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quinta-feira, 22 de junho de 2023

Início do fim - Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Vozes - Gazeta do Povo

 
Ruínas da antiga civilização grega, em Atenas.| Foto: Martin Cigler/Wikimedia Commons

Há diversas maneiras de contar a história. Uns seguem o caminho da sequência de fatos, outros, das narrativas anacrônicas de conflito de classes, e um terceiro grupo prefere as teorias de ciclos
Este último grupo, menos conhecido, é dos mais antigos. 
Desde Platão, vários autores descrevem a história das civilizações analisando ciclos. O desafio é explicar como eles se repetem para que sejam considerados como tal, e não mera suposição.

A despeito do tempo de vida de cada observador, curto demais para o acompanhar o longo período de um ciclo, Oswald Spengler, em seu livro "O Declínio do Ocidente", de 1918, conseguiu prever, ao analisar ciclos históricos de longuíssimo prazo, situações políticas que acontecem nos tempos atuais. Igualmente, meu livro, “Por que o Brasil é um país atrasado?", no capítulo “Sucessão de Oligarquias”, menciona o Kyklos de Platão, que foi aprimorado por Políbio, e um ciclo menor, brasileiro, que se formou durante as tentativas de se estabelecer repúblicas ao longo do século 20, e que só resultaram na alternância de poder entre governos populistas e oligárquicos.

Há um padrão que se repete no início e no final das cinco grandes etapas históricas nos últimos 2.500 anos e pode servir de prelúdio para nosso futuro. Entendê-lo é relevante para compreender o momento atual e o caminho a tomar.  Em síntese, o início de cada ciclo é virtuoso e o fim, repleto de vícios:

Primeiro Ciclo: O início do primeiro ciclo é caracterizado pela formação da cultura grega no Peloponeso e da cultura etrusca na península itálica por volta do século 10 a.C. Foram criadas as primeiras cidades-estado e também surgiram os primeiros reis e tiranos. O final dessa etapa ocorre 400 anos depois, no século 6 a.C, tanto em Atenas quanto na península itálica.  
Os atenienses se revoltaram contra a tirania de Iságoras, um magistrado corrupto e imoral, que servia mais aos Espartanos que aos Atenienses, e instauraram a democracia. 
Em Roma, os fazendeiros se levantam contra os monarcas etruscos que, hedonistas e entorpecidos por sua superioridade cultural, abusavam de seu poder.  Os fazendeiros romanos revoltosos de então criam uma república.
 
Segundo Ciclo: A República Romana, formada inicialmente por fazendeiros que, contrários a qualquer concentração de poder, formaram um senado de patrícios com dois cônsules eleitos anualmente. O sistema era firmemente calcado em valores marciais, sendo que quase todos os senadores haviam lutado nas batalhas contra os reis etruscos. A República Romana cresceu e incorporou Atenas e demais cidades do Peloponeso, além de vastos territórios na península itálica e Europa. Entretanto, 400 anos depois, o senado já não era mais o mesmo. 
Os patrícios se tornaram a minoria e a maioria era de senadores corruptos e distantes dos valores que formaram a república. Os senadores negavam pagamento aos exércitos e não se importavam com o bem comum; usando seu status e poder em benefício próprio.  Levantes populares e tentativas de golpe se tornaram constantes e a república se tornou oclocracia (governo de facções).

    Em síntese, o início de cada ciclo é virtuoso e o fim, repleto de vícios

Terceiro Ciclo: Eis que em 27 a.C surge um líder para restabelecer os valores da República Romana: Otaviano. Ele se transforma no Primeiro Imperador Romano por aclamação das diversas facções. Por ironia, ele era um “imperador republicano”, que não se considerava imperador, mas sim o primeiro cidadão ou “princeps” – incutindo este título como valor primordial do Império Romano.  Ele inicia um ciclo virtuoso restabelecendo a estabilidade, a separação de poderes entre senado e imperador e a integridade das instituições. Adicionalmente, acabou com o patrimonialismo, moralizou o senado, extirpou os agentes corruptores, iniciou grandes obras e campanhas militares unificando o império e estabelecendo diretrizes de conduta dentro do sistema imperial que perduraram por vários séculos.
Ao final desse ciclo, houve a ascensão do Cristianismo e seu efeito subversivo do modelo imperial romano. O status quo era calcado firmemente nos deuses romanos e rituais que unificavam e amarravam o sistema de confiança, historicamente reforçado em torno do senado, dos cônsules e dos imperadores romanos, da Pax Romana e da lei e civilização romana como um todo.  
Uma vez que o cristianismo substituiu os valores de base dos romanos no século 4 d.C., toda a organização romana entrou em colapso; enfraqueceu-se, corrompeu-se e dividiu-se. Os poderes institucionais passaram a apelar por líderes tirânicos; antíteses dos valores institucionalizados por Otaviano. Foi no período do “Dominato”, conceito oposto ao de “Princeps”,  que se caracterizou a tirania do imperador Diocleciano, o último imperador que precedeu a divisão do império, a perseguição aos cristãos e a invasão dos bárbaros germânicos, causando o fim do Império Romano Ocidental.
 
Quarto Ciclo: Do declínio do terceiro ciclo emerge uma onda criadora, uma nova primavera civilizacional: a dos reinos cristãos. Era o século 5 d.C, início da Idade Média. Nessa era que durou mais de mil anos surgem os mitos e valores cristãos, os reis, seus títulos e territórios abençoados pela Igreja, a expansão da cristandade e das grandes conquistas de territórios além-mar e o nascimento dos Impérios. Em contrapartida, ao final desse ciclo, novos valores foram introduzidos por meio da burguesia e de levantes populares. 
A revolução Gloriosa, na Inglaterra, no século 17 e as revoluções norte-americana e francesa no século 18 vieram para materializar ideias nascidas nos séculos anteriores, antagônicas àquelas formadoras das monarquias tradicionais: a representação por voto popular, e não por unção divina ou por herança. Um governo estabelecido por leis escritas e aceitas, e não por costumes e tradições. A substituição da fé e das crenças por lógica e raciocínio.

É evidente que essas revoluções minaram os valores cristãos do antigo regime, entretanto, a decadência total do Reinos Cristãos foi protagonizada por Napoleão, um usurpador jacobino que tiranizou toda a Europa, invadiu reinados, aprisionou reis e coroou-se imperador usando os mesmos rituais cristãos reservados a famílias reais fundadoras. Napoleão falsificou sua legitimidade fazendo com que todas as instituições e sociedades europeias aceitassem seus títulos, e de seus familiares, como se sempre tivessem pertencidos a nobreza. Os reinados cristãos ocidentais que sobreviveram nunca mais foram os mesmos.

Quinto Ciclo: Nessa etapa, o modelo republicano surge legitimado por constituições, pela separação e limitação de poderes, pela proteção dos direitos dos cidadãos e pela representação democrática pelo voto. No cerne dos fundamentos da república surge a figura do cidadão; indivíduo livre, nato com direitos universais, que elege os melhores dentre seus pares para representá-lo. Nesse início virtuoso, observou-se a expansão da propriedade privada, das instituições públicas, do direito, do livre mercado e do comércio global.  Há a valorização da nação, do bem comum e da civilização com o despertar da cidadania.

Hoje estamos no final desse ciclo. 
Vemos a petrificação das sociedades pela burocracia, o surgimento de grandes metrópoles e sistemas tecnológicos de controle; baixa fertilidade, antagonismo entre a vida rural e a urbana, crises políticas e desconfiança da tecnologia e dos sistemas políticos. Cidadãos foram convertidos em massa consumidora. Representantes da sociedade se transformaram em tiranos. Mais uma vez, assim como Napoleão marcou o fim do antigo regime, o deboche está cada vez mais evidente marcando o final do 5º ciclo: a eleição de criminosos corruptos no comando absoluto de cidadãos.

O Brasil recentemente elegeu seu equivalente a Isagoras de Atenas, Diocleciano de Roma ou Napoleão da Europa. Isso marca o fim da nossa 7ª república.  Mas esse fato não é isolado, pois ocorre o mesmo em todo sistema político que compartilha da mesma história descrita acima: na América Latina, assim como na América do Norte e Europa, esse padrão se repete: um títere tirânico e corrupto é eleito para controlar os cidadãos e servir a interesses externos. Biden, Macron, Trudeau e vários líderes da atualidade validam esse padrão.

Estamos no final desse 5º ciclo e início de um outro, mas qual será a nova etapa? Já vemos brotando algumas opções: de um lado, uma tirania tecnocrática, anônima, liderada por fantoches visíveis que controlam todas as sociedades através da tecnologia. Essa possibilidade já está em curso com diferentes graus de avanço em vários países.

Entretanto, há outro movimento que também cresce: a revolta da cidadania contra a tecnologia, contra os sistemas políticos, contra a supressão da família, da fé, da nação e das liberdades.  Essa antítese cresce à medida que a tirania tecnológica avança.  Como um teórico da conspiração certa vez afirmou, “à medida que nos aproximarmos da singularidade, do comando central absoluto, atingiremos também o ponto de maior resistência e antagonismo ao regime totalitário, o que pode engatilhar uma grande diáspora, um novo ‘big bang’ anti-totalitário, pela liberdade”.


De volta ao nosso Brasil, acreditarei mais nessa última possibilidade quando voltar a ver a mobilização do povo nas ruas e nas redes sociais, agindo contra a criação dos pilares da nova ditadura.  
Só uma sociedade organizada consegue derrubar a tirania e encurtar o período de decadência total, como pode ser verificado ao longo da história. Mas para que isso aconteça precisamos de mais cidadãos com consciência do momento em que vivemos.  
Henry Kissinger, em entrevista sobre como evitar ou encurtar as etapas negativas dos ciclos, disse:  “para reverter uma tendência é necessário mais que uma proclamação; é importante compreender qual é a tendência para que se consiga revertê-la.”  Eu sei o que está por vir se a sociedade não se organizar e voltar se mobilizar, e você?

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Luiz Philippe Orleans e Bragança, deputado federal - coluna na Gazeta do Povo - VOZES

 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Sob chuva, manifestantes na Paulista pedem fim do STF e golpe militar

 Manifestantes também atacam o sistema eleitoral e pedem que a população evite a ascensão do comunismo

A chuva que caiu desde o início da manhã em São Paulo nesta quarta-feira chegou a dispersar o público que começou a se reunir por volta das 10h30 na Avenida Paulista, palco de manifestações bolsonaristas neste feriado de 7 de Setembro em São Paulo. Foi só o tempo abrir, no entanto, para o público se aproximar dos trios elétricos que estão estacionados na via.

Vestindo verde e amarelo, os manifestantes exibem cartazes pedindo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) acione as Forças Armadas e “expurgue” o Supremo Tribunal Federal (STF). Há também mensagens contra o sistema eleitoral e pedindo ao povo brasileiro que evite a ascensão do comunismo (como em Brasília, há cartazes escritos em inglês), uma referência ao favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais.

Bolsonaristas protestam na Paulista durante o 7 de setembro -
Bolsonaristas protestam na Paulista durante o 7 de setembro – Sérgio Quintella/VEJA

Um dos primeiros discursos até agora foi o da ex-deputada Cristiane Brasil (PTB), que, a exemplo de seu pai, o ex-deputado Roberto Jefferson, insultou o ministro Alexandre de Moraes, do STF. De cima de um caminhão, ela chamou o magistrado de “ditador”.

Bolsonaristas protestam na Paulista durante o 7 de setembro -
Bolsonaristas protestam na Paulista durante o 7 de setembro – Sérgio Quintella/VEJA

Do outro lado da rua, uma viatura dos Boinas Negras, veteranos da Polícia Militar, foi a atração entre os manifestantes, com pedidos de selfies pelos manifestantes — pedidos que se estenderam até a policiais da ativa, que fazem a segurança na avenida, como já ocorreu em protestos anteriores.

Bolsonaristas protestam na Paulista durante o 7 de setembro -
Bolsonaristas protestam na Paulista durante o 7 de setembro – Sérgio Quintella/VEJA

Em frente ao trio elétrico do Nas Ruas, próximo ao Parque Trianon, o clima festivo só foi quebrado quando os moradores de dois apartamentos em frente expuseram e chacoalharam bandeiras vermelhas. Com gritos e insultos, o público na rua logo esqueceu os adereços. No caminhão é esperado o candidato ao governo pelo Republicanos, Tarcísio de Freitas.

Maquiavel - Revista Veja

 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

A agonia dos sindicatos - Valor Econômico

José Roberto Campos

O sindicalismo está em sérios apuros diante da revolução tecnológica, desemprego e informalidade

Sindicalistas tiveram participação desprezível nas grandes manifestações de descontentamento da década, em junho de 2013. Os protestos foram um réquiem para o governo de Dilma Rousseff, antes dela começar seu segundo mandato, e também para longa agonia das entidades sindicais. Movimentos estruturais já vinham arrancando as raízes da organização tradicional dos trabalhadores, enquanto que a vanguarda das grandes greves operárias durante a ditadura militar passara a receber seus holerites do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A ascensão de Jair Bolsonaro passou como um carro fúnebre sobre o poderio político declinante dos sindicatos. As mudanças velozes da economia fizeram o resto. Uma tempestade perfeita desaba sobre aspirações e ações sindicais no mundo e, de forma peculiar, no Brasil. Coincidiu por aqui com uma recessão brutal, o encolhimento e prostração da indústria, o fim do imposto sindical obrigatório, desemprego enorme, aumento da informalidade e a destruição das formas tradicionais de emprego provocada pela tecnologia, sobre as quais os sindicatos costumavam basear suas lutas.

Os maiores e mais atuantes sindicatos, agrupados em torno da metalurgia paulista, se formaram e cresceram principalmente na luta por salários que recompusessem a inflação galopante que prevaleceu até meados da década de 1990. A Central Única dos Trabalhadores, liderada pelo PT - contrário ao Plano Real, que liquidou a inflação - tornou-se a maior do país. Em seguida vieram outras - hoje são mais de uma dezena de centrais a disputar os sindicatos locais. [sindicalistas pelegos, desonestos e avesso ao batente tentam manter suas mamatas com o lema:uma central para cada sindicato e um sindicato para cada dez empregados] O imposto sindical, repudiado pelo sindicalismo combativo, foi mantido até ser abolido em 2018 pela reforma trabalhista do sucessor constitucional de Dilma, o presidente Michel Temer.

Os sindicatos continuaram crescendo por geração espontânea, demandando e obtendo a chancela do Ministério do Trabalho, controlado por eles mesmos nos governos petistas. Mas perderam muito sua capacidade de atração. Em 2001, havia 19,5 milhões de sindicalizados. Dezessete anos depois, eram 11,5 milhões - 12,5% das pessoas ocupadas, metade dos 26% do início do século. [para desgosto imenso da corja petista, os sindicatos brasileiros perderam neste século mais da metade dos filiados durante os 3 1/2 do tempo em que a corja petista - capitaneado por um ladrão autointitulado trabalhador e líder sindical - fingia governar para disfarçar o assaltos que realizavam aos cofres públicos.]

Em todas as regiões do país, em todas as categorias de trabalhadores, qualquer que seja o nível de instrução, a taxa de sindicalização caiu, segundo a mais recente pesquisa do IBGE, divulgada no início de dezembro de 2019. Não é uma surpresa em um país onde o Estado é gigante, que a taxa de sindicalizados no setor público (25,7%) seja hoje maior que a de todos os setores. Da mesma forma, é aí que também se encontra o núcleo mais forte da CUT, após uma migração do relativamente decadente ABC paulista para a burocracia pública. É um paradoxo aparente que, ante o único “patrão” (o Estado) que garante a estabilidade no emprego, em um país de rotatividade enorme da mão de obra, o sindicalismo do setor público ainda resista, o que não ocorre com os da iniciativa privada.

Com a proteção financeira do Estado, os sindicatos perderam o gume já durante os governos petistas. Uma era de crescimento levaria a alguma acomodação, é certo. Mas uma recessão atroz veio em seguida, a partir de 2014, e nenhuma reação ocorreu. Um governo petista, favorável aos sindicatos, sofreu impeachment, e nada aconteceu. O mais famoso ex-líder sindical do país, Lula, foi preso, e tampouco algo aconteceu.

Os sindicatos levaram novos golpes. No meio do interinato de Temer, o imposto sindical acabou com a fonte segura de sustentação dos burocratas, que vinha desde Getulio Vargas. A sangria não parou aí. A contribuição negocial, cobrada de trabalhadores não sindicalizados, foi barrada pela Justiça.

As receitas das entidades desmilinguiu. No caso da CUT, com 2.354 sindicatos (Livre.Jor), desabou de R$ 62,2 milhões para R$ 3,4 milhões (O Globo, 27 de dezembro). A da segunda maior central sindical, a Força Sindical, com 1.708 sindicatos, reduziu-se a um décimo, não mais de R$ 5,4 milhões. Motivos de insatisfação não faltam, mas as greves que ocorreram foram em menor número e com “novos” atores - os trabalhadores terceirizados. Em 2018, protagonizaram 70% das greves, claramente defensivas - contra atraso de salários, férias e 13º salário. [motivos tão justos que nem o mais ferrenho defensor dos patrões ousa criticar as greves.]

Boa parte das novas modalidades de trabalho flexibilizam e tornam mais produtivas a fabricação e os serviços para as empresas, mas atomizam e isolam os trabalhadores - um desafio enorme para os sindicatos de todo o mundo e mais ainda para os do Brasil, onde raramente foram fortes devido a uma parasitária dependência do Estado. O declínio da vida associativa, que se espraia pela vida social, derrubou, além da força econômica, a força política dos sindicatos. Enquanto o número de empresários e profissionais liberais aumenta na representação parlamentar, a de sindicalistas faz o caminho inverso - já foram 75, hoje não passam de 30 parlamentares.

Mas os sindicatos não são relíquias inúteis do passado. Nos países desenvolvidos são sustentáculos vigorosos da democracia e parte necessária do sucesso da aplicação dos avanços tecnológicos. Governo, empresários e sindicatos colaboraram entre si quando a indústria alemã perdeu competitividade, há alguns anos, e desse acordo saiu revigorada a maior potência industrial europeia. Os sindicatos podem organizar a transição de mão de obra de um setor a outro evitando que isso ocorra de forma selvagem - como no Brasil, por exemplo.

Com uma revolução produtiva, de um lado, um mar de desempregados e informalidade de outro e à frente um governo de direita que o desconsidera, quando não o hostiliza, o sindicalismo está em sérios apuros. A tecnologia que trouxe às ruas, com a rapidez de um relâmpago, milhões de pessoas em 2013 pode trazer uma resposta à atomização do trabalhador. É uma promessa - até agora, há apenas desorientação nos sindicatos.

José Roberto Campos,  é editor executivo do Valor Econômico.
 
 

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Maduro e os militares

O ditador da Venezuela só não caiu porque tem sustentação das Forças Armadas, altamente corruptas

É altamente constrangedor, mas a verdade é que o último elo de sustentação do agonizante regime de Nicolás Maduro são as Forças Armadas da Venezuela e elas são, antes mesmo de Hugo Chávez, incluídas entre as mais corruptas das Américas.  Essa avaliação percorre os gabinetes militares do governo Jair Bolsonaro, que busca portas e atalhos para manter-se informado não apenas sobre a situação e os movimentos do próprio Maduro, como também sobre a disposição e as divisões dentro das Forças Armadas, que têm mais de mil generais. Um espanto!

Maduro é tratado no Brasil, no governo e fora dele (exceto em parte do PT), como patético, mas, ainda assim, perigoso. As Forças Armadas são fundamentais para apagar esse último adjetivo, mas insistem em apoiá-lo.  Um dia depois do grande momento de Bolsonaro, com o lançamento da “nova Previdência”, a quinta-feira foi tomada pela surpresa e pela discussão sobre a decisão de Maduro de fechar as fronteiras entre os dois países para impedir a entrada de caminhões com alimentos e medicamentos.  De certa forma, é uma declaração de guerra, ao menos de guerra branca. Curiosamente, o vice Hamilton Mourão vai participar da reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, e Bolsonaro se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), além de Ônyx Lorenzoni (Casa Civil), sem convocar o chanceler Ernesto Araújo, só contatado por telefone. Depois, o porta-voz Rêgo Barros evitou um tom beligerante ou qualquer vestígio de ameaça, só avisando que a “Operação Acolhida” está mantida.

A situação é delicada por vários motivos, principalmente porque há um cerco de 50 países à Venezuela, isolada, desabastecida, em desgraça, mas ninguém sabe, ou diz, qual a saída de fora para dentro. Em articulação, ou até arregimentados pelos EUA, o Brasil e a Colômbia atraíram para si não apenas os holofotes, mas a responsabilidade pela solução do problema, e sem a via diplomática, implodida por Maduro. Sem a via diplomática, o que resta?  No mais, a gravíssima crise na Venezuela envia claros sinais para o Brasil, até porque, lá, o regime Chávez surgiu de um acordo entre a cúpula das Forças Armadas e parcelas da esquerda, sendo o próprio Chávez o instrumento e uma síntese dessa aliança. No Brasil, a “nova era” é resultado da indignação das Forças Armadas, muito particularmente do Exército, e de parcelas da direita, sendo Bolsonaro o instrumento e uma síntese dessa aliança.

Lá e cá, o estopim foi a exaustão, dos militares, de setores políticos e da própria população, diante da desordem, da corrupção, dos abusos das elites. Logo, os objetivos foram os melhores possíveis, mas, entre a teoria e a prática, entre a intenção e a execução, há um inferno cheio de variados demônios.  Como todo autoritário, convicto de que é dono da verdade, da pureza, das melhores intenções e da solução, Chávez foi cometendo um erro atrás do outro, até chegar ao mais dramático deles: não preparou um sucessor e, ao morrer, jogou o seu país no colo de Maduro, despreparado e irresponsável.

O mais chocante é que, assim como deram suporte à aventura Chávez, os militares garantiram a ascensão de Maduro. Logo, como lamentam generais brasileiros, os dois fatores confluíram: a velha corrupção arraigada nos comandos venezuelanos e a nova e doce sensação de poder, com a política entrando e inundando os quartéis.

Os militares brasileiros não têm absolutamente nada a ver com os venezuelanos. Profissionais, muito bem treinados, respeitados no mundo todo e sempre líderes das pesquisas, eles estão no centro das discussões sobre as saídas para o país vizinho, mas com uma certeza: o uso da força não é uma dessas saídas.

O Estado de S. Paulo - Eliane Cantanhêde