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quinta-feira, 11 de março de 2021

Justiça performática - Eugênio Bucci

O Estado de S. Paulo

Vivemos num tempo em que a arte nos enfada e os ministros do STF nos sobressaltam

Em dois dias, mudou tudo. Na segunda-feira, em despacho monocrático, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu os direitos políticos a Luiz Inácio Lula da Silva. Ao anular as sentenças da Lava Jato contra o ex-presidente, sob o argumento de que o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, não era aquele a quem cabia a competência para decidir sobre as acusações que pesavam contra o réu, Fachin limpou a ficha de Lula, que agora está livre para se candidatar em 2022.

No dia seguinte veio mais. A Segunda Turma do mesmo STF começou a julgar a parcialidade e a suspeição do juiz Sergio Moro nas sentenças contra Lula. O julgamento levado a efeito pela Segunda Turma ainda não foi concluído, pois o ministro Nunes Marques pediu vista, dizendo que precisava estudar melhor o processo antes de votar, mas o que os ministros disseram na tarde de anteontem abalou o que se tinha por certo e sabido. Quando se referiu à Operação Lava Jato como “o maior escândalo judicial da nossa história”, o ministro Gilmar Mendes deixou claro: tudo mudou.

Nada contra o veredicto de segunda. Nada contra a sessão de terça. As razões processuais alegadas pela defesa do ex-presidente Lula vão se demonstrando irrefutáveis. A incompetência do juízo de Curitiba só demorou uns anos para ser admitida no STF, mas é cristalina. Ninguém mais parece disposto a refutá-la, a não ser que tudo mude de novo. Quanto aos sinais de parcialidade do magistrado responsável pela Operação Lava Jato, que foram enumerados na terça pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, não há peneira hermenêutica que dê conta de encobri-los. Houve abusos, alguns provados, outros até tacitamente admitidos.

Ao menos no caso de Lula, o juiz da Lava Jato perpetrou injustiças em série, ainda que tenham sido injustiças estritamente processuais, formais, como vem postulando a defesa. Por isso já se sabia que, em algum prazo, de alguma forma, essas injustiças acabariam sendo reconhecidas pelo Supremo, como começou a ser feito nestes dois dias. Só não se sabia que as coisas viriam assim, tão espetaculosas, alvoroçadas e atordoantes. Portanto, o problema não é o que se decidiu. Ao contrário, a nova postura do STF sobre a matéria talvez seja até parte da solução. O problema é o risco imenso de se aprofundar uma impressão generalizada de que a mais alta instância da Justiça no Brasil se pauta pela inconsistência e pela imprevisibilidade errática. O risco não deveria ser desprezado. Justiça não combina com ciclotimia.

A instituição incumbida de julgar todos nós não deveria sentir-se à vontade para mudar assim ao sabor das brisas, dos ventos e mesmo dos furacões. Alguma linha de coerência há de perdurar entre as decisões, sob pena de a sociedade parar de acreditar de vez na magistratura. Deus, que é Deus, pode escrever por linhas tortas. Os juízes, não, por mais que alguns insistam. E agora? A sociedade brasileira assimilará bem a incongruência entre os acórdãos impenetráveis da mais alta Corte do País? Qual o limite para tantas idas e vindas? Se as arbitrariedades contra Lula eram patentes e gritantes, como eram, por que se permitiu que elas fossem tão longe? Por que se permitiu que elas o tirassem da eleição de 2018 e o enjaulassem. E por que reconsiderá-las agora, justo agora e só agora?

Se Moro praticou atos inadequados, que incidiram sobre o andamento de momentos históricos de enorme repercussão, por que ele seguiu imune e adulado por tanto tempo? E por que questioná-lo agora, assim? A impressão que se tem é que no Brasil de hoje tudo está sub judice: a prisão de Lula, que agora transparece como uma violência indizível, está sub judice e, junto com ela, a posse de Michel Temer na Presidência da República, a abolição da escravatura, a Guerra do Paraguai e o descobrimento do Brasil. É como se na segunda que vem o STF declarasse nulas as violações ao Tratado de Tordesilhas e, em seguida, anulasse também o próprio tratado, porque uma das firmas não foi devidamente reconhecida. Vai saber... O STF parece acreditar que faz o tempo retroceder.

Normalmente os críticos do Judiciário, focados nas tecnicalidades da aplicação da lei, esmiúçam a observância ou a inobservância dos ritos e o rigor ou a frouxidão das derivações jurisprudenciais de cada fundamentação. A esta altura nós deveríamos preocupar-nos igualmente com a percepção que os brasileiros terão da Justiça nos próximos anos. O leigo pode não saber o que é heurística, pode não entender o significado de expressões como ex ofício ou ex ante e ex post, mas sabe perfeitamente o que é certo e o que é errado. Todo ser humano tem senso moral, percebe intuitivamente a iniquidade, separa o justo do injusto. Se, por algum motivo, os seres humanos deste país não virem mais no Poder Judiciário a encarnação legítima da justiça, tudo o que está mudando vai abaixo.

Eis o “ó do borogodó”, para invocarmos o novo brocardo jurídico. Vivemos num tempo em que a arte nos enfada e os ministros do Supremo Tribunal nos sobressaltam. Enquanto tudo muda, e alguma coisa está fora de prumo.

 Eugênio Bucci, jornalista - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 19 de junho de 2019

O capitão prometeu uma alegria


Bolsonaro quer baixar imposto de importação de computadores 

Atraso domina mercado tecnológico

Num de seus últimos tuítes, o presidente Bolsonaro anunciou: “Para estimular a competitividade e inovação tecnológica, o governo estuda (...) a possibilidade de reduzir de 16% para 4% os impostos sobre importação de produtos de tecnologia da informação, como computadores e celulares.” É o caso de se sentir o alívio da diretora de futebol da seleção feminina da Tailândia, que chorou ao ver o gol de seu time depois de tomar 13 x 0 contra os Estados Unidos e de ralar um 5 x 1 contra a Suécia.

Tomara que o capitão emplaque essa. Como seus tuítes fazem parte de uma realidade paralela, ficaria de bom tamanho se passasse a revelar todos (repetindo, todos) os obstáculos que aparecerão no caminho. Os computadores, bem como os tablets e os celulares, custam caro no Brasil. A inovação tecnológica da indústria é desprezível, e esse mercado é dirigido pela mão invisível do atraso. Em 1975, quando a China vivia as trevas da Revolução Cultural que descambou até para casos de canibalismo, em Pindorama uma aliança de militares e burocratas começou a erguer barreiras contra a importação de computadores. Nascia assim uma das maiores ruínas produzida pela ditadura, a chamada reserva de mercado da informática. Era mais fácil trazer um quilo de cocaína do que passar pela Alfândega com um computador. A ideia era criar uma tecnologia nacional, copiando patentes estrangeiras.

Em 1984, quando o Congresso sacramentou a maluquice, um grupo de engenheiros chineses fundou a empresa Lenovo. Ela ralou, mas hoje é a maior vendedora de computadores do mundo. É a China que monta os iPhones, e seus celulares estão entre os melhores. Os chineses disputam com os americanos a dianteira na tecnologia da informática. Os campeões nacionais brasileiros atolaram. Deve-se ao então presidente Fernando Collor a quebra do monopólio do sonho, ao qual juntaram-se grandes bancos e empresários. A reserva de mercado acabou, mas a mão invisível continuou agindo no escurinho de Brasília. Reciclou-se, beneficiando-se de incentivos fiscais, franquias de importação y otras cositas más. O resultado desse contorcionismo está aí: os celulares e os tablets são caros, e os computadores competem graças ao imposto de importação de 16%.

O tuíte de Bolsonaro poderá ser uma baforada, como foi o “peso real”. Se ele contar, passo a passo, por que a ideia não vier a avançar, prestará um grande serviço. As guildas empresariais já anunciam que uma redução do imposto provocará a fuga de indústrias. Nesse caso, um dos motivos que mantêm essas empresas em funcionamento é a barreira tarifária. Restará discutir se ela faz sentido. Sempre será bom lembrar que a Abolição da Escravatura destruiria a produção do café. Era lorota.

No final do século passado, quando o Brasil começou a abrir sua economia, a indústria fortificou-se na defesa de sua proteção. Isso para não se falar na venda de ilu$ões, como o plano de construção naval. Noves fora alguns trogloditas, a agricultura e a pecuária tomaram o caminho inverso, modernizando-se. Surgiram dezenas de centros de pesquisas agrícolas, e hoje o agronegócio empurra a economia. Enquanto isso, as guildas industriais continuam dando jantares para autoridades. Uma indústria pode crescer protegendo-se dos concorrentes, mas definha quando se protege dos consumidores.


domingo, 12 de novembro de 2017

A vida de uma “escrava” brasileira

As mordomias da 'ministra escrava' Luislinda Valois = jatinhos e mansões

A [ainda] ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, choca o País com suas mordomias, desvios e apelos descabidos

O processo de abolição da escravatura no Brasil foi gradual: começou com a Lei Eusébio de Queirós de 1850, seguida pela Lei do Ventre Livre de 1871, a Lei dos Sexagenários de 1885 e finalizada pela Lei Áurea em 1888. Mas a [ainda]   ministra dos Direitos Humanos, [até quando presidente Temer?] Luislinda Valois (PSDB), não gosta de escalas. Ameaça recorrer diretamente à Princesa Isabel se continuar ganhando “apenas” R$ 33.700 por mês, enquanto a renda média do brasileiro é de R$ 1.226. É uma “escrava”, como ela mesmo se autoproclamou ao querer incorporar aos seus vencimentos mais R$ 30.471,10 que recebe como desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça da Bahia. Só que escrava de luxo.
LUISLINDA COM ASSESSORES EM NOVA YORK Viagens ao exterior são constantes no dia a dia da ministra que, desde a época de desembargadora, se acostumou ao circuito internacional (Crédito: SEPPIR-PR)

Vida de escravo é difícil, dizia a letra de Dorival Caymmi. Que o diga Luislinda. Além de ganhar salário que encosta no teto constitucional do funcionalismo, ou seja, só a nata dos servidores públicos pode desfrutar desse privilégio, a ministra leva uma vida de mordomias à custa do dinheiro público. Além dos R$ 33,7 mil por mês, a ministra tem direito a jatinhos da FAB para viagens profissionais, apartamento funcional em Brasília, carro com motorista e cartão corporativo. Ela ainda recebe diárias do governo federal, quando viaja. Só em 2017, foram mais de R$ 40 mil.


Isso tudo já a faz ocupar um confortável lugar no pico da pirâmide social, mas sua declaração de bens de 2014 é ainda mais eloqüente ao mostrar que a ministra está mais para Casa Grande do que senzala. 

Praia privada
Luislinda é proprietária de uma mansão no condomínio de luxo Porto Busca Vida Resort, localizado na praia privativa de Busca Vida, em Camaçari, na Bahia. Ela adquiriu o imóvel por R$ 750 mil. Hoje, o local está supervalorizado. Um terreno não sai por menos de R$ 1,5 milhão. Casas prontas, que variam de 300m2 a 1.100m2, custam entre R$ 3 milhões e 7,5 milhões. A ministra Luislinda também possui um apartamento em Salvador, comprado por R$ 330 mil, e outro em Curitiba, no alto da Glória, região nobre, adquirido por R$ 350 mil.
Pedido de recebimento de diárias por finais de semana não trabalhados e
cobrança de verba de R$ 10 mil da União por uma viagem que fez de graça
ao exterior
entraram no rol de acusações contra a servidora “escrava”
Como é possível notar, está mais do que evidente a exploração a que a ministra de Direitos Humanos vem sendo submetida pelo Estado-feitor. Em junho passado, Luislinda cobrou do governo R$ 10.758,68 por uma viagem de cinco dias a Israel. A viagem foi paga pela Confederação Israelita do Brasil (Conib). Ou seja, ela viajou de graça e mesmo assim quis ressarcimento. Verba extra, dinheiro a mais. Sua assessoria diz que ela devolveu os valores no dia 28 de junho. Em julho, ela deu outro “aplique” nos cofres públicos: pediu o ressarcimento de despesas durante final de semana em Salvador, onde reside, sem ter tido compromissos oficiais. Ela não trabalhou no final de semana. Na verdade, ela viajou para a capital baiana no dia 27 de julho, uma quinta-feira, em avião da FAB, para representar o presidente da República na posse de um juiz do TRE da Bahia. Na sexta, a ministra visitou uma escola pública. Ficou em casa descansando no sábado e domingo, mas mesmo assim cobrou as diárias por todos os dias, no valor de R$ 1.985,19.

Ao pedir o aumento salarial, ela explicou que a alta soma se destina a cobrir despesas “necessárias” ao exercício do cargo, como roupas, sapatos, perfumes e maquiagens. “Como é que eu vou comer, beber e calçar?”, disse Luislinda. “É cabelo, é maquiagem, é perfume, é roupa, é sapato, é alimentação”, completou a ministra, que deve fazer Isabel se remexer no túmulo. Com a repercussão negativa do caso, ela voltou atrás, abrindo mão do pedido por mais benefícios, mas ao pedir um salário acima do teto do funcionalismo, Luislinda se desconectou da realidade. Definitivamente, o contribuinte brasileiro não merece ser escravizado pelos privilégios de uma ministra dos Direitos Humanos. Ela parece só olhar para os direitos dela.

Por: IstoÉ -  Tábata Viapiana


domingo, 18 de junho de 2017

FH, Temer e a eleição antecipada

Uma eleição livre, sem regras de incompatibilização ou exigências de filiação partidária daria um banho de detergente no cenário político nacional

A ideia foi a mesma: eleições já. Ela apareceu há cerca de três semanas, num momento reservado de desabafo do presidente Michel Temer. Voltou pela voz do expresidente Fernando Henrique Cardoso, numa nota com trechos críticos que recomendam sua transcrição:  “A ordem vigente é legal e constitucional (...) mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto.” [uma linha esfumaçada de raciocínio, na qual o detentor legal do poder pode, por uma decisão única e exclusiva sua,  modificar a Constituição no trecho que entender conveniente.
A segunda alternativa, não apenas esfumaçada e sim incendiária, é jogar o povo nas ruas exigindo mudanças = o CAOS desejado por muitos, entre eles FHC, estará estabelecido.
Cumpra-se a Constituição vigente e eventuais modificações que sejam efetuadas em rigorosa obediência aos princípios nela inseridos.]

FH afastou-se da liturgia constitucional da escolha do novo presidente pelo Congresso. Isso não é pouca coisa. Nas palavras dele, se a pinguela “continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.” Essa manobra requer emendas constitucionais e mudanças profundas na ordem política.

Temer poderia fazer um “gesto de grandeza” renunciando ao mandato. Mas, “eleições gerais” exigiriam a renúncia de todos os governadores e parlamentares.  Os interessados em recuperar seus mandatos estariam obrigados a disputar uma eleição suicida.  Os prazos legais para tamanhas novidades tornam a ideia inviável, mas FH colocou na mesa o ingrediente do tamanho da crise.  A confusão que ele antevê, ainda não chegou, mas será capaz de comer detalhes e prazos.

A abolição da escravatura foi discutida por mais de 50 anos, mas a tramitação do projeto que liquidou a fatura durou apenas 64 dias. A ideia de instituição do parlamentarismo rondou o Congresso por décadas, mas durante a crise de 1961, com o país à beira da guerra civil, a emenda constitucional que instituiu a nova forma de governo foi aprovada em 48 horas.

O “gesto de grandeza” de Temer resolveria muitos problemas. De saída, o dele, que poderia sair do palácio de cabeça erguida. Resolveria também o dilema do PSDB, que não consegue decidir se fica ou sai do governo. Com uma eleição antecipada, o governo sairia do PSDB.  Uma eleição livre, sem regras de incompatibilização ou exigências de filiação partidária daria um banho de detergente no cenário político nacional. [e oficialmente a república da Banânia se transformaria em uma ZONA TOTAL.]

 Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista