José Roberto Campos
O sindicalismo está em sérios apuros diante da revolução tecnológica, desemprego e informalidade
Sindicalistas tiveram participação desprezível nas grandes manifestações
de descontentamento da década, em junho de 2013. Os protestos foram um
réquiem para o governo de Dilma Rousseff, antes dela começar seu segundo
mandato, e também para longa agonia das entidades sindicais. Movimentos
estruturais já vinham arrancando as raízes da organização tradicional
dos trabalhadores, enquanto que a vanguarda das grandes greves operárias
durante a ditadura militar passara a receber seus holerites do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva.
A ascensão de Jair Bolsonaro passou como um carro fúnebre sobre o
poderio político declinante dos sindicatos. As mudanças velozes da
economia fizeram o resto. Uma tempestade perfeita desaba sobre
aspirações e ações sindicais no mundo e, de forma peculiar, no Brasil.
Coincidiu por aqui com uma recessão brutal, o encolhimento e prostração
da indústria, o fim do imposto sindical obrigatório, desemprego enorme,
aumento da informalidade e a destruição das formas tradicionais de
emprego provocada pela tecnologia, sobre as quais os sindicatos
costumavam basear suas lutas.
Os maiores e mais atuantes sindicatos, agrupados em torno da metalurgia
paulista, se formaram e cresceram principalmente na luta por salários
que recompusessem a inflação galopante que prevaleceu até meados da
década de 1990. A Central Única dos Trabalhadores, liderada pelo PT -
contrário ao Plano Real, que liquidou a inflação - tornou-se a maior do
país. Em seguida vieram outras - hoje são mais de uma dezena de centrais
a disputar os sindicatos locais. [sindicalistas pelegos, desonestos e avesso ao batente tentam manter suas mamatas com o lema:uma central para cada sindicato e um sindicato para cada dez empregados] O imposto sindical, repudiado pelo
sindicalismo combativo, foi mantido até ser abolido em 2018 pela reforma
trabalhista do sucessor constitucional de Dilma, o presidente Michel
Temer.
Os sindicatos continuaram crescendo por geração espontânea, demandando e
obtendo a chancela do Ministério do Trabalho, controlado por eles
mesmos nos governos petistas. Mas perderam muito sua capacidade de
atração. Em 2001, havia 19,5 milhões de sindicalizados. Dezessete anos
depois, eram 11,5 milhões - 12,5% das pessoas ocupadas, metade dos 26%
do início do século. [para desgosto imenso da corja petista, os sindicatos brasileiros perderam neste século mais da metade dos filiados durante os 3 1/2 do tempo em que a corja petista - capitaneado por um ladrão autointitulado trabalhador e líder sindical - fingia governar para disfarçar o assaltos que realizavam aos cofres públicos.]
Em todas as regiões do país, em todas as categorias de trabalhadores,
qualquer que seja o nível de instrução, a taxa de sindicalização caiu,
segundo a mais recente pesquisa do IBGE, divulgada no início de dezembro
de 2019. Não é uma surpresa em um país onde o Estado é gigante, que a taxa de
sindicalizados no setor público (25,7%) seja hoje maior que a de todos
os setores. Da mesma forma, é aí que também se encontra o núcleo mais
forte da CUT, após uma migração do relativamente decadente ABC paulista
para a burocracia pública. É um paradoxo aparente que, ante o único
“patrão” (o Estado) que garante a estabilidade no emprego, em um país de
rotatividade enorme da mão de obra, o sindicalismo do setor público
ainda resista, o que não ocorre com os da iniciativa privada.
Com a proteção financeira do Estado, os sindicatos perderam o gume já
durante os governos petistas. Uma era de crescimento levaria a alguma
acomodação, é certo. Mas uma recessão atroz veio em seguida, a partir de
2014, e nenhuma reação ocorreu. Um governo petista, favorável aos
sindicatos, sofreu impeachment, e nada aconteceu. O mais famoso ex-líder
sindical do país, Lula, foi preso, e tampouco algo aconteceu.
Os sindicatos levaram novos golpes. No meio do interinato de Temer, o
imposto sindical acabou com a fonte segura de sustentação dos
burocratas, que vinha desde Getulio Vargas. A sangria não parou aí. A
contribuição negocial, cobrada de trabalhadores não sindicalizados, foi
barrada pela Justiça.
As receitas das entidades desmilinguiu. No caso da CUT, com 2.354
sindicatos (Livre.Jor), desabou de R$ 62,2 milhões para R$ 3,4 milhões
(O Globo, 27 de dezembro). A da segunda maior central sindical, a Força
Sindical, com 1.708 sindicatos, reduziu-se a um décimo, não mais de R$
5,4 milhões. Motivos de insatisfação não faltam, mas as greves que ocorreram foram em
menor número e com “novos” atores - os trabalhadores terceirizados. Em
2018, protagonizaram 70% das greves, claramente defensivas - contra
atraso de salários, férias e 13º salário. [motivos tão justos que nem o mais ferrenho defensor dos patrões ousa criticar as greves.]
Boa parte das novas modalidades de trabalho flexibilizam e tornam mais
produtivas a fabricação e os serviços para as empresas, mas atomizam e
isolam os trabalhadores - um desafio enorme para os sindicatos de todo o
mundo e mais ainda para os do Brasil, onde raramente foram fortes
devido a uma parasitária dependência do Estado. O declínio da vida
associativa, que se espraia pela vida social, derrubou, além da força
econômica, a força política dos sindicatos. Enquanto o número de
empresários e profissionais liberais aumenta na representação
parlamentar, a de sindicalistas faz o caminho inverso - já foram 75,
hoje não passam de 30 parlamentares.
Mas os sindicatos não são relíquias inúteis do passado. Nos países
desenvolvidos são sustentáculos vigorosos da democracia e parte
necessária do sucesso da aplicação dos avanços tecnológicos. Governo,
empresários e sindicatos colaboraram entre si quando a indústria alemã
perdeu competitividade, há alguns anos, e desse acordo saiu revigorada a
maior potência industrial europeia. Os sindicatos podem organizar a
transição de mão de obra de um setor a outro evitando que isso ocorra de
forma selvagem - como no Brasil, por exemplo.
Com uma revolução produtiva, de um lado, um mar de desempregados e
informalidade de outro e à frente um governo de direita que o
desconsidera, quando não o hostiliza, o sindicalismo está em sérios
apuros. A tecnologia que trouxe às ruas, com a rapidez de um relâmpago,
milhões de pessoas em 2013 pode trazer uma resposta à atomização do
trabalhador. É uma promessa - até agora, há apenas desorientação nos
sindicatos.
José Roberto Campos, é editor executivo do Valor Econômico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário