Marcos Mendes
O chamado Plano Mansueto foi uma tentativa de lidar com a permanente
pressão dos estados por socorro financeiro. Para minimizar o prejuízo
iminente, o Tesouro propôs dar garantias para empréstimos de até R$ 10
bilhões anuais, para estados com alguma capacidade de pagamento, durante
quatro anos, condicionadas a medidas de ajuste.
O plano ficou parado por meses no Congresso. Quando surgiu a pandemia,
ele passou a ser usado como veículo para repassar à União dívidas
acumuladas ao longo de décadas de desequilíbrio. Como argumentei em
artigo com Marcos Lisboa, se aprovado, aquele projeto faria a dívida
pública pular rapidamente para 100% do PIB.
O Parlamento percebeu a inconsistência do projeto e mudou de rota.
Corretamente, resolveu tratar apenas as agruras do momento, deixando
para discutir as questões estruturais depois da crise. Porém, o texto
proposto não ficou bom. O que se precisa dar aos estados e municípios, no momento, é liquidez
para enfrentar a brusca queda de arrecadação. Por outro lado, a ajuda
precisa ser cirúrgica, para não deixar uma conta muito alta para o
pós-crise, nem estimular a irresponsabilidade fiscal.
O projeto estabelece que a União cobrirá toda a perda de receita de ICMS
e ISS dos meses de abril, maio e junho, na comparação com os mesmos
meses de 2019. O Tesouro diz que isso custará R$ 41 bilhões. No
Congresso, fala-se em R$ 30 bilhões. Quem está certo? Provavelmente nenhum dos dois: o custo vai ser maior,
porque, tendo a garantia de que terão toda a perda de receita coberta
pelo Tesouro, os estados e os municípios serão estimulados e
pressionados a dar ampla isenção de impostos. O custo vai disparar.
Além disso, estabelecer explicitamente em lei que se está compensando a
perda de arrecadação dá margem para ação judicial posterior, com
argumento de que a compensação não foi adequadamente calculada. Os
estados são mestres em processar e vencer a União no STF. [imagine com os ventos atuais em que vencer a União é vencer o presidente Bolsonaro.] O que fazer? Fixar um valor nominal de, por exemplo, R$ 20 bilhões para
os estados e R$ 10 bilhões para os municípios, a ser pago em três
parcelas mensais, divididos proporcionalmente à população de cada ente.
Coloca-se rapidamente dinheiro na mão dos estados, de forma simples, sem
estimular a concessão de benefícios fiscais ou judicialização
posterior. A segunda iniciativa do projeto é suspender o pagamento das dívidas dos
estados com a União. Isso também provê caixa para despesas imediatas,
sendo útil para enfrentar a crise. O problema é a dose. O STF já havia determinado a suspensão por seis
meses. O projeto alarga o prazo para um ano. Por que não ficar com o
prazo de seis meses para suspensão total e, nos seis meses seguintes,
fazer uma volta gradual dos pagamentos?
[Oportuno ler também: Guedes pede para senadores "salvarem a República.]
[Oportuno ler também: Guedes pede para senadores "salvarem a República.]
A terceira medida do projeto é oferecer garantia da União para os
estados tomarem nova dívida. Novos empréstimos para investimento não são
a prioridade no momento. Isso deveria sair do projeto. Melhor ser transparente e transferir dinheiro a fundo perdido para
gastos emergenciais, com impacto fiscal imediato, como proposta acima.
Não faz sentido aumentar o emaranhado de dívidas sempre postergadas,
judicializadas e renegociadas. Os desencontros em torno desse projeto mostram o prejuízo que causa a
posição do presidente de intensificar o conflito com os governadores e o
Parlamento. Os técnicos do Executivo perdem espaço para negociar saídas
racionais, e essa descoordenação leva o Congresso ao erro, mesmo.
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper - Folha de S. Paulo
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper - Folha de S. Paulo