véu devem ser três incuráveis fascistas”, escrevi, ironizando minhas divagações. E acrescentei: “Enfim presenciamos o fracasso dos falsos profetas e a perda de força dos tutores da História”.

Relendo aquele texto percebo quanto, influenciado pelo clima da hora, fui otimista. Subestimei a força das potências que movem e promovem a impunidade quando digitei, literalmente: “Não há como reescrever – não para esta geração – o que todos testemunhamos. Não há como desgravar, desfilmar, desdizer; e não é possível desmaterializar os fatos”...

Eu estava enganado. A impunidade é uma imposição dos donos do poder para não ficarem amuados, para que se cumpra o anseio de Romero Jucá e a sangria seja estancada. Mais do que isso, aliás: é preciso desmaterializar os fatos, é preciso que alguém como William Bonner afirme: “O senhor nada deve à justiça”.

Sim, tudo isso eles fizeram. No entanto, o maligno plano tem uma falha essencial: os brasileiros sabem que há quatro anos as realizações do governo só têm espaço nas redes sociais, sabem que agem contra Bolsonaro os inconformados donos do poder, as ratazanas habituadas à beira do erário, os signatários de manifestos da USP, os ideólogos da destruição, os ativistas judiciais e os fascinados com os efeitos que a truculência do poder proporciona quando abusado
Os brasileiros sabem que cada conservador e cada liberal deste país é o inimigo que a esquerda mundial quer ver derrotado e destruído nas eleições de outubro.

Esse povo, nos dias que correm, está a dizer a si mesmo: agora isso é comigo; farei minha parte para construir essa vitória. Nós já sabemos do que são capazes. [também já os vencemos em 35 e 64 e o venceremos sempre que necessário = as armas eles escolhem.]

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 21 de novembro de 2021

O fim da segunda onda - Revista Oeste

Fábio Matos/Paula Leal 

De volta à vida

Com números em queda, a pandemia perde força e os brasileiros, enfim, voltam ao normal

 Boa parte dos brasileiros duvidou que a realidade tétrica enfrentada pela então desconhecida cidade chinesa de Wuhan chegaria aqui.  
Ruas desertas, rostos cobertos por máscaras faciais, médicos vestindo roupas de astronauta, comércio de portas fechadas, bares e restaurantes lacrados. O cenário apocalíptico parecia distante do Ocidente
No entanto, com a negligência da China e a conivência da Organização Mundial da Saúde em admitir a gravidade do Sars-Cov-2 quando os primeiros casos começaram a brotar, não demorou muito para a doença se espalhar pelos quatro cantos do planeta. 
Cada país escreveu sua própria história no enfrentamento da maior pandemia do século. No Brasil, o primeiro caso de covid-19 foi registrado em 26 de fevereiro de 2020. 
A primeira morte, em 17 de março. De uma hora para outra, o medo paralisou as pessoas, modificou rotinas, rompeu vínculos. Entramos em modo “pandêmico”.
Jogo do Brasileirão entre São Paulo e Flamengo, no Morumbi, em 14 de novembro de 2021 | Fotos: Paulo Pinto/saopaulofc.net
Jogo do Brasileirão entre São Paulo e Flamengo, no Morumbi, em 14 de novembro de 2021 | Fotos: Paulo Pinto/saopaulofc.net

Entre erros e acertos, os brasileiros viveram uma montanha-russa de emoções, agravada pela imposição de medidas autoritárias de políticos e gestores que desafiaram a lógica e a ciência. Chegamos a ser o epicentro do coronavírus no mundo. Mas não há mal que sempre dure. Depois de mais de 600 dias de angústia, a queda constante no número de casos e mortes por covid e o som pulsante das ruas dão sinais de mais uma vitória. Aos poucos, a vida retorna ao normal.

Há cerca de um ano, a pandemia deu uma trégua. Depois de um primeiro surto, o Brasil atravessou um período de aparente calmaria, com declínio de casos e de mortes pela doença. Parecia que tudo estava sob controle. Então os números dispararam e o país enfrentou uma crise sanitária ainda pior do que a primeira. O panorama, contudo, era outro. A vacinação ainda engatinhava quando o Brasil deparou com a P.1 (Gama) — uma variante do coronavírus que surgiu em Manaus e causou uma catástrofe, provocando colapso no sistema de saúde em várias cidades. A cepa é altamente transmissível e muito agressiva. Para ter ideia, ainda no mês de abril o Brasil ultrapassou o ano inteiro de 2020 no número total de mortes em razão do coronavírus.

Quando o país se recuperava do baque, aterrissou por aqui a Deltavariante originária da Índia —, responsável por uma avalanche de novos casos em países da Europa, Ásia e também nos Estados Unidos. Apesar de muito contagiosa, a Delta, comparativamente, é menos letal, e, no Brasil, não provocou uma piora nas contaminações, internações e mortes. Os números, ao contrário, não param de cair. Para o clínico geral Roberto Zeballos, doutor em imunologia, a P.1 pode ter oferecido um bloqueio biológico à Delta. “A cepa Gama fez um estrago, mas imunizou muita gente. Isso é algo que não ocorreu na Europa”, diz Zeballos. Ele ressalta que a imunidade natural da doença é mais longa e duradoura do que a oferecida pelas vacinas. “Enfrentamos dois surtos fortes e isso tem um ganho”, disse. “Toda vez que um paciente vence a doença, ele se imuniza. Quanto mais pessoas imunizadas, maiores as chances de alcançar a imunidade coletiva.” 

A circulação explosiva da variante Gama no início do ano, que resultou em um alto número de imunizados pela doença, somada ao avanço da vacinação ajudam a explicar por que a cepa Delta está se comportando de forma diferente no país. Nesta semana, o Brasil registrou cerca de 130 milhões de pessoas com o ciclo de vacinação completo o que corresponde a pouco mais de 60% da população brasileira — e já superou os Estados Unidos na proporção de pessoas totalmente vacinadas
A taxa de transmissão do coronavírus está no menor patamar desde abril de 2020. No Rio de Janeiro, o hospital de referência no tratamento da covid-19 deu alta ao último paciente internado com a doença — é a primeira vez desde o início da pandemia que a unidade não registra pessoas com covid. Algumas cidades já decretaram o fim da exigência do uso de máscaras. 
 
Doze Estados brasileiros não tiveram mortes relacionadas à covid-19 desde o último domingo, 14. Desde abril de 2020, a covid-19 era a principal causa de mortes no Brasil. Já não é mais.  
A doença foi superada por AVC (acidentes vasculares cerebrais), infartos e doenças cardíacas, segundo dados da Associação de Registradores de Pessoas Naturais referentes ao período de 16 a 31 de outubro. 
A média móvel para sete dias de óbitos, que elimina distorções entre dias úteis e fim de semana, ficou em 246. É o 15º dia seguido que o número fica abaixo de 300.

Novo fôlego para a economia
Se a ciência revela que a covid-19 caminha para ser controlada no país, o dia a dia cada vez mais próximo do normal é um dado da realidade perceptível a quem circula pelas cidades brasileiras. O movimento intenso em bares e restaurantes, a retomada das viagens, a reabertura de salas de cinema, teatros e casas de espetáculo e os preparativos para grandes eventos como o Réveillon e o Carnaval descortinam uma nova atmosfera — muito mais próxima daquela em que vivíamos antes de março de 2020. 

Os voos domésticos do país recuperaram cerca de 80% dos passageiros

Com a flexibilização das medidas restritivas, o setor de shopping centers registrou um crescimento expressivo nas vendas em outubro. Pela primeira vez em um ano e meio, as maiores operadoras de shoppings do Brasil venderam mais do que antes do início da pandemia. No mês passado, Multiplan e Iguatemi registraram altas de 10% e 15%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2019. E as perspectivas para o período de festas de fim de ano são animadoras. “Há uma expectativa mais positiva de vendas, com base nas últimas datas especiais do varejo, em que tivemos números acima do esperado”, afirma o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping, Luis Augusto Ildefonso. “Isso deve trazer um Natal muito melhor do que o do ano passado, porque naquela época estava tudo fechado, com circulação pequena de pessoas.”

A crise provocada pelas restrições começa a ser superada também pelo setor de turismo. Segundo a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo, 36% das agências de viagem já alcançaram, em setembro deste ano, pelo menos 75% do rendimento obtido no mesmo período de 2019. Os voos domésticos do país recuperaram cerca de 80% dos passageiros em relação aos números de antes da pandemia. Os cruzeiros, por exemplo, estarão de volta, gerando 35 mil empregos e R$ 2,5 bilhões em receitas, segundo a Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos. 

Sem limitações, os bares e restaurantes voltaram a todo vapor. Estimativas da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) projetam um crescimento de até 3% neste segundo semestre, com a recuperação de 600 mil de mais de 1,3 milhão de postos de trabalho perdidos desde o ano passado. “Existe um cenário de confiança na retomada. Com os números da pandemia melhorando dia a dia e a vacinação avançando, há a volta da confiança do consumidor. Isso faz toda a diferença”, conta José Eduardo Camargo, líder de Inteligência e Conteúdo da Abrasel. 

Durante os quase dois anos de pandemia, o circuito de shows e eventos foi duramente afetado. Em São Paulo, a partir deste mês, já não há mais restrições para a lotação de público em casas de shows e são permitidos espetáculos ao vivo com as pessoas em pé. Nas grandes capitais, já há preparativos para as festas de Réveillon e Carnaval. A maior festa popular do país deve atrair 15 milhões de pessoas às ruas de São Paulo — até agora, mais de 860 blocos carnavalescos se inscreveram para desfilar entre janeiro (no “pré-Carnaval”) e março do ano que vem. No Rio, há mais de 600 inscritos. Os organizadores do “maior Carnaval do mundo” projetam um investimento de mais de R$ 45 milhões, entre dinheiro público e privado. Outro sinal emblemático de que, aos poucos, a covid-19 vai ficando para trás é a volta do público aos estádios de futebol. Em São Paulo, 100% da capacidade está liberada. Cada Estado tem autonomia para definir critérios de reabertura: além de São Paulo, a lotação máxima já é permitida em capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Goiânia. 
A pandemia também comprometeu a educação de milhares de jovens que ficaram à deriva durante o isolamento. A duras penas — e muito tardiamente —, as escolas voltaram ao ensino presencial depois de meses fechadas.

Quarta onda na Europa e o dilema das vacinas

Mesmo diante das perspectivas animadoras de retomada, a pandemia ainda exige cautela. “O Brasil atravessou a segunda onda e ruma para o fim do ciclo pandêmico, exceto se surgir alguma nova variante atípica”, afirma o infectologista Francisco Cardoso. Estamos bem distantes do quadro devastador registrado em abril, quando o Brasil chegou a perder mais de 4 mil vidas para a covid-19 em 24 horas. Ao longo dos meses, os médicos aprenderam que a doença tem controle e tratamento, ainda mais quando feitos precocemente, como qualquer outra enfermidade cuidada pela medicina. 
 
No entanto, se vivemos uma onda de otimismo, não se pode dizer o mesmo da Europa que voltou a ser o epicentro da covid-19. A situação do Velho Continente acende uma luz amarela e mostra que o vírus continua entre nós.  
A explosão de casos em países europeus intriga especialistas e põe em xeque a eficácia da vacinação. A Alemanha, com quase 70% da população vacinada, bateu recorde de contaminações. A Holanda, com 73% de vacinados, vive um retrocesso com a volta de medidas restritivas e o aumento no número de mortos pela doença neste mês. O que se observa depois de cerca de 7,5 bilhões de injeções aplicadas no mundo é que as vacinas não são 100% eficazes para evitar contaminações pelo coronavírus. Mesmo assim, estudos indicam que pessoas vacinadas têm menor risco de contrair a doença e, ainda que sejam diagnosticadas, têm menos chances de evoluir para casos graves e mortes. “Um problema que vivemos é a ilusão de que as pessoas vacinadas não têm mais covid”, explica Raissa Soares, médica de família. “Muitos pacientes vacinados com duas doses contraem a covid e só buscam ajuda na fase mais grave da doença, pois eles têm a falsa sensação de que estão protegidos. Só que aí o tratamento é mais difícil.” Além do dilema das vacinas, segundo o médico Roberto Zeballos, na Europa as pessoas ficaram confinadas por mais tempo e, com o relaxamento das medidas de restrição, passaram a ter maior contato com o vírus, o que pode justificar o aumento de casos. “Lá, os lockdowns foram mais rígidos, não teve muita exposição”, lembra. “No Brasil, não houve lockdown de fato, as pessoas ficaram mais expostas ao vírus e foram mais contaminadas.”

É bom lembrar que as vacinas desenvolvidas no ano passado foram baseadas na versão “original” do coronavírus, quando ainda não havia novas cepas em circulação. Quando o vírus sofre mutação, algumas variantes podem escapar à proteção vacinal. “Um definidor para 2022 é quanto a gente vai conseguir atualizar as vacinas disponíveis para efetivamente combater melhor as variantes que se formaram ao longo desse tempo”, disse o virologista Fernando Spilki, coordenador da rede Corona-ômica do Ministério da Ciência e Tecnologia, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico. É bem provável que o novo coronavírus tenha vindo para ficar. Teremos de conviver com ele assim como vivemos com a influenza, o vírus da gripe. “Acredito que, a partir do próximo ano, a covid vai atingir o nível endêmico e se tornar uma doença como qualquer outra. Não vai haver mais elementos para manter o status de pandemia”, afirma Cardoso. Tomara. Enquanto a ciência continua buscando respostas para dúvidas que só serão respondidas com o tempo, o normal está de volta à vida dos brasileiros. 

Leia também “Mauro Ribeiro: ‘Estão tentando nos calar'”

Fábio Matos/Paula Leal  - Revista Oeste


quarta-feira, 7 de abril de 2021

UNIDOS PELO VÍCIO - Percival Puggina.

No livro “Histórias sem data”, Machado de Assis conta que o Diabo, certo dia, resolveu organizar sua atividade e fundar uma igreja. Seus afazeres mereciam ser valorizados por certa pompa, paramentos, novenas, escrituras etc.. Foi ter com o Senhor para notificá-Lo da decisão. Na conversa, o tinhoso dissertou longamente contra as virtudes e a favor dos vícios, atrativos reais com que contava para fazer prosperar sua iniciativa. O ponto alto deu-se quando discorreu sobre as razões da venalidade. Vale a pena transcrever:

“A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender tua casa, o teu boi, o teu sapato, teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que em todo caso estão fora de ti, como é que não podes vender tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? Não pode, um homem, vender uma parte de seu sangue a um outro homem anêmico? E o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem?”

A conversa segue, abrindo o ventre e eviscerando a miserável falta de escrúpulos com que operam certas instituições nacionais. E não me peçam para dar nomes e sobrenomes aos bois desse cercado porque eu gosto de dormir na minha casa, na minha cama, com minha mulher. Vejam pois, amigos leitores, a impiedosa sina: umas poucas páginas do bom e velho Machado, com quem quis buscar refúgio e proveito estético, me arrastaram de volta ao amado Brasil cuja realidade me traz dor ao peito.

Machado de Assis cortou fundo. Com razão não ficou apenas no dinheiro mal havido, mas quase invadiu o território misterioso das criptomoedas, descortinando as múltiplas moedas da venalidade. “Nem só de pão vive o homem”, disse Moisés e repetiu Jesus. E nem só de dinheiro vive a corrupção.

É assim que eleitores e políticos vendem votos. É assim que muitos deputados trocam convicções morais pelo sorriso afável dos corruptos que se resguardam com leis de autoproteção. E é assim que tantos rasgam compromissos de campanha e se desdobram em agrados ao poder togado do outro lado da praça.

É assim que ministros do STF fazem o mesmo jogo internamente e, para bem servi-lo, rasgam o que escreveram em seus livros, ou desdizem o que tantas vezes repetiram antes, com floreios de saber jurídico e certeza moral. A Constituição é, assim, enviada às urtigas. É assim que se serve a Corte e se desserve a sociedade, prendendo quem ataca a instituição e soltando bandidos socialmente perigosos. É assim que consciências cedem à gratidão e a gratidão se impõe ao dever moral de declarar a própria suspeição.

É assim que a opinião vai ao mercado em busca do melhor preço ou do maior número de cliques. É assim que, para tantos, a fé erguida à condição de sacramento da Ordem se corrompe e se torna utilidade política, o sermão vira discurso e o discurso torna “a casa dividida contra si mesma”. E servem a dois senhores.

Em seu devaneio criativo, Machado de Assis foi apocalíptico.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 27 de maio de 2020

Qual o limite dos deuses supremos? - Alerta Total

Empresas quebrando... Desemprego aumentando... Arrecadação de impostos despencando... 
Projeção de falta de recursos para sustentar salários no serviço público... Risco de colapso no pagamento de aposentadorias e pensões... Ameaça, nem tão distante, de o Tesouro Nacional, de repente, ser forçado a repassar dinheiro para manutenção dos poderes Legislativo e Judiciário... Mas, antes deste cenário apocalíptico, já temos um crescente número de brasileiros, nas ruas, pedindo comida e esmolas. Não demora, aumentam saques, assaltos e outras revoltas sociais violentas.

Será que os 11 “sábios”, com ares de divindade, que se imaginam com poderes acima de todos, têm consciência da realidade nua e cria do Brasil pós-pandemia?
Será que eles têm consciência de que tudo de errado acontece e se agrava por culpa da suprema carta branca dada a governadores e prefeitos para agirem, como quiserem, nos atos para impedir a escalada do Kung Flu?
Será que eles não percebem que o corporativismo exacerbado não resolverá o desgaste de imagem que suas atitudes e decisões provocaram na opinião pública?

Será que falta sensibilidade social e uma mínima capacidade de leitura conjuntural e histórica a quem se permite o direito inalienável de poder experimentar da melhor e mais cara lagosta, sorvendo as mais saborosas e caras bebidas importadas, dentre outras mordomias, em festanças agora adiadas por causa da pandemia? Será que os deuses estão abalados psicologicamente ou perderam a dimensão real de seus limites? Ou será que os deuses se julgam alienígenas que vivem em outra dimensão, incompreensível e inatingível ao resto dos brasileiros?

As perguntas não param e exigem respostas concretas e objetivas, imediatamente... O que realmente se passa na cabeça dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal – que são os guardiões de uma Constituição que precisa ser renovada. O Brasil necessita de uma nova Constituição enxuta e principiológica que institua o voto distrital facultativo e o federalismo pleno. As decisões precisam ser tomadas nos municípios onde vive o povo – o legítimo detentor do poder originário.

Os deuses supremos pensam diferente do resto do povo brasileiro – inclusive dos segmentos mais esclarecidos. Logicamente, como fazem parte do poder constituído, do tal establishment, os 11 desejam que tudo fique como sempre esteve. Certamente, é por isso que eles se fecham em copas e partem para uma insana defesa corporativa do STF. Não conseguem esconder que, pelos recentes atos, apóiam os movimentos golpistas contra o Presidente da República. Os ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes assumem a linha de frente. Barroso, Carmem Lúcia e Fachin defendem o progressismo. Os demais apóiam o discurso corporativo. Toffoli tenta se equilibrar no muro, mas sempre pendendo para o lado do Palácio da Justiça...

O movimento dos deuses do Supremo desagrada os militares. Não só os generais na reserva que são membros do governo federal. Mas também os oficiais comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica na ativa e, naturalmente, a famosa “reserva ativa”. A insatisfação se estende de Coronel para baixo, chegando a sargentos, cabos e soldados... Será que os ministros do STF já deram conta deste fenômeno institucional? Ou o movimento do Supremo contra tudo que Bolsonaro representa é um comportamento sem retorno? Haja perguntas de complexas respostas...

A guerra de todos contra todos os poderes se aprofunda, justamente no momento crítico no qual o Brasil necessitava de uma trégua para cuidar da retomada do crescimento econômico diante dos erros cometidos por governadores e prefeitos, com a anuência do STF. O lobo (agora nem tão solitário) Bolsonaro tem de cumprir a missão que lhe foi delegada pelo eleitorado formado, majoritariamente, pela classe média conservadora que não se sentia representada pelo petismo e ainda foi economicamente massacrada pelas petralhagens.

Discursos bonitinhos sempre são bem vindos. Só que o povo é pragmático: quer melhora econômica, emprego, dinheiro para consumir, segurança e (depois da pandemia) saúde para sobreviver. No imaginário popular da maioria, Bolsonaro foi eleito para atender a estes objetivos. Apesar dos ataques cada vez mais intensos que Bolsonaro recebe da extrema mídia e dos membros do establishment, uma grande massa lhe presta cada vez mais apoio. Isto irrita a Turma do Mecanismo.

Os fatos demonstram que o STF está exagerando no uso do poder. O órgão, que deveria cuidar, preferencialmente, da aplicação correta da Constituição, tem interferido nas decisões do Executivo, tem legislado pela via da interpretação que produz jurisprudência e tem cumprido até o papel do Ministério Público abrindo inquéritos para investigação ou praticamente oferecendo denúncia criminal contra quem o critica. As atitudes podem até ter respaldo legal, porém cabe indagar: São legítimas, do ponto de visto democrático, da Segurança do Direito Natural?

Os ânimos, se já estão exaltados, tendem a ficar ainda mais radicalizados na guerra entre os poderosos. Os militares de Bolsonaro costuram um acordo com o Centrão pela governabilidade. Apesar de todos os riscos, o tempo mostrará que isso custará infinitamente mais barato que ficar refém de um segmento togado que perdeu completamente a noção da responsabilidade democrática, embora faça a narrativa contrária, posando de vítima de ataque praticado pelos “defensores do autoritarismo”.

Felizmente, o coronavírus ainda não assassinou [nem assassinará] a quantidade gigantesca que a extrema mídia e os inimigos das reformas e mudanças gostariam. No entanto, a estupidez criminosa (culposa ou dolosa?) no combate à crise de saúde provocou uma crise econômica inédita – que atingiu, em cheio, o segmento informal da economia. Será necessário um acordo político rápido e consistente para retomar a atividade econômica e elaborar um Projeto Estratégico de Nação.

Enquanto o Brasil se esfacela, cabe perguntar: 
Qual o limite dos deuses supremos?
O Brasil só descobrirá assim que ocorrer a inevitável Repactuação Político-jurídica, em um processo de Depuração Democrática que vai demandar um bom senso, sabedoria e conceitos corretos que andam em falta na cada vez mais brutal sociedade brasileira. As regras do jogo, por enquanto, só favorecem o arbítrio e o abuso de poder de todos os envolvidos na guerra que deveria ser rebatizada de “Tolos contra tolos”, com o povo no meio.
Já passou da hora de ser passado a limpo o Brasil do regramento excessivo, com pouco cumprimento consciente das leis, muito abuso de autoridade e interferência estatal ilegítima na vida das pessoas que só querem viver, produzir e empreender, livremente.

Recadão do Advogado
O advogado Marcos David Figueiredo e Oliveira faz uma proposta ousada para a criação de mecanismos para restaurar a ordem constitucional: a Criação de um Tribunal Constitucional Militar, para julgar as autoridades de todos os poderes.  

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Por Jorge Serrão - 
Edição do Alerta Total 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Zema, ou a velhice do novo - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Depois que Alckmin se recolheu, governador mineiro disputa-lhe o campeonato de platitudes

O doutor notabilizou-se por encaminhar à Assembleia Legislativa um pedido de aumento de 42% para os servidores da área de segurança     

Graças à internet, está na rede a entrevista que ele concedeu a uma equipe da GloboNews no dia 29 de janeiro, quando o mimo estava sendo  cozinhado. A conversa durou 56 minutos, e é uma viagem ao novo, ecoando a fala do príncipe de Salinas no romance “O leopardo”: “Tudo isso não deveria poder durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois séculos... e depois será diferente, porém pior”.

Zema acha que “o Brasil precisa se reinventar”. “Parece que tem hora que o mineiro e o brasileiro só enxergam o que dá errado”. Nesse ofício, lascou os governos anteriores, sobretudo o do PT: “Somos um Estado quebrado”, uma “podridão”. Repetiu um bordão apocalíptico: “O Brasil estava caminhando para ser algo semelhante a uma Venezuela.”(Quando ele disse isso, a repórter Vera Magalhães ainda não havia mostrado a influência das milícias e dos motins de PMs, cunhando a expressão “bolsochavismo”.)

Depois que o paulista Geraldo Alckmin se recolheu, Zema disputa-lhe o campeonato de platitudes: “Você não consegue fazer tudo ao mesmo tempo”, ou “com a matemática não se brinca”. (A sério, ele reduziu o custo do estado em R$ 5 bilhões. Brincando, mandou a mensagem dos bilhões.) Afora a embromatina, Zema mostra-se um campeão do novo-velho. Orgulhou-se de ter renegociado um contrato de R$ 106 milhões para R$ 2 milhões, mas passou batido quando lhe perguntaram se mandou investigar quem botou o jabuti na árvore.

Sendo o novo, Zema disse que tem coragem para cometer “sincericídios”  e ensinou que “a eleição de 2018 mostrou que o modelo que vigorou no Brasil está falido, aquele político que fica prometendo, que fica dissimulando, aquele político que não quer enfrentar problema de frente, deu no que deu. (...) parece que no Brasil a classe política sempre teve medo.
No 50º minuto da entrevista, deu-se o momento Zema. O repórter Gerson Camarotti perguntou-lhe o que achava das filas do INSS (1,3 milhão de pessoas) e da balbúrdia do Enem (seis mil estudantes prejudicados). “Há problema de gestão?” Zema respondeu:
“Eu fico muito feliz com esses problemas, porque você não falou em nenhum problema de corrupção”.
Camarotti lembrou-lhe que “você tem pessoas necessitando de aposentadorias, numa situação dramática”.
Só então caiu a ficha. Zema reconheceu que “há falhas” e que “nisso, concordo plenamente”. Concordou plenamente com a dramaticidade da situação lembrada por Camarotti, como se ela não tivesse existido. Afinal, foi-se o tempo daquele político que fica dissimulando, aquele político que não quer enfrentar problema de frente.

O príncipe de Salinas sabia do que falava. Tanto era assim que o velho político Elio Vittorini (comunista) rejeitou o manuscrito do “Leopardo” duas vezes na editora Mondadori.


Coluna na Folha de S. Paulo e O Globo - Elio Gaspari, jornalista




quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Greta, a “pirralha” - Nas entrelinhas



“Bolsonaro não é o primeiro chefe de Estado a se sentir incomodado com a jovem, que desagrada muita gente com seu discurso apocalíptico e já foi até chamada de “histérica” pelo presidente Donald Trump”

[essa Greta é um chuvisco de verão, sua fama, seu ativismo logo será esquecido pela imprensa - ou já esqueceram que as manchas de óleo nas costas brasileiras foram convenientemente esquecidas.

Perceberam que não conseguiriam derrubar o presidente Bolsonaro, então esqueceram.  

Igual aos 'diálogos do interpePTação  - agora estão restritos a Polícia - apropriadamente, já que furto, invasão, etc é caso de POLÍCIA. ] 

O presidente Jair Bolsonaro voltou a chamar de “pirralha” a ativista sueca Greta Thunberg, ao receber homenagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília, tentando ridicularizar a adolescente de 16 anos. Segundo ele, a jovem deu um “showzinho” na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP25), realizada em Madri. No mesmo dia, porém, Greta foi eleita a personalidade do ano pela revista Time, por inspirar movimentos estudantis de todo o Ocidente na luta contra o aquecimento global e em defesa da natureza. Ela é a mais jovem contemplada com o título.

“Tem até uma pirralha que tudo o que ela fala a nossa imprensa, oh, nossa imprensa, pelo amor de Deus, dá um destaque enorme. Ela está agora fazendo seu showzinho lá na COP25”, disse Bolsonaro. Em Madri, pouco antes, Greta havia acusado líderes políticos e empresariais de preferirem cuidar de suas próprias imagens a tomar medidas agressivas na luta contra as mudanças climáticas. Disse também que as ambiciosas metas de redução de emissões são uma “enganação” e que “nada está sendo feito” para evitar uma catástrofe climática.

Greta Thunberg, nascida em 3 de janeiro de 2003, é um ponto fora da curva. Filha e neta de artistas, sua mãe é a cantora de ópera Malena Ernman, que representou a Suécia no Festival Eurovisão da Canção de 2009. Seu pai é o ator Svante Thunberg, filho do ator e diretor Olof Thunberg e da atriz Mona Andersson. A jovem tem síndrome de Asperger, TDAH, transtorno obsessivo-compulsivo e mutismo seletivo. Greta, porém, conseguiu ultrapassar esse problema, partindo do princípio de que “ser diferente é um superpoder”, dependendo das circunstâncias.

Greta era mesmo uma “pirralha” quando percebeu, com 8 anos de idade, que as mudanças climáticas existiam e ficou imaginando o motivo de isso não ser manchete em todos os canais, como acontece com as guerras. Em agosto de 2018, Greta Thunberg resolveu abandonar as aulas para protestar, próxima ao parlamento sueco, exigindo mais ações para mitigar as mudanças climáticas por parte dos políticos de seu país. Estudantes de outras comunidades se organizaram para protestos semelhantes.

Mais tarde, numa conferência em Londres, disse que não foi à escola para se tornar uma cientista do clima, como alguns sugeriram, porque a ciência chegou aos seus objetivos e somente restaram a negação, a ignorância e a inatividade. Terraplanistas e autoridades que negam o aquecimento global, como o presidente Donald Trump, parecem dar razão à menina, que ganhou notoriedade por uma abordagem igualmente radical na narrativa em defesa do meio ambiente.

Craque do marketing
Seu protesto solitário defronte ao parlamento da Suécia deu origem a um movimento global intitulado Fridays for Future (Sextas pelo Futuro), que culminou em uma greve escolar global no dia 15 de março, com protestos em mais de 100 países. “Vocês roubaram os meus sonhos e infância. Estamos no início de uma extinção em massa, e a única coisa que vocês falam é sobre dinheiro e o conto de fadas de crescimento econômico eterno. Como se atrevem?”, disse, em memorável discurso na ONU, em setembro passado.

Bolsonaro não é o primeiro chefe de Estado a se sentir incomodado com a jovem, que desagrada muita gente com seu discurso meio exagerado e apocalíptico. Foi até chamada de “histérica” pelo presidente Donald Trump. Em termos de marketing político, porém, é uma tremenda roubada brigar com Greta. Ela é craque em chamar a atenção da mídia, sobretudo porque transformou seu principal hobby numa arma política: navegar de barco à vela.

Greta Thunberg cruzou o Atlântico num veleiro para comparecer à ONU, em Nova York. Foram duas semanas de travessia marítima, partindo do emblemático Porto de Plymouth, no Reino Unido. A jovem se recusa a viajar de avião por causa das emissões de carbono geradas pela queima de combustível. Veleja num barco “sustentável”, com painéis solares e turbinas que produzem eletricidade, cedidos por ninguém menos do que Pierre Casiraghi, filho da princesa Caroline de Mônaco.

Sua chegada a Nova York é um “case” de comunicação nas redes sociais e na mídia tradicional. Tão logo pôde, disparou no Twitter: “Nós atracamos na costa de Coney Island — passando pela alfândega e imigração”. Horas depois, publicou uma foto já no rio Hudson, com Manhattan no horizonte. Mais cartão-postal, impossível. Por essas e outras, é uma fria polemizar com Greta Thunberg. É uma briga na qual já se entra derrotado na opinião pública internacional.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense