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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Tempos vulgares - Gaudêncio Torquato

Blog do Noblat - Veja

“A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”


Mas os tempos são mais sombrios e abatem a moral de nossa gente. Oportunistas e carreiristas se abrigam em guetos na administração pública. Larápios se disseminam e corroem as riquezas da Nação. Em pleno tempo de Lava Jato, apoiam-se em modelagens tecnológicas para sugar bens do Estado. A honradez cede lugar às artimanhas. Profissionais da política trocam a missão de bem servir à sociedade, ideal aristotélico, por uma profissão bem remunerada. Servir-se em lugar de servir. Muitos trocam a palavra e sua índole moral por uma prebenda. 
 
Corações e cérebros escamoteiam a verdade, arrumam desculpas para explicar a mudança de posição em importantes decisões. As circunstâncias determinam o ir e vir. Firmeza de propósitos? Quimera.  Nessa paisagem de folhas secas, grupos se digladiam em redes sociais com xingamentos e acusações, multiplicando fake news em um cabo de guerra imaginário. Debater em um fórum de ideias? Não. O ódio racha a sociedade, a bílis escorre. É um jogo de soma zero.

Frios, apáticos, cegos, milhões não enxergam os horizontes do amanhã de prosperidade, caso substituíssem a mentira pela verdade, o deboche pelo respeito, o oportunismo pela oportunidade de ajudar os carentes, a indignidade pelo zelo, a torpeza pela civilidade. O que se vê são impostores e hipócritas.
A injustiça impera, apesar do Judiciário, do Ministério Público e dos sistemas de controle. O espetáculo motiva operadores do Direito, interessados apenas na visibilidade. A hipocrisia dá o tom. A maldade se bifurca na encruzilhada dos malfeitores. O primeiro germe da perfeição moral se manifesta quando alguém pratica o bem, ensina coisas certas, admira as virtudes. Mas esse germe é escasso, convenhamos.

O país se locupleta de pessoas refratárias a gestos dignos. Que navegam no pântano. Caçadores de fama, aproveitam o niilismo para surfar nas ondas do favorecimento. Resta pinçar o timoneiro Simon Bolívar, que há 170 anos perorava: “Não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida, um tormento. A única coisa que se pode fazer em nossa América é emigrar”.


Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O presidente em seu labirinto

 Temer anda em círculos e não chega a lugar algum

Às voltas com a sina de ter sido vice de Dilma Rousseff, a pior governante do Brasil desde que Tomé de Souza desembarcou na Bahia, Michel Temer procura livrar-se dela e fazer história como presidente, movendo-se, todo temeroso e nada temerário, com muito cuidado e pouca coragem.

Ele investiu o capital escasso, que lhe cabia administrar em dois anos e sete meses de um mandato-tampão sob risco permanente, no cabedal de uma equipe econômica de fôlego. Seu principal oponente, Lula, maldiz a adequada política econômica dele, mas ninguém esquece que o ex tentou impor o bancário Henrique Meirelles à pupila Dilma. E só não o fez porque ela não o quis. Por um motivo imperdoável: informada de que o ex-tucano se teria oferecido a Lula para seu lugar de candidata, concluiu que, ao contrário do mineiro da frase que Nélson Rodrigues atribuiu a Otto Lara Resende, o goiano não é solidário nem no câncer.

Do ponto de vista do mercado, Michel Miguel fez a aposta certa: para evitar a sangria desatada das contas públicas, demonstrada desde sempre por Mansueto Almeida e Marcos Lisboa, conseguiu do Congresso a emenda constitucional que realiza o sonho que Tancredo Neves acalentou no discurso escrito para a posse que José Sarney (logo quem) tomou em seu lugar: “É proibido gastar”. Enfrentando as hordas dos queimadores de pneus e as plateias animadas pelo desejo de expeli-lo do governo, Senado e Câmara tornaram constitucional a lei da economia de qualquer lugar e sob qualquer regime: não se gasta o que não se tem. Apesar de caneladas, perebas e tropeções, pode vir no mesmo embalo a reforma previdenciária. E até, ora direis ouvir estrelas, a trabalhista. Por que não?

Mas, se os bancos chacoalham as joias, a Bolsa enche as cornucópias e a indústria sonha voltar a produzir para o comércio vender e a massa consumir, a popularidade do chefe de governo explode no ar como os 12 minutos dos fogos do réveillon em Copacabana, princesinha do mar.  O problema é que Temer perde o fio de Ariadne na sofreguidão de fugir do Minotauro dos 12 milhões de desempregados, da quebradeira das empresas e da queda brusca da arrecadação de impostos, por mais escorchantes que estes continuem sendo. E não consegue escapar do labirinto de apostos e mesóclises em que seu marqueteiro o enfiou. O pretenso rei de Midas da mídia pretende substituir por saliva de mascate de origem levantina o “sangue, esforço, lágrimas e suor” com que Sir Winston Churchill venceu a Batalha de Londres e a 2ª Guerra Mundial, reconquistando a autoestima da pérfida Albion.

Com Fortaleza e Campina Grande sem água sequer para escovar os dentes, ele prometeu ser o “melhor presidente nordestino” da História em pleno sexto ano de terra seca e gado morto. Para isso, conta com o uso de bombas emprestadas pelo governador tucano paulista, Geraldo Alckmin, para transpor águas de um velho e depauperado rio São Francisco, incapaz de manter cheia a barragem de Sobradinho. E isso ao longo de canais que viraram ruína antes de fazê-las fluir. Se chuva a cântaros interromper o sétimo ano de vacas magras, os açudes de Castanhão e Boqueirão sangrarão e, aí, ele será venerado como a encarnação atual do padre Cícero de Juazeiro. Se não, terá de providenciar transporte de água em lombo de jumentos pelo Semiárido adentro. E não há mais tantos jegues no sertão…

Exemplo claro dessa desconexão entre fala e fato foi dado no anúncio da conclusão do programa de uma reforma administrativa que extinguirá 4,6 mil cargos comissionados até julho que vem, com a promessa de economia de “mais de” R$ 240 milhões. Esse alívio não fará cócegas no Orçamento, ante a liberação de R$ 3,7 bilhões em emendas parlamentares e os aumentos concedidos em medida provisória para pelo menos oito carreiras do Executivo, que custarão R$ 3,8 bilhões só este ano.

Tudo isso é previsto na legislação draconiana e representa lana caprina se comparado com a bondade que o chefão do PSD, da base que garante a aprovação das reformas no Congresso, Gilberto Kassab, ministro até o último dia do desgoverno Dilma e desde o primeiro dia do atual, endereçou para sua mesa para sanção. Ainda não apareceu um figurão do governo federal para dizer em quanto orça o patrimônio público concedido às empresas telefônicas, cuja gestão será transformada em “autorização”, caso a nova Lei Geral das Comunicações passe a viger. Calcula-se em algo acima de R$ 100 bilhões. Até o novo texto receber o jamegão presidencial, essa bagatela será devolvida pelos concessionários a seu legítimo dono, Sua Excelência, o Povo, como definia o velho timoneiro Ulysses Guimarães. Com a assinatura presidencial, a autorização permitirá que os antigos concessionários possam usá-los para investir em seus próprios negócios. Nem Farah Diba, a princesa que deu um herdeiro ao último xá da Pérsia, ganhou joia tão valiosa. Adriana Ancelmo, então, coitada…

O mais doloroso dessa negociação, contudo, é saber que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) perdoará R$ 20 bilhões em multas por serviços mal prestados, pelos quais são cobradas tarifas acima da média mundial, da Oi, a maior de todas, inclusive em dívidas. Seu passivo bateu recorde ao atingir R$ 65 bilhões no finado ano.

Se alguém tiver alguma dúvida sobre a origem de tanta generosidade pode ler na Folha de 28/12 último a seguinte notícia: “Os principais financiadores da empresa Gamecorp, que pertence a um dos filhos do ex-presidente Lula, injetaram na firma ao menos R$ 103 milhões, de acordo com laudo elaborado na Operação Lava Jato. A cervejaria Petrópolis e empresas ligadas à Oi são os principais remetentes desses recursos”. Alguma dúvida? Pois é. Como diria o Compadre Washington naquele comercial de sucesso, “você não sabe de nada, inocente!”.

Na última semana de 2016, o Panamá acompanhou outros seis países latino-americanos que tomaram medidas contra a empreiteira Odebrecht – México, Peru, Argentina, Colômbia, Equador e Venezuela –, ao suspender contrato de US$ 1 bilhão para construção e operação de uma hidrelétrica. Na mesma ocasião, depois da publicação do relatório do Departamento de Justiça dos EUA sobre o que os americanos definiram como “o maior esquema de propina da História”, a Suíça calculou que a mesma empresa lucrou US$ 4 por cada US$ 1 pago em propina.

Na mesma ocasião, o consórcio liderado pela empreiteira, da qual 77 executivos e ex-executivos fazem delação premiada na Operação Lava Jato, ganhou prazo de quatro meses para “honrar a outorga” do aeroporto do Galeão, no Rio. A alegação para tanto é que o concessionário está em dificuldades financeiras. E o País, como está o País, hein?

Enquanto espera a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, conhecer a resposta do senador Renan Calheiros sobre a pressa com que se vota a nova Lei Generosa das Comunicações, Temer mandou para Manaus seu anspeçada nada judicioso Alexandre de Moraes, ministro da Justiça. Sua Excelência foi à Hiléia para providenciar a transferência dos líderes do motim do presídio da capital amazonense para estabelecimentos de segurança máxima, geridos pela União.

Os 56 mortos no banho de sangue da virada do ano não mereceram do presidente em seu labirinto (como o general Simón de Bolívar navegando no Rio Magdalena no relato imaginário de Gabriel García Márquez) mais do que descaso. Idêntica é a reação do governador do Amazonas, José Melo, acusado de ter negociado doação para sua campanha em 2014 com uma das facções em guerra na prisão. Temer, que, por andar em círculos não chega a lugar nenhum, talvez não convenha lembrar, é alvo de acusação idêntica em depoimento prestado em processo que recebeu dos delatáveis apavoradas a alcunha de “delação do fim do mundo”. Amém.


sábado, 12 de setembro de 2015

PT, o quinto dos infernos

Entre os desserviços proporcionados pela Era PT, um tem efeito devastador e exigirá muito tempo para ser recomposto: a perda do grau de investimento moral da sociedade civil organizada. Em certo sentido, esse dano é ainda maior que o da perda do grau de investimento, recuperável pela adoção de medidas econômicas adequadas, em ambiente político mais confiável.

Mas o dano moral de privar a sociedade de tribunas qualificadas, espaços não estatais de interlocução pública, não tem preço. Entidades como OAB, ABI, CNBB e UNE levaram décadas para construir sua reputação, com participação ativa em todos os movimentos cívicos de envergadura do século XX. São, porém, os grandes omissos em uma das maiores crises da história republicana brasileira – e, em certos aspectos, a maior.

Não se ouviu delas uma única palavra condenatória a respeito da roubalheira na Petrobras, que o jornal mais importante dos EUA, o The New York Times, considerou, em volume e abrangência, o maior caso de corrupção da história humana. Muito ao contrário, houve quem relativizasse o escândalo. Aparelhadas pelo PT, hoje vocalizam os interesses desse partido, cuja própria sobrevivência está em risco, tal a diversidade de delitos já capitulados. Os ditos movimentos sociais – CUT, MST, MTST, entre outros já nasceram sob a égide partidária, com a missão de cumprir uma agenda ideológica que está longe de exprimir um ideário comum à sociedade brasileira.


Têm, pois, coerência e representatividade a soldo. Seu declínio acompanha o do governo petista e das legendas que os patrocinam. Vivem de dinheiro público, à revelia do público. Já as entidades da sociedade civil não pertencem a ninguém em especial. Foram forjadas nas lutas políticas hoje inscritas na história. A OAB, por exemplo, surge na sequência da Revolução de 1930 e tem participação ativa na luta contra a ditadura do Estado Novo, a partir de 1937.

Apoiou a queda do governo Goulart, em 1964, mas, uma vez configurada a determinação militar de não devolver o governo aos civis, tornou-se voz destacada na luta pela redemocratização. Exerceu, por meio de seu então presidente, Raymundo Faoro, interlocução junto ao governo Geisel para construir a agenda da transição para a democracia, de que constavam, entre outras coisas, o restabelecimento do habeas corpus e das eleições diretas para presidente da República, que só retornariam de fato com a Constituinte, em 1988.

A CNBB, por sua vez, num país que já foi bem mais católico, perdeu musculatura moral ao se tornar força militante atrelada aos chamados movimentos sociais que, por sua vez, obedecem a comando partidário. Deixou de ter qualquer importância, ao ponto de escassos católicos saberem o nome de quem a preside. [sou católico e não sei quem a preside e nem faço questão de saber. Afinal a CNBB apoia todos os chamados 'movimentos sociais' que nada mais são do que organizações criminosas, aglomerados de bandidos. O mais estranho é que os membros de tais movimentos em sua maioria assaltam,  roubam, furtam, invadem propriedades privadas, matam e mesmo assim a CNBB os apoia.]

A sociedade foi às ruas, somente este ano, por três vezes, em manifestações que lotaram as ruas e avenidas das principais capitais. Disseram, por conta própria, tudo o que esperavam ouvir das entidades que sempre se ocuparam em vocalizá-la. E o que elas disseram, quando ousaram romper o silêncio? Exatamente o que o PT e seus aliados à esquerda repetiam: que se tratava de gente rica, coxinhas, que nada tinham a ver com o verdadeiro povo (entidade abstrata que só ganha concretude se se filiar aos movimentos sociais).

O aparelhamento supôs ser possível promover uma revolução em silêncio, a revolução bolivariana, privada de qualquer debate público, a partir de uma engenharia política restrita a essas entidades, às quais se somou o que se pode classificar como uma síntese delas: o Foro de São Paulo.  O logro foi percebido a tempo de sustá-lo.

Alguns dos principais cabeças, na órbita partidária, como José Dirceu, estão na cadeia. Outros, como o próprio Lula, têm tudo para lá chegar. A revolução, sob o patrocínio de Simon Bolívar, personagem estranho à nossa história, abusou do princípio de que os fins justificam os meios e concentrou-se nos meios, de que a rapina à Petrobras dá um pálido exemplo – e que não é único.

 Inferno: mantido cuidadosamente à temperada adequada esperando por Lula, Dilma, Zé Dirceu e o restante da petralhada. 
Lênin, Stalin, Mao, Castro, Chávez  e outros vermes da mesma estirpe lá já se encontram

A Era PT chegou ao fim, ainda que a remoção do governo possa levar algum tempo. A classe média, sem a qual não haveria PT, nem muito menos as revoluções – tudo começa e termina nela e com ela -, rompeu com o establishment petista. E é sob seus escombros que se buscará algum remédio para o recomeço, para a sofrida tentativa de recolocar o Brasil de volta não a um paraíso, cada vez mais distante, mas ao singelo Terceiro Mundo. No momento, estamos no quinto – o quinto dos infernos.

Por:  Ruy Fabiano