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quinta-feira, 29 de abril de 2021

Vale a pena usar trabalho escravo em nome da causa ambiental? - Vozes

Energia solar subsidiada pelo Reino Unido usa trabalho escravo da minoria muçulmana Uigur, na China.

Dois filmes mudaram minha vida recentemente. Confesso que fiquei revoltada quando My Octopus Teacher ganhou o Oscar de melhor documentário. Eu amava arroz de polvo, tinha ótimas lembranças de momentos importantes em que compartilhei arroz de polvo com pessoas amadas. Foi ver esse bendito desse filme que nunca mais comi polvo.

O outro filme é Seaspiracy, que fala das ONGs ambientais destinadas a diminuir o volume de plástico no mar. Se você também desconfia que usar aquele canudo de papel horroroso não salvará a humanidade e a terra, veja ontem. O ruim desse filme é que a gente sai desconfiado de todo mundo que posa de bonzinho. Eu costumava ter confiança absoluta em avós que usam capa em filtro de água, mas fui corrompida. Felizmente, o jornal britânico The Guardian fez algo mais útil com a desconfiança. O documentário Seaspiracy roda o mundo mas começa na Grã-Bretanha, onde mora o documentarista. Pouco a pouco, ele vai descobrindo que havia se engajado em uma série de campanhas completamente inócuas. Pior que isso, quem o atraiu para as campanhas sabia. Algumas vezes, a ONG era financiada por quem causava o problema que ela dizia combater. [no Brasil é a regra: os interessados na destruição do meio ambiente - especialmente responsabilizando o Brasil - bancam as Ong's vendidas (ironicamente formadas por brasileiros que buscam dinheiro fácil e sujo) = o preço padrão são as trinta moedas.]

Na onda da cúpula do clima, [pacífico que todos sabem  que essa 'cúpula do clima' está mais para cópula e com certeza não será a turma da Noruega (que f... o meio ambiente no Pará), da França e outros que serão os copulados - também pretender escapar de serem copulados os brasileiros que se venderam para as ONGs que querem nos copular.]  o jornal britânico The Guardian resolveu mergulhar nos programas de energia solar subsidiados pelo governo. A descoberta é perturbadora: 40% dos projetos subsidiados de fazendas com painéis solares usam produtos ligados a denúncias de trabalho escravo da minoria Uigur.  
Na semana passada, o Reino Unido declarou oficialmente que a China comete genocídio contra os uigures.

Placas solares são feitas de polissilício. Segundo um estudo aprofundado da consultoria norte-americana Horizon Advisory, especializada em geopolítica, 1/3 do suprimento mundial do material vem da província de Xinjiang, na China
É precisamente lá que ficam os campos de trabalhos forçados da minoria muçulmana uigur. 
O material indica que as empresas fabricantes do polissilício estão ligadas à exploração dessa população.

Não se trata apenas de ilação do jornal. O material que abasteceu 4 das 10 fazendas de painéis solares subsidiadas veio de 3 grandes empresas chinesas: Jinko Solar, JA Solar e Trina Solar. Todas elas são nominalmente citadas no documento que fundamentou a decisão do governo britânico de declarar a ocorrência de um genocídio de uigures pelo governo da China. A acusação também é da instituição de campos de trabalhos forçados para essa população desde 2016.

No meio corporativo, fala-se muito em ESG, a junção de governança corporativa, governança social e governança ambiental. Na verdade, não há como separar uma da outra. Painéis solares são indiscutivelmente uma excelente alternativa energética, mas tornam-se um problema gigantesco se tiverem a produção atrelada a trabalho escravo e genocídio. O desafio do governo britânico agora é ser coerente.

As empresas chinesas sabem quais são os parâmetros ocidentais para avaliar empresas e têm utilizado artifícios eficientes para conseguir vender para os britânicos. Operações são concentradas em outros países asiáticos e apenas o fornecimento da matéria-prima fica atrelado a Xinjiang, onde ficam os campos de trabalhos forçados. Executivos britânicos da área de energia solar admitem que a manobra traz um grau de complexidade enorme para avaliar a sustentabilidade da cadeia produtiva. Trabalho escravo é desumano e também insustentável, não contribui para melhorar o meio ambiente.

Os interesses das fábricas de polissilício em Xinjiang são defendidos pela "Xinjiang Production and Construction Corps". Não é um sindicato, é uma organização econômica e paramilitar. O governo dos Estados Unidos os acusa de envolvimento direto nos campos de trabalhos forçados. Estariam por trás da remoção dos uigures de suas casas para os campos e dos programas de "reeducação" promovidos pelo Partido Comunista Chinês. O relatório da Horizon Advisory, utilizado pelo governo norte-americano, conclui que toda a cadeia produtiva de placas solares está ligada a atrocidades de direitos humanos.
O soft power chinês é muito habilidoso ao lidar com a cultura ocidental. A questão ambiental há muito deixou de ser um objetivo concreto para se tornar um atributo qualitativo de pessoas e marcas. Placas solares são tão bem vistas que muitos preferem não procurar o que há por trás delas. Acabamos na situação bizarra em que o mesmo governo que condenou o genocídio dos uigures o patrocina. O que mais haveria embaixo do tapete das boas intenções?

A China tem uma cultura milenar, uma mentalidade comunista muito bem estabelecida e não pretende mudar sua forma de pensamento. Aliás, a intenção declarada é estabelecer a predominância mundial dessa forma de pensar. No mundo ocidental, a dignidade humana é inerente à condição humana e inegociável. Não é essa a visão do Partido Comunista Chinês. A dignidade humana é vinculada à aderência daquele ser humano às ideias e ordens do partido e seus dirigentes.

Há muitos grupos que funcionam dessa forma no mundo, mas nenhum que controle tantas pessoas ao mesmo tempo por tantos anos quanto o governo comunista da China. Essa continuidade inevitavelmente gera conflitos entre a individualidade, a cultura popular e a imposição de uma uniformidade ou submissão de ideias. A questão dos muçulmanos uigures tomou uma proporção internacional gigantesca nos últimos 5 anos. 
Outros grupos étnicos e religiosos também são perseguidos, mas o que tem sido feito com os muçulmanos uigures é cruel até para os padrões do governo chinês
São tirados de suas casas, despojados do que têm, separados das famílias, torturados, assassinados. 
Os campos de trabalhos forçados de uigures já se tornaram tão normais na vida chinesa que são parte importante da vida econômica de Xinjiang.

Reino Unido e Estados Unidos cobraram da ONU responsabilização do governo da China pelo genocídio da população Uigur. O Partido Comunista Chinês responde com narrativa: “A mentira mais absurda do século, um insulto e afronta ultrajante ao povo chinês e uma violação grosseira do direito internacional e das normas básicas que regem as relações internacionais”. Enquanto isso, o Reino Unido compra de fábricas que escravizam uigures e os políticos ocidentais estão aprendendo a responder acusações igualzinho aos chineses.

A política ocidental está cada vez mais lotada de gente que fala igualzinho ao Partido Comunista Chinês, alguns que o idolatram e outros que dizem odiá-lo. As iniciativas mais badaladas do bom mocismo ocidental estão sendo colocadas em xeque uma a uma, já que não tiveram uma preocupação global de governança, focaram no sucesso a qualquer custo e deixaram valores humanos em segundo lugar.  A era da hipercomunicação multiplicou exponencialmente os holofotes. É natural da alma humana a dificuldade para domar o próprio ego. Gostamos de nos imaginar bons, úteis, altruístas. Causas importantíssimas como a preservação do planeta acabaram virando produtos de consumo. Pouco importa o planeta, importa ser reconhecido como alguém que o defenda, nem que seja só da boca para fora. O pior da alma humana tem sido vendido como virtude. Para salvar o planeta, precisamos urgentemente resgatar nossos valores humanos.
 

Madeleine Lacsko, colunista - VOZES  - Gazeta do Povo


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Golpe em Myanmar alerta para declínio da democracia no mundo - O Globo

Opinião

O golpe de Estado que depôs o governo de Myanmar há uma semana e levou de volta à prisão a ativista e Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi devolveu o país à lista dos regimes autoritários depois de apenas uma década de democracia (e duas eleições livres). Myanmar só é exceção pela forma do retrocesso: um golpe militar clássico, não o encolhimento gradual de instituições se curvando a autocratas, como na Venezuela, Rússia ou Hungria. O resultado é idêntico, uma democracia a menos, tendência resumida pelo cientista político Larry Diamond na feliz expressão “recessão democrática”.

[Perguntas que precisam de respostas:
- Será que o declínio da democracia - no mundo; em 167 países  avaliados houve queda em 116 e apenas 8,4% da população global vivem na democracia plena - não decorre, digamos, da 'fadiga' do sistema?
A prodigalidade na distribuição de Prêmio Nobel da Paz - qualquer um recebe (até o presidiário Lula foi cotado, e outros com a mesma insignificância e falta de méritos  receberam ou foram indicados) basta se dizer ativista de alguma coisa - não aponta as falhas na avaliação de quem deve ser indicado? ]

Os últimos dois relatórios que diagnosticam o estado da democracia no planeta constatam que a pandemia deu oportunidade para ataques aos direitos civis e liberdades individuais. É o caso da Bielorrússia, onde Alexander Lukashenko ainda mantém controle absoluto, apesar dos protestos desde as eleições contestadas de agosto. Ou da China, que endureceu a vigilância sobre os cidadãos e a perseguição aos uigures em Xinjiang. Ou ainda do Sri Lanka, onde o premiê Mahinda Rajapaksa endureceu a agenda autoritária nos últimos seis meses.

“A pandemia de Covid-19 está exacerbando os 14 anos consecutivos de declínio na liberdade”, afirma o relatório da Freedom House lançado em janeiro. Dos 192 países avaliados pela organização, houve declínio da democracia e dos direitos humanos em 80. O índice de democracia global da Economist Intelligence Unit (EIU), publicado na última quarta-feira, corrobora a conclusão. A nota média atingiu o nível mais baixo desde que a avaliação foi criada, em 2006: 5,37. Dos 167 países avaliados pela EIU, a nota caiu em 116. Apenas 23, correspondentes a 8,4% da população global, podem ser considerados democracias plenas.

“O resultado de 2020 ocorreu em boa medida — embora não apenas — por causa das restrições impostas por governos às liberdades individuais como resposta à pandemia do coronavírus”, afirma a EIU. “A crise da governança democrática, tendo começado muito antes da pandemia, deverá continuar depois que a crise sanitária arrefecer, pois as leis e normas que têm sido implantadas serão difíceis de revogar”, diz a Freedom House.

O avanço do autoritarismo não se restringe mais a casos contumazes como Rússia, China, Irã ou Venezuela. A invasão do Capitólio em Washington mostra que nem a democracia mais longeva do planeta está a salvo. E nem tudo é declínio lento e gradual, como mostra o golpe em Myanmar. Nesses dois casos, o pretexto para a violência foi idêntico: acusações fajutas de fraude eleitoral. Só não deu certo nos Estados Unidos, porque as instituições americanas são mais robustas.

No Brasil, os militares têm tradição de apoiar rupturas ao longo da história. O presidente Jair Bolsonaro vive fazendo acusações falsas sobre o sistema eleitoral e já insinuou que aqui poderá ser “pior” que nos Estados Unidos se ele perder em 2022. Para preservar nossa democracia, será preciso ficar de olho.

Opinião - O Globo


domingo, 15 de novembro de 2020

Réquiem para Hong Kong – O Estado de S. Paulo

Opinião

Não há mais uma única voz pró-democracia no Parlamento de Hong Kong atualmente.

[cabe perguntar aos honcongueses,  se querem ir para a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte)?  lá terão democracia até no nome oficial do país.]

A democracia de Hong Kong foi executada em junho deste ano quando o Partido Comunista Chinês, aproveitando-se da distração mundial causada pela pandemia, aprovou uma lei de segurança nacional draconiana que eliminou o sistema “um país, dois sistemas”. Agora, Pequim trabalha para sepultar o cadáver e apagar a sua memória. O estrangulamento foi rápido, mesmo para os padrões chineses. Há muito tempo a possibilidade de uma maioria democrática no Conselho Legislativo, o Parlamento de Hong Kong, já fora eliminada pelo Partido Comunista: das suas 70 cadeiras, só metade é eleita diretamente e as restantes são distribuídas a representantes corporativos pelos próceres de Pequim no governo local.

Em julho, logo após a lei de segurança entrar em vigor, o governo pró-Pequim cassou o direito de 12 políticos, incluindo 4 parlamentares, de se elegerem. Em seguida, a pretexto da pandemia, as eleições que deveriam ocorrer em setembro foram adiadas para o ano que vem. Neste mês, oito líderes da oposição, incluindo cinco parlamentares, foram presos. Alguns dias depois, o Congresso comunista em Pequim autorizou as autoridades locais a depor quaisquer parlamentares “não patriotas”. Ato contínuo, os mandatos de quatro legisladores foram cassados sem maiores justificativas. Os últimos 15 parlamentares da oposição – 2 já haviam renunciado quando do adiamento das eleições – abdicaram em protesto. Hoje, não há mais uma única voz pró-democracia no Parlamento de Hong Kong.

Poder-se-ia esperar que as forças de oposição fossem às ruas, como no ano passado. Mas as restrições relacionadas ao coronavírus e, mais ainda, o aparato de repressão chinês devem mantê-las confinadas. Desde a nova lei, vozes dissidentes na academia foram forçadas a se demitir, jornalistas foram detidos e a imprensa local pró-Pequim está acossando os juízes considerados lenientes com manifestantes democratas, enquanto o Partido Comunista manipula as engrenagens para gradualmente, mas inexoravelmente, pulverizar a divisão de poderes em Hong Kong. A autonomia da cidade, que fora pactuada com o Reino Unido em 1997 para durar até 2047, na prática acabou em 2020.

O governo britânico abriu um caminho para conferir a cidadania a 3 milhões de honcongueses. Os Estados Unidos aprovaram em 2017 um decreto que permite sanções a funcionários chineses envolvidos em abusos em Hong Kong e em outros locais – como a província de Xinjiang, onde milhões de muçulmanos chineses são brutalmente perseguidos – e deve aplicá-las agora. Um outro decreto legislativo norte-americano permite revogar o status comercial especial concedido a Hong Kong caso a China elimine a sua autonomia. Há indícios de que Joe Biden pretende endurecer essas sanções, embora, em atenção ao povo de Hong Kong, isso deva ser feito gradualmente. [se o esquerdista, rejeitado até por sua vice,  se tornar presidente dos EUA logo irá perceber que suas sanções só prejudicam o marisco.] 

Tudo isso servirá de munição para a guerra comercial dos EUA contra a China, que traz em seu seio o embrião de uma guerra fria. Nesse mesmo momento a China endurece domesticamente a sua autocracia; intensifica as hostilidades militares contra Taiwan ou em territórios sob disputa no Mar do Sul e nas fronteiras com países como a Índia; boicota países críticos ao regime, como a Austrália; e se movimenta para reorganizar a ordem multilateral global. É importante, portanto, que as democracias liberais se mobilizem para responsabilizá-la moralmente pela quebra de seus compromissos. Mas essa mobilização, por mais importante que seja em vista de futuros abusos, não será capaz de reverter a morte da democracia em Hong Kong.

Há apenas um ano o cenário parecia bem diferente. As ruas foram tomadas por manifestantes e a oposição conseguira ganhos sem precedentes no Parlamento. As expectativas para as eleições de 2020 eram ainda maiores. Mas, emblematicamente, elas não ocorreram. As eleições que ocorrerão em 2021 serão inúteis. Hoje, está claro que o que prometia ser a primavera da democracia em Hong Kong era antes o estertor de um outono – apenas véspera de um inverno que não terá mais fim.

Opinião - O Estado de S. Paulo


 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

A China vota vermelho: todos os governos têm muito em jogo nas eleições dos EUA - Demétrio Magnoli

O Globo

Todos os governos têm muito em jogo nas eleições presidenciais da superpotência global 

Vermelho ou azul? Nos EUA, vermelho é a cor dos republicanos; azul, dos democratas. Todos os governos do mundo têm muito em jogo nas eleições presidenciais da superpotência global — e cada um deles acalenta, secreta ou abertamente, uma preferência
Quem “vota” em Joe Biden? E em Donald Trump?

A Europa está dividida. No núcleo da União Europeia, Alemanha, França, Itália e Espanha são Biden, o candidato democrata que promete restaurar a aliança transatlântica tão desprezada por Trump. Mas o Reino Unido de Boris Johnson não segue o rumo dos vizinhos, inclinando-se pelo republicano que ergueu um brinde ao Brexit e acena com um acordo privilegiado de comércio com os britânicos.

Vladimir Putin não crê em lágrimas. A Rússia entrou na campanha americana de 2016 com um objetivo principal, desestabilizar a democracia americana, e um complementar, ajudar a eleger o republicano. As metas permanecem inalteradas. Trump na Casa Branca assegura o declínio da Otan e a redução da influência dos EUA no Oriente Médio, abrindo espaço à difusão da influência externa russa. A China é um caso muito mais complicado, pois bússolas diferentes apontam nortes opostos.

Um critério para a escolha são os interesses econômicos. A “guerra do 5G”, que envolve a rivalidade fundamental pela supremacia tecnológica, seguirá seu curso com Biden ou Trump. Mas, apesar de imitar a retórica do nacionalismo econômico do adversário, o democrata tende a colocar ênfase menor nas tarifas que deflagram inúteis ou contraproducentes guerras comerciais. Ponto azul. Tanto Biden quanto Trump confrontarão a China no delicado campo dos direitos humanos, que abrange os crimes contra a humanidade cometidos no Xinjiang dos muçulmanos uigures e, ainda, a violação escandalosa dos direitos políticos em Hong Kong. Contudo o republicano carece de um mínimo de credibilidade moral para se pronunciar sobre tais temas. Ponto vermelho.

A China tem uma peculiar apreensão da história. Na década de 1970, durante a aproximação sino-americana, o número 2 da hierarquia chinesa, Chou En-lai, foi indagado sobre as perspectivas da democracia em seu país e os valores emanados da Revolução Francesa. Sua resposta, que ficou célebre: os eventos de 1789 são assunto jornalístico, próximos demais para propiciar um diagnóstico histórico. A infatigável paciência chinesa inclina decisivamente a balança da preferência eleitoral.

Trump, sem dúvida, explica Yan Xuetong, reitor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Tsinghua, de Pequim: “Não porque Trump causará menos estrago aos interesses chineses que Biden, mas porque ele certamente causará danos maiores aos EUA”. A China almeja, sobretudo, o reconhecimento de seu lugar de grande potência mundial — e, mais adiante, tomar a posição de superpotência hegemônica. Nos tempos longos, régua da geopolítica, o declínio dos EUA e a consequente ascensão da China são mais bem-servidos pelo nacionalismo isolacionista trumpiano.

Xi Jinping vota vermelho. Só não conta para ninguém. É que declarar o voto é coisa de idiota. Trump é o cara, na opinião do húngaro Viktor Orbán e do polonês Andrzej Duda, líderes nacionalistas, populistas e xenófobos da Europa Central. Recep Tayyip Erdogan, presidente autocrático da Turquia, vai na mesma direção, mas por motivos menos ideológicos. Ele aposta no isolacionismo do republicano para prosseguir sua agressiva política externa, que exige acordos com a Rússia, ataques aos curdos sírios, pressão sobre a Grécia e tensão perene com a União Europeia.

Israel e Arábia Saudita estão fechados com Trump, o promotor de um “plano de paz” baseado numa coalizão regional anti-iraniana e na negação dos direitos nacionais palestinos. O Irã oscila, o que reflete a cisão entre o Estado teocrático e o governo moderado. Ali Khamenei, Líder Supremo, “vota” Trump, uma garantia de confronto com os EUA e, portanto, de hegemonia da “linha-dura” doméstica. Por outro lado, o presidente Hassan Rouhani “vota” Biden, que recolocaria os EUA no acordo nuclear, dando fôlego à economia iraniana. 

Demétrio Magnoli, sociólogo e jornalista - O Globo

sábado, 21 de outubro de 2017

China alardeia seu poderio e anuncia o começo de uma “nova era comunista”



 Xi Jinping inaugura o 19º Congresso do Partido Comunista com promessa de continuar reformas econômicas



O presidente chinês, Xi Jinping, proclamou nesta quarta-feira “uma nova era” para a China e para seu Partido Comunista, mas deixou claro que, em seus próximos cinco anos de mandato, continuarão as mesmas políticas, ainda mais marcadas. E que não haverá espaço para a divergência. Ao longo de três horas e meia de discurso na abertura do 19º Congresso do Partido Comunista, o grande evento político que nomeará os dirigentes do país para a próxima meia década, o secretário-geral declarou seus primeiros cinco anos no poder um sucesso: “A China ocupa agora uma nova posição no mundo”.
O Congresso, um evento que só acontece duas vezes por década, é desta vez o palco para a coroação de Xi Jinping como o homem mais poderoso na história recente da China. Não só será nomeado para comandar o destino do país por mais cinco anos, como também terá seu nome incluído na Constituição, ao lado de Mao Tsé-Tung, e selecionará para as principais vagas na hierarquia alguns de seus assessores de maior confiança.
Em discurso aos 205 membros do Comitê Central e 2.300 delegados, Xi quis apresentar a imagem de homem de Estado. Bem vestido, com vagar e um tom por vezes paternalista, deixou claro que é ele quem toma as decisões. E que não permitirá que ninguém lhe faça sombra. O chefe de Estado, secretário-geral do Partido e presidente da Comissão Militar central seus principais títulos, e nessa ordem – desfiou as prioridades de sua nova legislatura. No exterior, confirmar a China como uma nova grande potência. Uma potência que, deu a entender, pode ultrapassar os Estados Unidos no futuro: “Precisaremos continuar nos esforçando por mais 30 anos para alcançar a completa modernização. Então, nos situaremos orgulhosamente entre as nações e seremos uma potência global”.
No terreno interno, desenvolver a economia e proteger o meio ambiente. As duas prioridades que, considera, exigem dele os cidadãos e são imprescindíveis para manter a legitimidade do mandato do Partido Comunista à frente do país. Entre as medidas a serem adotadas nos próximos anos: é preciso reduzir os desequilíbrios. As reformas econômicas continuarão, desde a moeda chinesa até medidas sobre os preços crescentes da habitação. Reformas, sim, mas não muitas: defendeu a igualdade de tratamento a todas as empresas presentes na China – um aceno às empresas estrangeiras, que denunciam o protecionismo de Pequim –, mas o Estado manterá um papel importante. O combate à corrupção vai continuar.
Pretende fazê-lo mantendo as mesmas políticas que empreendeu até agora. Afinal, disse, mudar para quê? A China responde hoje por 30% do PIB mundial. Veio crescendo cerca de 7% ao ano. Tirou 60 milhões de pessoas da pobreza. A reforma das forças armadas foi um sucesso. “Resolvemos problemas que ninguém conseguia solucionar”, declarou no cavernoso salão principal do Grande Palácio do Povo da Pequim, decorado para a ocasião com enormes bandeiras vermelhas e, em lugar de destaque, a foice e o martelo. A gestão do Partido “é um milagre na terça.
Com o excelente resultado dessas medidas, não haverá tolerância para as divergências. O Partido Comunista, prestes a superar o russo como o mais longevo entre os marxistas no poder, não vai seguir o caminho de outros que – como o russo – abandonaram a ortodoxia e acabaram defenestrados. “Não devemos copiar mecanicamente os sistemas políticos de outros países”, alertou.
Desde 2012, a mão dura contra qualquer vislumbre de dissidência na China só apertou, a ponto de organizações de direitos humanos descreverem o atual controle sobre a sociedade civil como o mais duro em décadas. Os veículos de imprensa receberam ordens de aderir estritamente às diretrizes do Partido, a internet está rigidamente censurada; ativistas, líderes religiosos e defensores dos direitos humanos foram parar na cadeia. Para a região autônoma de Xinjiang, de população majoritariamente muçulmana (chamados uigures), foram enviados dezenas de milhares de agentes das forças de segurança com o argumento de impedir a violência de grupos extremistas islâmicos. Essa atitude não vai afrouxar.
O regime, prometeu Xi, não terá compaixão de quem tentar sabotar a liderança do Partido, fomentar o extremismo religioso ou o separatismo: uma clara advertência a Taiwan, a ilha que a China considera parte de seu território e onde a presidenta Tsai Ying-wen mantém posições opostas a Pequim.
Também é uma mensagem a Hong Kong, onde os pedidos por mais democracia foram respondidos com um estrangulamento cada vez maior das liberdades; a cassação de deputados pouco afeitos a Pequim e inclusive a prisão de Joshua Wong e outros jovens líderes políticos que organizaram os protestos maciços de 2014. “É preciso ir contra tudo que prejudica os direitos do povo, contra todos os que querem separar-se da China”, declarou. Em suas cadeiras, os membros do Comitê Central escutavam com o estoicismo conferido por longos anos de prática em reuniões desse tipo. O venerável ex-presidente Jiang Zemin aproximava uma lupa do texto para poder ler. O antecessor de Xi, Hu Jintao, ausentou-se por dez minutos.
Os delegados, munidos cada um de uma cópia do relatório presidencial e uniformizados de terno – a única exceção, os representantes de minorias étnicas, vestidos com seus trajes típicos –, passavam as 60 páginas e aplaudiam em uníssono. Com a intensidade na medida certa, sem desânimo, mas sem entusiasmo.
Talvez um dos aplausos mais entusiasmados tenha sido para o anúncio do que a agência oficial Xinhua descreveu como a nova “diretriz de longo prazo à qual o Partido deve aderir”. O que até agora se conhecia simplesmente como “o pensamento de Xi Jinping”, e que oficialmente passará a se chamar “Pensamento sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era”. Um título tão reluzente como a ocasião.
Fonte: El País