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segunda-feira, 6 de julho de 2020

Maior transferência de renda precisa indicar fonte de recursos – Valor Econômico – Editoria

Valor Econômico


O grande debate se dará no Congresso, pois a ampliação do programa de transferência de renda necessitará de alterações constitucionais e legais

A pandemia de covid-19 desnudou para uma parte significativa da população brasileira uma realidade social de grande desigualdade e de pobreza no país. O quadro já era conhecido de muitos, mas ele ficou mais evidente para todos quando a mídia revelou que um grande número de cidadãos não dispunha sequer de água e sabão para higienizar as mãos e, com isso, proteger-se do novo coronavírus.

O desconhecido de quase todos foi o universo de brasileiros sem qualquer amparo do Estado, muitas vezes sem identificação civil. Foi essa a impressionante realidade revelada pelo auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores informais. Muitos ambulantes, domésticos e aqueles que fazem pequenos “bicos” para sobreviver não conseguiram o auxílio oferecido pelo governo simplesmente porque não tinham o RG (Registro Geral). Ou seja, não existiam para o Estado. Os cidadãos “invisíveis” passaram a ser identificados, pela primeira vez.

[Como é sabido ainda tem na fila da primeira parcela do 'auxílio emergencial', quase dois milhões de brasileiros.
Ocorre que o que é ruim, sempre pode piorar; especialmente quando envolve a Caixa Econômica Federal. Com muita enrolação grande parte dos inscritos conseguiram receber a primeira parcela no mês de junho. Todos ficaram confiantes de que a segunda parcela cairia na mesma conta que caiu a primeira.

Mas, a Caixa sempre empenhada em complicar decidiu pagar todos os auxílios via poupança digital - desprezando, buscando complicar, a conta corrente ou de poupança usada para a primeira parcela.

Com tão 'facilitadora' providência os milhões que ficaram esperando o crédito na conta convencional (usada na primeira parcela - portanto, testada e aprovada)  nada receberam e por desconhecer a mudança da conta de depósito, não conferiram a poupança digital.
A promessa é de que em meados deste mês, as contas digitais que não foram movimentadas, terão os valores transferidos para a conta convencional e ficará tudo bem.

FICARÁ MESMO? Tudo indica que as contas digitais são fáceis de serem  movimentadas indevidamente - fraudes - e o dinheiro sumir. Não tendo o que transferir, nada será transferido e também os que não receberam, não terão como, nem a quem, reclamar.

Aliás, ninguém entende para que colocar o tal 'ministério da cidadania' na questão nada faz. A redução do número de pessoas que não receberam é mérito da interferência da Dataprev. 
Uma pergunta: será que esse ministério da cidadania é mesmo necessário?
Talvez fosse conveniente, inteligente e até mesmo humano, disponibilizar uma página na Dataprev para que as pessoas que ainda estão com seus pedidos em análise - quase 2.000.000 de brasileiros, necessitados - possam recorrer da demora, questionar.
E os que receberam a primeira parcela e não tiveram acesso à segunda possam questionar.]

A injusta realidade brasileira incomodou a consciência nacional e muitas pessoas - economistas, sociólogos, empresários e cidadãos de várias profissões - passaram a defender a execução de uma política de transferência de renda pelo Estado que garanta um mínimo de dignidade a esses brasileiros.  São numerosas as propostas que surgiram, que vão desde a duplicação do programa Bolsa Família até a concessão de uma renda mínima a cada brasileiro. Em recente estudo feito para o Insper, o economista Marcos Mendes estimou que o custo adicional dos programas de transferência de renda varia de R$ 33 bilhões por ano a mais de R$ 900 bilhões por ano.


Um passo importante para a melhoria do quadro social, no entanto, já foi dado. O Congresso Nacional acaba de aprovar o novo marco legal do saneamento básico, que permite a privatização de estatais do setor e a participação da iniciativa privada nas licitações de obras. A perspectiva é de que aumentem os investimentos em saneamento nos próximos anos, melhorando o triste cenário brasileiro, onde cerca de 40 milhões de pessoas não têm acesso a água potável e cerca de 100 milhões não dispõem de coleta de esgoto em suas residências. A meta do novo marco legal é que, até 2033, 99% das residências tenham água potável e 90%, coleta e tratamento de esgoto. Isso pode melhor significativamente a saúde da população.

O impacto da realidade escancarada pela pandemia parece ter criado na sociedade um consenso de que é preciso aumentar a rede de proteção social, englobando aqueles que, atualmente, não recebem nada do Estado. O governo já anunciou a sua intenção de ampliar o programa de transferência de renda. Mas, como lembrou o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, em entrevista ao Valor, na semana passada, a condição para o novo programa é que o teto de gastos da União seja mantido. O teto é a âncora fiscal à qual o governo se agarra para sair do turbilhão de gastos que foi obrigado a fazer no enfrentamento desta terrível crise de saúde, e que elevou a dívida pública a quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB). A ideia das autoridades econômicas é fazer uma realocação orçamentária, tirando recursos de programas menos eficientes e passando recursos para os mais eficientes.

O grande debate se dará no Congresso Nacional, pois, certamente, a ampliação do programa de transferência de renda necessitará de alterações constitucionais e legais. Há, no entanto, um princípio que deve nortear este debate. Ele foi expresso pelo economista Marcos Mendes, em seu estudo para o Insper. Mendes observa que qualquer ampliação de programa de transferência de renda deve ser precedida por medidas que assegurem as receitas para o seu financiamento. “Aprovar primeiro a expansão dos gastos, para depois se buscar o financiamento, em um contexto de alta fragilidade fiscal, será a receita para mais uma crise econômica”, adverte.  A justa exaltação de alguns para mudar o atual quadro de desigualdade do país não pode obscurecer a noção de que primeiro é necessário assegurar os meios para, em seguida, definir os benefícios. É o mínimo que se deve esperar de pessoas que realmente desejam mudar a atual realidade social do país, de forma sustentável.

Editorial Valor Econômico 

sábado, 11 de abril de 2020

Novo Plano Mansueto ainda está ruim - Folha de S. Paulo

 Marcos Mendes

Ajuda a estados precisa ser cirúrgica, para não deixar uma conta muito alta

O chamado Plano Mansueto foi uma tentativa de lidar com a permanente pressão dos estados por socorro financeiro. Para minimizar o prejuízo iminente, o Tesouro propôs dar garantias para empréstimos de até R$ 10 bilhões anuais, para estados com alguma capacidade de pagamento, durante quatro anos, condicionadas a medidas de ajuste.

O plano ficou parado por meses no Congresso. Quando surgiu a pandemia, ele passou a ser usado como veículo para repassar à União dívidas acumuladas ao longo de décadas de desequilíbrio. Como argumentei em artigo com Marcos Lisboa, se aprovado, aquele projeto faria a dívida pública pular rapidamente para 100% do PIB.

O Parlamento percebeu a inconsistência do projeto e mudou de rota. Corretamente, resolveu tratar apenas as agruras do momento, deixando para discutir as questões estruturais depois da crise. Porém, o texto proposto não ficou bom. O que se precisa dar aos estados e municípios, no momento, é liquidez para enfrentar a brusca queda de arrecadação. Por outro lado, a ajuda precisa ser cirúrgica, para não deixar uma conta muito alta para o pós-crise, nem estimular a irresponsabilidade fiscal.

O projeto estabelece que a União cobrirá toda a perda de receita de ICMS e ISS dos meses de abril, maio e junho, na comparação com os mesmos meses de 2019. O Tesouro diz que isso custará R$ 41 bilhões. No Congresso, fala-se em R$ 30 bilhões.  Quem está certo? Provavelmente nenhum dos dois: o custo vai ser maior, porque, tendo a garantia de que terão toda a perda de receita coberta pelo Tesouro, os estados e os municípios serão estimulados e pressionados a dar ampla isenção de impostos. O custo vai disparar.

Além disso, estabelecer explicitamente em lei que se está compensando a perda de arrecadação dá margem para ação judicial posterior, com argumento de que a compensação não foi adequadamente calculada. Os estados são mestres em processar e vencer a União no STF. [imagine com os ventos atuais em que vencer a União é vencer o presidente Bolsonaro.]  O que fazer? Fixar um valor nominal de, por exemplo, R$ 20 bilhões para os estados e R$ 10 bilhões para os municípios, a ser pago em três parcelas mensais, divididos proporcionalmente à população de cada ente.

Coloca-se rapidamente dinheiro na mão dos estados, de forma simples, sem estimular a concessão de benefícios fiscais ou judicialização posterior.  A segunda iniciativa do projeto é suspender o pagamento das dívidas dos estados com a União. Isso também provê caixa para despesas imediatas, sendo útil para enfrentar a crise.  O problema é a dose. O STF já havia determinado a suspensão por seis meses. O projeto alarga o prazo para um ano. Por que não ficar com o prazo de seis meses para suspensão total e, nos seis meses seguintes, fazer uma volta gradual dos pagamentos?

[Oportuno ler também: Guedes pede para senadores "salvarem a República.] 

A terceira medida do projeto é oferecer garantia da União para os estados tomarem nova dívida. Novos empréstimos para investimento não são a prioridade no momento. Isso deveria sair do projeto.  Melhor ser transparente e transferir dinheiro a fundo perdido para gastos emergenciais, com impacto fiscal imediato, como proposta acima. Não faz sentido aumentar o emaranhado de dívidas sempre postergadas, judicializadas e renegociadas.  Os desencontros em torno desse projeto mostram o prejuízo que causa a posição do presidente de intensificar o conflito com os governadores e o Parlamento. Os técnicos do Executivo perdem espaço para negociar saídas racionais, e essa descoordenação leva o Congresso ao erro, mesmo.

Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper - Folha de S. Paulo 


sábado, 17 de agosto de 2019

O pé na jaca do Senado - O Estado de S. Paulo

Adriana Fernandes 

Cronograma de votação já foi atrasado diante da manobra dos senadores para vincular o andamento da votação da reforma à  discussão de propostas de interesse dos governadores.

[assim, fica realmente dificil para o presidente Bolsonaro governar, apesar dos quase 60.000.000 de votos que recebeu;

já existe uma certa resistência do nosso presidente em dedicar tempo integral ao desempenho das funções para as quais foi eleito - sente necessidade de desperdiçar algum tempo se envolvendo em polêmicas quase sempre inúteis e que só valorizar os adversários - e ainda tem que enfrentar as dificuldades impostas por parlamentares  (se somarmos os votos dos que fazem oposição ao presidente Bolsonaro o resultado será, se for,  apenas  um pouco superior ao  total de votos obtido pelo chefe do Poder Executivo) em um boicote sistemático (liderados por colegas carentes de votos).

Como se não bastasse o Poder Judiciário sempre que chamado a interferir é contra o presidente - chegando as vezes até a julgar 'jogo jogado' para ter oportunidade para espinafrar o presidente da República Federativa do Brasil.]


É perigoso demais para as finanças públicas o jogo que o Senado resolveu fazer para garantir a todo o custo mais recursos aos Estados empacando a reforma da Previdência. O cronograma de votação já foi atrasado diante da manobra dos senadores para vincular o andamento da votação da reforma à discussão de propostas de interesse dos governadores. Os senadores dizem que não há operação tartaruga. Mas não é bem assim. Ela está em curso e a todo vapor. Uma articulação silenciosa foi acionada para mostrar os danos que a ampliação de transferências de receitas para os governos estaduais pode causar sem que sejam feitas com base em contrapartidas de medidas de ajuste fiscal.



Não dá para repetir o passado, quando mais receita nos cofres dos Estados serviu para incrementar gastos, principalmente de salários dos servidores, sem aumento de investimentos. Os dados mais recentes das finanças dos Estados, divulgados na quarta-feira, constatam a situação dramática das contas dos governos regionais. Para muitos economistas, um quadro pior do que a do próprio governo federal. Os senadores se apoiam no discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, de lançamento da ideia de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo para discutir projetos que aumentam os repasses. Guedes propôs “menos Brasília e mais Brasil” e agora pena por causa do próprio discurso, apesar dos alertas de economistas próximos de que esse movimento teria de ser feito com cautela.



De forma bastante inteligente, os senadores se apegaram à promessa do ministro para pedir mais dinheiro. Botaram tudo no mesmo bolo do pacto federativo – um conjunto de medidas para tirar as amarras do orçamento, incluindo a desindexação de despesas – que nada tem a ver com a irrigação de dinheiro fácil para os governos regionais sem medidas estruturantes. A mais recente investida é patrocinada pelo relator da PEC do Orçamento impositivo, senador Cid Gomes (PDTCE), que quer aumentar os valores a serem repassados para Estados e municípios com o megaleilão do petróleo, previsto para novembro, como antecipou o repórter do Estadão/Broadcast Daniel Weterman. Há uma articulação para que a divisão do bônus de assinatura do leilão ocorra antes do pagamento da dívida do governo com a Petrobrás. Com essa medida, o total de recursos destinados a governadores e prefeitos chegaria a quase R$ 32 bilhões, R$ 10 bilhões a mais do que prevê o governo e a proposta aprovada na Câmara.



O bônus seria todo do governo federal, mas acabou sendo diluído e repartido com governos estaduais muito além do que a equipe econômica imaginava com prejuízos para o ajuste do governo federal. Muitos técnicos da área econômica gostariam agora de falar: eu avisei que isso iria acontecer.



O problema é tão sério e urgente que a Instituição Fiscal Independente (IFI) do próprio Senado acabou disparando uma nova série de estudos para alertar que medidas estruturais para os Estados precisam integrar o debate do pacto federativo no Congresso. O diretor executivo do órgão, Felipe Salto, chamou a atenção para o movimento afirmando que é hora de “farol alto” e cautela para que a discussão do pacto federativo não se resuma a atendimento de pleitos por mais recursos, sem contrapartidas que ajudem a atacar o problema central, que é o crescimento dos gastos com pessoal e Previdência. O debate do pacto no Senado também reabriu a discussão para propostas de rediscussão da Lei Kandir, reavivando pleitos antigos a respeito das compensações que se justificariam pelas desonerações das exportações e aumento do prazo para pagamento de precatórios judiciais.



Nada mais natural do que governadores de Estados quebrados queiram a todo custo buscar mais dinheiro para “salvarem” o seu mandato. Mas os senadores tentam confundir a ideia de pacto com esse movimento. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Quem melhor definiu esse processo em andamento foi o consultor legislativo Marcos Mendes, que hoje está no Insper.



Um dos autores da emenda do teto de gastos, Mendes advertiu que a ideia de pacto federativo de Guedes é muito diferente do que está sendo considerada no Congresso. Ele fez um alerta de que não dá para errar na discussão do pacto. “Podemos reproduzir o que aconteceu a partir de 2008 quando os Estados enfiaram o pé na jaca”, disse. O Senado está contribuindo para que isso ocorra de novo. É preciso discutir o socorro. Ele é necessário. Mas com medidas de ajustes que venham para ficar.
 Adriana Fernandes - Economia - O Estado de S. Paulo



domingo, 1 de março de 2015

Solução para a crise da Petrobras não será rápida e nem fácil

Para especialistas, a venda de ativos e foco dos investimentos no pré-sal é saída para acertar as contas atribuladas da empresa

Por: Heloisa Mendonça, El País 

O rebaixamento da classificação de risco da Petrobras pela agência Moody's nesta semana chacoalhou o mercado e levantou dúvidas sobre a capacidade da petroleira de encontrar saídas para o labirinto em que se encontra. Por ora, é possível concluir que a mudança de status deve aprofundar a crise vivida pela estatal e complica o cenário já difícil para a captação de investimentos da companhia. Mais do que isso, abriu espaço para especulações sobre a capacidade do Brasil de se preservar de um eventual contágio do efeito Moody’s.

Como a Petrobras é a maior empresa do país, os riscos do Brasil e da estatal possuem certas conexões, de acordo com especialistas. “Ao perder o grau de investimento e passar a integrar a nota do grupo especulativo, a Petrobras terá ainda mais dificuldade para conseguir financiamentos, e pode fazer com que o governo tente salvar as contas da empresa”, afirma Edmilson Moutinho, economista e professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. “No entanto, não quer dizer que necessariamente a estatal rebaixará o país, pois a nota do Brasil está muito mais vinculada à política fiscal que o Governo se comprometeu a aplicar neste ano de 1,2% do PIB”, completa.

(...) 

É importante que a estatal deixe para trás o nacionalismo arraigado na empresa e diminua a participação dela como investidora. "Infelizmente, até hoje, domina a velha história que o petróleo é o nosso monopólio. A Petrobras precisa atuar em áreas onde realmente é relevante, como na pesquisa. A competição é importante, quanto mais empresas entrarem em leilões, ficaremos com mais petróleo".
Sérgio Lazzarini, pesquisador do Insper

O nacionalismo arraigado do PT também foi responsável por fomentar a cadeia local de fornecedores. Somente empresas instaladas no Brasil podem ser parceiras da companhia. A política, muito celebrada pelo ex-presidente Lula e por Dilma, é alvo de críticas constante, pois seria um fator a mais para engessar o desempenho da Petrobras, além de abrir brechas para a corrupção. Agora, seria a oportunidade para rever essa estratégia.

Leia mais: El Pais - Solução para a crise da Petrobras não será rápida e nem fácil