Temer anda em círculos e não chega a lugar algum
Às voltas com a sina de ter sido vice de
Dilma Rousseff, a pior governante do Brasil desde que Tomé de Souza
desembarcou na Bahia, Michel Temer procura livrar-se dela e fazer
história como presidente, movendo-se, todo temeroso e nada temerário,
com muito cuidado e pouca coragem.
Ele investiu o capital escasso, que lhe
cabia administrar em dois anos e sete meses de um mandato-tampão sob
risco permanente, no cabedal de uma equipe econômica de fôlego. Seu
principal oponente, Lula, maldiz a adequada política econômica dele, mas
ninguém esquece que o ex tentou impor o bancário Henrique Meirelles à
pupila Dilma. E só não o fez porque ela não o quis. Por um motivo
imperdoável: informada de que o ex-tucano se teria oferecido a Lula para
seu lugar de candidata, concluiu que, ao contrário do mineiro da frase
que Nélson Rodrigues atribuiu a Otto Lara Resende, o goiano não é
solidário nem no câncer.
Do ponto de vista do mercado, Michel
Miguel fez a aposta certa: para evitar a sangria desatada das contas
públicas, demonstrada desde sempre por Mansueto Almeida e Marcos Lisboa,
conseguiu do Congresso a emenda constitucional que realiza o sonho que
Tancredo Neves acalentou no discurso escrito para a posse que José
Sarney (logo quem) tomou em seu lugar: “É proibido gastar”. Enfrentando
as hordas dos queimadores de pneus e as plateias animadas pelo desejo de
expeli-lo do governo, Senado e Câmara tornaram constitucional a lei da
economia de qualquer lugar e sob qualquer regime: não se gasta o que não
se tem. Apesar de caneladas, perebas e tropeções, pode vir no mesmo
embalo a reforma previdenciária. E até, ora direis ouvir estrelas, a
trabalhista. Por que não?
Mas, se os bancos chacoalham as joias, a
Bolsa enche as cornucópias e a indústria sonha voltar a produzir para o
comércio vender e a massa consumir, a popularidade do chefe de governo
explode no ar como os 12 minutos dos fogos do réveillon em Copacabana,
princesinha do mar. O problema é que Temer perde o fio de
Ariadne na sofreguidão de fugir do Minotauro dos 12 milhões de
desempregados, da quebradeira das empresas e da queda brusca da
arrecadação de impostos, por mais escorchantes que estes continuem
sendo. E não consegue escapar do labirinto de apostos e mesóclises em
que seu marqueteiro o enfiou. O pretenso rei de Midas da mídia pretende
substituir por saliva de mascate de origem levantina o “sangue, esforço,
lágrimas e suor” com que Sir Winston Churchill venceu a Batalha de
Londres e a 2ª Guerra Mundial, reconquistando a autoestima da pérfida
Albion.
Com Fortaleza e Campina Grande sem água
sequer para escovar os dentes, ele prometeu ser o “melhor presidente
nordestino” da História em pleno sexto ano de terra seca e gado morto.
Para isso, conta com o uso de bombas emprestadas pelo governador tucano
paulista, Geraldo Alckmin, para transpor águas de um velho e depauperado
rio São Francisco, incapaz de manter cheia a barragem de Sobradinho. E
isso ao longo de canais que viraram ruína antes de fazê-las fluir. Se
chuva a cântaros interromper o sétimo ano de vacas magras, os açudes de
Castanhão e Boqueirão sangrarão e, aí, ele será venerado como a
encarnação atual do padre Cícero de Juazeiro. Se não, terá de
providenciar transporte de água em lombo de jumentos pelo Semiárido
adentro. E não há mais tantos jegues no sertão…
Exemplo claro dessa desconexão entre
fala e fato foi dado no anúncio da conclusão do programa de uma reforma
administrativa que extinguirá 4,6 mil cargos comissionados até julho que
vem, com a promessa de economia de “mais de” R$ 240 milhões. Esse
alívio não fará cócegas no Orçamento, ante a liberação de R$ 3,7 bilhões
em emendas parlamentares e os aumentos concedidos em medida provisória
para pelo menos oito carreiras do Executivo, que custarão R$ 3,8 bilhões
só este ano.
Tudo isso é previsto na legislação
draconiana e representa lana caprina se comparado com a bondade que o
chefão do PSD, da base que garante a aprovação das reformas no
Congresso, Gilberto Kassab, ministro até o último dia do desgoverno
Dilma e desde o primeiro dia do atual, endereçou para sua mesa para
sanção. Ainda não apareceu um figurão do governo federal para dizer em
quanto orça o patrimônio público concedido às empresas telefônicas, cuja
gestão será transformada em “autorização”, caso a nova Lei Geral das
Comunicações passe a viger. Calcula-se em algo acima de R$ 100 bilhões.
Até o novo texto receber o jamegão presidencial, essa bagatela será
devolvida pelos concessionários a seu legítimo dono, Sua Excelência, o
Povo, como definia o velho timoneiro Ulysses Guimarães. Com a assinatura
presidencial, a autorização permitirá que os antigos concessionários
possam usá-los para investir em seus próprios negócios. Nem Farah Diba, a
princesa que deu um herdeiro ao último xá da Pérsia, ganhou joia tão
valiosa. Adriana Ancelmo, então, coitada…
O mais doloroso dessa negociação,
contudo, é saber que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
perdoará R$ 20 bilhões em multas por serviços mal prestados, pelos quais
são cobradas tarifas acima da média mundial, da Oi, a maior de todas,
inclusive em dívidas. Seu passivo bateu recorde ao atingir R$ 65 bilhões
no finado ano.
Se alguém tiver alguma dúvida sobre a origem de tanta generosidade pode ler na Folha de 28/12 último a seguinte notícia: “Os principais financiadores da empresa Gamecorp, que pertence a um dos filhos do ex-presidente Lula, injetaram
na firma ao menos R$ 103 milhões, de acordo com laudo elaborado na
Operação Lava Jato. A cervejaria Petrópolis e empresas ligadas à Oi são
os principais remetentes desses recursos”. Alguma dúvida? Pois é. Como
diria o Compadre Washington naquele comercial de sucesso, “você não sabe
de nada, inocente!”.
Na última semana de 2016, o Panamá
acompanhou outros seis países latino-americanos que tomaram medidas
contra a empreiteira Odebrecht – México, Peru, Argentina, Colômbia,
Equador e Venezuela –, ao suspender contrato de US$ 1 bilhão para
construção e operação de uma hidrelétrica. Na mesma ocasião, depois da
publicação do relatório do Departamento de Justiça dos EUA sobre o que
os americanos definiram como “o maior esquema de propina da História”, a
Suíça calculou que a mesma empresa lucrou US$ 4 por cada US$ 1 pago em
propina.
Na mesma ocasião, o consórcio liderado
pela empreiteira, da qual 77 executivos e ex-executivos fazem delação
premiada na Operação Lava Jato, ganhou prazo de quatro meses para
“honrar a outorga” do aeroporto do Galeão, no Rio. A alegação para tanto
é que o concessionário está em dificuldades financeiras. E o País, como
está o País, hein?
Enquanto espera a presidente do Supremo
Tribunal Federal, Cármen Lúcia, conhecer a resposta do senador Renan
Calheiros sobre a pressa com que se vota a nova Lei Generosa das
Comunicações, Temer mandou para Manaus seu anspeçada nada judicioso
Alexandre de Moraes, ministro da Justiça. Sua Excelência foi à Hiléia
para providenciar a transferência dos líderes do motim do presídio da
capital amazonense para estabelecimentos de segurança máxima, geridos
pela União.
Os 56 mortos no banho de sangue da
virada do ano não mereceram do presidente em seu labirinto (como o
general Simón de Bolívar navegando no Rio Magdalena no relato imaginário
de Gabriel García Márquez) mais do que descaso. Idêntica é a reação do
governador do Amazonas, José Melo, acusado de ter negociado doação para
sua campanha em 2014 com uma das facções em guerra na prisão. Temer,
que, por andar em círculos não chega a lugar nenhum, talvez não convenha
lembrar, é alvo de acusação idêntica em depoimento prestado em processo
que recebeu dos delatáveis apavoradas a alcunha de “delação do fim do
mundo”. Amém.
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