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quinta-feira, 28 de abril de 2022

Para não dizer que não falei das flores - Evaristo de Miranda

O Brasil produz 15.000 hectares de flores, o que representa  8% da produção mundial

A capacidade de sedução das flores é fundamental para a reprodução e a sobrevivência da planta. As flores são belas e perfumadas para seduzir seus polinizadores: insetos, aves e morcegos. Até os humanos são atraídos pelo perfume e pela beleza das flores, capazes de um verdadeiro encantamento. Eles seguiram o exemplo dos vegetais. Em sinal de afeto, amor e paixão, oferecem flores. Para seduzir, perfumam-se com fragrâncias e aromas retirados das flores.

Campo de calêndulas | Foto: Shutterstock

Diversos papiros do Egito antigo atestam a fabricação de perfumes e unguentos aromáticos a partir de lírios e várias flores. São muitas menções a perfumes na Bíblia. É emblemático o gesto da mulher rompendo um vaso de alabastro, repleto de perfume de nardo, lá das proximidades do Himalaia, e derramando-o sobre Jesus, ungindo-o da cabeça aos pés (Mt 26,7).

Maria Madalena derramou um frasco de alabastro, repleto de perfume de nardo, nos pés de Jesus Cristo | Foto: Reprodução

No passado, os perfumes eram extraídos de rosas, jasmins, lírios, laranjeiras e outras flores através do vapor, da fumaça. Daí a origem latina da palavra: per fumum, “pelo fumo”, pela fumaça, pelo vapor. E por meio de borrifadas vaporizadas, per fumum, as fragrâncias ainda se espalham no corpo humano e no ambiente.

O Livro da Química de Perfumes e Destilados, escrito pelo químico árabe Alquindi no século 9, apresenta centenas de receitas de óleos de fragrâncias, águas aromáticas ou imitações para drogas caras, além de mais de uma centena de métodos e receitas para a perfumaria. Essa presença árabe segue no nome de instrumentos da produção de perfumes, como alambique. No século 10, o médico e químico persa Avicena sistematizou a extração de óleos de flores pela destilação. Seus ingredientes e sua tecnologia da destilação marcaram a perfumaria ocidental até hoje.

A produção de flores é uma das obras-primas praticadas por pequenos agricultores. No Censo Agropecuário do IBGE de 2017, dos 5 milhões de estabelecimentos agropecuários recenseados no Brasil, 12.000 declaram ser floricultores lato sensu (flores, folhagens, mudas, sementes…), presentes em quase metade dos municípios brasileiros (mapa 1). Parte significativa desses floricultores possui uma organização empresarial e tecnológica avançada e intensiva. Atividade competitiva, nessa floricultura moderna estão mais de 8.000 floricultores profissionais. Seus cultivos têm área média de 1,5 hectare, segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura. A área total da floricultura ultrapassa 15.000 hectares. Parece pouco, comparado à de soja ou milho. Não é. A área mundial é da ordem de 190.000 hectares. A brasileira representa cerca de 8%.

Além desse grupo, existe uma fração de floricultores, de 3.000 a 4.000, em escala muito local, menos integrada aos mercados. Segundo pesquisa da Embrapa Territorial, em janeiro de 2022, dos pequenos agricultores com Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), 3.152 declararam-se produtores de flores, além de outras atividades, com expressiva presença no Nordeste e até na Amazônia (mapa 2).

No Brasil, aproximadamente 9% das flores e plantas são cultivadas em estufas, 3% sob telados ou sombrite e 88% em campo aberto ou ao ar livre. Das 350 espécies e suas 3.000 cultivares, nativas e exóticas, 30% são flores e folhagens de corte, 39% são plantas e flores de vaso e 31% plantas ornamentais e para paisagismo.

Intensiva em capital e mão de obra, a floricultura emprega, em média, 3,8 trabalhadores por hectare. A cadeia de produção e comercialização envolve diretamente 200.000 pessoas: 50% nas propriedades, 40% no varejo, 4% na distribuição e o restante em atividades complementares. Nas pequenas propriedades, apenas 20% da mão de obra é familiar, os outros 80% são contratados. Boa parte da mão de obra é feminina. As mulheres demonstram maior destreza, habilidade e cuidado no manuseio de flores e plantas. Floriculturas vendem beleza e embelezamento, associados à presença de mulheres nos pontos de venda.

A Lei de Proteção de Cultivares, de 1997, viabilizou a entrada no mercado brasileiro de novos cultivares e lotou as prateleiras de floriculturas e pontos de venda com uma gama ampla de cores e formatos até então desconhecidos dos brasileiros, aumentando a oferta e a diversidade.

O valor bruto da produção passou de R$ 0,3 bilhão, em 2004, para R$ 11 bilhões, em 2021. São Paulo responde por praticamente 70% desse valor. O consumo de flores cresceu, no mesmo período, de R$ 15/habitante/ano para cerca de R$ 65 (US$ 12), ainda muito aquém do consumo na Suíça (US$ 174), na Alemanha (US$ 98), na França (US$ 69) e nos EUA (US$ 58).

O faturamento do setor cresce entre 12% e 15% anualmente. São cerca de 600 empresas atacadistas no mercado de flores e mais de 25.000 pontos de venda. Mais da metade do consumo se concentra no Estado de São Paulo e 85% no Sudeste. O mercado nacional absorve 97,5% da produção. Só uma pequena porcentagem é destinada à exportação. Os principais polos de produção estão no Estado de São Paulo, em Arujá, Atibaia, Holambra e Ibiúna. Outros em Andradas, Barbacena, Munhoz (MG); Nova Friburgo, Petrópolis, Serra da Mantiqueira (RJ); Vale do Caí (RS); Joinville (SC); e Serra da Ibiapaba (CE). Flores e folhagens tropicais são produzidas em localidades no litoral do Nordeste (AL, PE, RN e BA).

Ambiente de trabalho ornado com flores não é mais exclusividade de mulheres. Homens presenteiam e são presenteados com flores

A floricultura sofreu com os lockdowns no início da pandemia: cancelamento de festas, casamentos, batizados, bodas e outros eventos. Houve queda brutal na demanda por decoração com flores de corte (rosas, crisântemos, astromélias, lírios…). O tratamento do consumo de flores como algo supérfluo no início da pandemia foi revertido graças a campanhas intensas dos produtores, sobretudo no varejo, em supermercados e floriculturas.

Pessoas em home office, confinadas, buscaram maior reconexão com a natureza. Os floristas propuseram opções: da decoração com flores e até no cultivo limitado de plantas ornamentais, para tornar o ambiente de trabalho mais prazeroso e dar maior aconchego e bem-estar às casas. Durante o isolamento, a jardinagem passou a ser praticada nas casas e se tornou um hobby de muitos brasileiros. Isso ampliou e diversificou a demanda. E exigiu novas soluções em buquês, ramalhetes e plantas, além do comércio de vasos, ferramentas, pequenos sistemas de irrigação, estufas e outros. Flores de vaso, orquídeas, suculentas, cactos, antúrios e até bonsais ampliaram as vendas.

Jardinagem e plantas para decoração ajudaram no crescimento do mercado de flores entre 2020 e 2021. E, mesmo com o recuo da covid, jardins e ambientes com flores ainda se mantêm. Somaram-se a essa demanda, novos hábitos. Ambiente de trabalho ornado com flores não é mais exclusividade de mulheres. Homens presenteiam e são presenteados com flores.

A floricultura e os floristas investiram e inovaram em comunicação e comércio digital. Criaram sites, ampliaram sua inserção em redes sociais, telemarketing e aperfeiçoaram os serviços de delivery. Cresceu a venda no varejo. Floristas já eram pioneiros em entrega de flores em domicílio, mesmo à distância. Agora, ganharam uma escala maior e mais sofisticada.

Após as perdas, as vendas de 2021 superaram as de 2020 e, em alguns segmentos, até de anos anteriores. A demanda cresceu. Maio é um mês das flores, com o Dia das Mães. Junho também, com o Dia dos Namorados. As duas festas somam quase 40% das vendas ao longo do ano. Aqui, o Dia dos Namorados é na véspera da festa de Santo Antônio, e não no dia de São Valentino.

Associar flores, namorados e Santo Antônio é natural. Ele foi um pregador culto e apaixonado, com grande devoção aos pobres. Veneradíssimo no Brasil como o santo dos amores e dos casamentos, ele abre o ciclo das festas juninas. Ao tornar-se monge, ele adotou o nome Antônio ou “flor nova”, anto nous: do grego ánthos “rebento, broto, flor”, presente em antúrio, e da expressão latina novus “novo”. Antônio foi mesmo uma nova floração para o Cristianismo na Europa e um expoente da Ordem dos Franciscanos.

Flores decoram imagem de um santo católico
Flores decoram imagem de Santo Antônio | Foto: Reprodução

Na floricultura, todo dia se planta e se colhe. A busca da perfeição é absoluta. Não pode haver defeito ou mancha nas flores. Se não, são descartadas. Esse perfeccionismo é associado à sustentabilidade. Nas estufas, se a temperatura sobe demais, o floricultor a resfria, e vice-versa. A água gerada pelos sistemas de refrigeração ou das chuvas é recuperada e utilizada na produção. Cada vez gasta-se menos água por vaso produzido, graças à eficiência dos sistemas de irrigação, à gestão dos melhores horários para irrigar etc. O setor investe muito em energia solar. Teme falta de energia ou um fornecimento de má qualidade, capaz de comprometer seus equipamentos sofisticados.

Em São Paulo, a Feira Internacional de Paisagismo, Jardinagem, Lazer e Floricultura reúne mais de 200 expositores nacionais e internacionais. Outros cartões-postais da floricultura são a Expoflora, em Holambra (SP), e a Festa das Flores de Joinville (SC). Esses eventos técnicos e turísticos reúnem milhares de produtores, fornecedores de equipamentos, insumos e centenas de milhares de visitantes. Como as feiras agropecuárias e as de peão, as festas das flores são vitrines para o consumidor urbano da potencialidade da agropecuária e dos pequenos agricultores tecnificados.

Uma frase conhecida dos floristas foi adotada por muitos. As flores transformam uma casa em lar. Vale para o agro e para o país.

Flor Pink Rose, em Holambra | Foto: Tamy Atamay/Shutterstock

Leia também “O Brasil não precisa importar trigo”

Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Vacina chinesa, não! Percival Puggina

Discute-se se o Brasil deve, efetivamente, comprar milhões de doses da vacina chinesa. Sem a menor intenção de magoar a sensibilidade do governador João Doria, que tem revelado particular afeição pelos interesses chineses no Brasil, quero proclamar minha completa aversão a esse negócio. Aplica-se a ele a regra segundo a qual jamais compre mercadoria que venha empacotado por algum partido comunista.

Ao que se sabe, há duas hipóteses para a origem do coronavírus. Ou ele em suposta teoria da conspiração - é produto de algum laboratório chinês, ou ele surgiu daqueles hábitos alimentares em que seres humanos acabam metabolizando insetos e animais silvestres com constante risco de trazer à humanidade doenças para as quais não temos imunidade.

A origem desses péssimos costumes é conhecida. Eles foram adquiridos nos tétricos episódios de fome impostos pelo Partido Comunista da China ao povo chinês. Ainda que seja motivo de pesar, é imperdoável que, sabido o alto risco que eles representam, nada tenha sido feito para extingui-los. Num mundo globalizado, não há limites para a expansão de novas pandemias. Portanto, a responsabilidade do PCC é indiscutível, como indiscutível é sua condição de soberano senhor do povo de seu país. Pode-se discutir a maior ou menor responsabilidade moral do Partido numa e noutra hipótese. Mas não se pode pôr em dúvida a responsabilidade.

As suspeitas se foram tornando mais incisivas quando a revista Exame, em matéria do dia 1 de setembro (1), constatou que dezenas de economias nacionais estavam acusando quedas drásticas do PIB. Entre elas, Índia, Brasil, Estados Unidos, Japão e praticamente toda a Zona do Euro. Enquanto isso acontecia no mundo das vítimas, a China, “por haver controlado rapidamente a epidemia”, logo voltou a crescer. Em abril, o jornal El País (2), sobre cuja posição política não pairam incertezas, publicou matéria listando reações de governos europeus, notadamente França e Reino Unido, cobrando responsabilidades do governo chinês:

“Esperamos que a China nos respeite, como ela deseja ser respeitada”, declarou na segunda-feira o ministro francês de Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian. “Nada pode voltar a ser como antes” enquanto a China não esclarecer de forma cabal tudo o que está relacionado com o vírus, observou na semana passada seu homólogo britânico, Dominic Raab.

A interessante matéria destaca, ainda, uma guerra de narrativas, com a qual, propagandisticamente, a China exibe suas remessas de material médico e de enfermagem ao Ocidente, enquanto silencia o fato de haver o Ocidente feito o mesmo quando o problema se manifestou em Wuhan. A BBC, em 28 de julho, divulgou matéria em que médico chinês afirma haver, em 12 de janeiro, informado as autoridades chinesas sobre a transmissão humana do vírus. O alerta, contudo, só foi levado ao público em 19 de janeiro (3).

Por isso, penso que o PCC, soberano senhor do povo chinês, repito, deveria oferecer sua vacina de graça à humanidade. E a humanidade deveria devolver a mercadoria. Alias, gostaria que o presidente da República enviasse uma dose dela para os jornalistas que o recriminam por sua atitude de resistência. Quantos realmente iriam usá-la?
Enfim, a China deveria indenizar a humanidade pelo estrago que fez, deveria usar seu aparelho tecnológico para extinguir os riscos que provenientes dos maus hábitos alimentares de alguns de seus cidadãos, ou dos ensaios empreendidos por eventuais “doutores Nirvana” de seus laboratórios. Jamais, jamais, ganhar dinheiro vendendo vacina às vítimas do vírus que veio de lá.


Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


segunda-feira, 13 de maio de 2019

Os vencedores levam TUDO e Eu estou devolvendo meu revólver

Os vencedores levam tudo

Governos passados nos tiraram a esperança e alguns bilhões de dólares. Bolsonaro ameaça tirar pedaços vivos do Brasil

Mas que briga é aquela que tem acolá? É o filho do homem com o seu general. Não pretendo analisar uma luta interna no governo, cheia de insultos escatológicos. 

Pergunto apenas se vale a pena tantos militares no governo, com ataques permanentes contra eles e uma certa ambivalência de Bolsonaro. Se a ideia é apanhar pelo Brasil, talvez não seja a melhor aposta. O risco de desgaste das Forças Armadas é grande. E os resultados até agora, desanimadores.  Os termos que certos setores do bolsonarismo colocam são, na verdade, uma armadilha. Não respondê-los significa um silêncio constrangedor para quem participa do mesmo projeto de governo. Respondê-los é cair numa discussão de baixo nível, um filme onde todos morrem no final.

A única experiência que tive com Olavo de Carvalho foi um trecho de seu livro O Imbecil Coletivo. Nele, Olavo diz que não tenho competência nem para ser sargento do Exército de Uganda ou do Zimbábue, não me lembro.  Foi há muito tempo. Minha reação foi esperar que o Exército de Uganda, ou o do Zimbábue, protestasse. Como não disseram nada, também fiquei na minha. [de nossa parte nunca decidimos perder tempo lendo qualquer coisa do aiatolá de Virginia; 
depois do seu estúpido festival de insultos escatológicos, decidimos 'decididamente', pela prática do já gasto: não li e não gostei.]
 
Todo esse vespeiro no governo Bolsonaro é também resultado da fragilidade da oposição. Mas, observando as consequências, percebo que o Congresso vai preenchendo o vazio de poder não para oferecer uma alternativa mais sensata à sociedade, mas para garantir um retrocesso no aparato de controle da corrupção. Um dos pilares da Lava-Jato é a integração das instituições. O Congresso quer impedir que a Receita Federal e o Ministério Público compartilhem informações. Numa comissão da Câmara, tiraram o Coaf das mãos de Moro, um outro desmanche dos pressupostos da Operação Lava-Jato.

E não é só o Parlamento. O STF sente-se mais tranquilo para blindar os deputados estaduais, que só podem ser presos com autorização das Assembleias. Algo que sabemos muito improvável. Outro passo: autorizar anistia para crimes de colarinho branco, validando o decreto de Temer. [aqui pedimos vênia para discordar do ilustre escriba: 
O STF apenas confirmou que o presidente da República pode exercer atribuições que a Constituição Federal, estabelece como sendo privativas do chefe do Poder Executivo Federal.
Se a Constituição não limitou tais poderes, eles não podem ser revogados, exceto por 'emenda constitucional'.] 
 
Bolsonaro se apresentou com a bandeira anticorrupção. No entanto, no mundo real, há vários indícios de retrocesso. Não houve competência nem para evitá-los, quanto mais avançar numa agenda que interessou a milhões de eleitores. Os tropeços de Bolsonaro e dos seus ardentes defensores abrem um espaço de poder, até agora percorrido pelo Congresso com seus objetivos claros.  Enquanto isso, ele se diverte dando tiros de retórica. Ele prometeu que vai fazer de Angra dos Reis uma Cancún brasileira. São ideias de quem está no mar e pisou pouco em terra firme, nos morros e favelas de Angra.

Esta semana, houve tiroteio, dias depois da passagem do governador Wilson Witzel. Ele foi a Angra num helicóptero e disse: “Vou acabar com a bandidagem”. Deu uns tiros, inclusive em tendas de oração, felizmente desertas, hospedou-se num hotel de luxo e voltou para o Rio. Outra fixação de Bolsonaro é acabar com a Estação Ecológica de Tamoios, próxima ao lugar onde foi multado por pesca. Estação ecológica é de acesso limitado aos cientistas porque é uma permanente fonte de pesquisa.

No passado, critiquei publicamente o senador Ney Suassuna, que comprou um barraco de um posseiro dentro da Estação de Tamoios e nela queria construir sua mansão. Uma década depois, a ideia do senador acaba se impondo sobre a minha. Cancún implica construir muitas , e mandar para o espaço nossa riqueza biológica concentrada ali naquela unidade de conservação.  A política de meio ambiente de Bolsonaro parte da negação do aquecimento global, e em todas as áreas ambientais tem dado sinais negativos. O consolo é que há mais gente lutando para proteger seu território. No entanto, certos danos podem ser irreversíveis. O licenciamento de agrotóxicos é o mais liberal da história, num momento em que o mundo se preocupa não apenas com a saúde humana, mas também com o desaparecimento das abelhas, dos insetos e das borboletas.

O processo vai ser acentuado também no Brasil. E, sem abelhas, como é que vão polinizar nossas plantas? Dando tiros de espingarda? Se apenas brigassem entre si, os bolsonaristas provocariam menos danos que a briga permanente do governo contra a natureza.
Governos passados nos levaram a esperança e alguns bilhões de dólares. Bolsonaro ameaça levar pedaços vivos do Brasil.

Fernando Gabeira (publicado no Blog do Gabeira)
Eu estou devolvendo meu revólver

Eu estou oferecendo de bel grado, a quem quiser e estiver com o dedo coçando, a arma que o decreto presidencial me outorgou como sendo de direito e tiroteio. Matem-se a gosto com a minha Taurus. Teçam à queima roupa suas considerações finais sobre como vai a humanidade e como é vil o vizinho da cobertura – tudo agora com o beneplácito cidadão do cano quente oferecido pela legalidade bolsonara. Metam bronca uns nos outros. A justiça, sempre tão cágada, terá agora a urgência necessária.

Peço apenas que o futuro portador de minha Glock, por gratidão a este que ora lhe faz tamanho bem, não atire de imediato no jornalista. Breve, uma vírgula mal colocada, uma opinião pelo avesso, e este aqui fará por merecer o arrebite corregedor. Por enquanto, me deixe acabar o texto. Guarde-se para mais adiante o inevitável estampido da justiça Magnum.  A nova lei privilegia jornalistas da cobertura policial, o que, admito, não é inicialmente o meu caso. Sou um anotador de irrelevâncias, especialista no que antiga seção da Veja – e eu era repórter exclusivo dela – chamava “Vida Moderna”. Faz tempo. Acabaram com a editoria. Vida moderna no Rio se limita aos novos armamentos com mira telescópica que chegaram ontem ao porto, malocados num contêiner.

Toda cobertura jornalística no Rio tem viatura de luzes vermelhas piscando e policial esculachando geral. Matava-se de amor no Largo do Estácio. Hoje, na área de Cultura, acabaram de prender na Penha, sob suspeita de tráfico, o DJ do Baile da Gaiola, o mais interessante acontecimento musical da cidade. A polícia também esteve na editoria de gastronomia e, pelo crime de notas frias para ajudar a corrupção do governador, levou o chef do japonês do Leblon.

Por isso, transformado em repórter policial pelas evidências da cena carioca, eu me enquadraria na ordem bolsonara de portar uma Smith&Wesson 9mm. Poderia cumprir pautas com segurança. O coldre ostensivo sobre a barra da calça jeans talvez me fizesse soar mais convincente diante da fonte que, a princípio , balbuciasse o clichê do nada a declarar. Neste faroeste caboclo, bastaria rodar o tambor da Beretta e o lead viria já na primeira pergunta.

Fiz entrevistas com Bezerra da Silva no Cantagalo e numa delas o sambandido me cantou em primeira mão um samba da pesada: “Você com um revólver na mão é bicho feroz/ Sem ele anda rebolando e até perde a voz”. Eu agradeço o esforço bolsonariano de permitir  ao repórter policial mirar no exemplo do supremo mandatário e, se assim lhe aprouver, matar dentro da lei – mas melhor não. Jornalistas portam perguntas, puxam gatilhos de dúvidas, ricocheteiam ideias, fazem saraivada de investigações e, armados de persuasão, disparam críticas. Nada que deixe cheiro de pólvora na mão. A propósito, aos que quiserem se atirar no novo bang-bang civilizatório, eu ofereço as cinco mil munições do calibre mais arrombador, outra gentileza decretada como salvaguarda e manutenção da paz. Metam-se bala sem parcimônia. Tô fora.

Jornalista no faroeste brasileiro quer apenas o direito de poder chegar no meio do saloon e repetir o forasteiro que Clint Eastwood interpretou em “O estranho sem nome”. Depois de constatar o estado lamentável do estabelecimento, a desordem geral da espelunca, Clint Eastwood se fez curto e grosso: “Está na hora deste lugar mudar de xerife”.

Joaquim Ferreira dos Santos - O Globo
 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Cracolândia pode, mais uma vez, ficar na mira da polícia. Tráfico de drogas tem que ser tratado da mesma forma que na Indonésia

São quase quatro horas da tarde na região central de São Paulo quando uma mulher de cabelos vermelhos começa a gritar:Tá liberado, gente! Pode vir!”. Foi a senha para que centenas de usuários de crack que se aglomeravam no primeiro quarteirão da rua Helvétia começassem a se espalhar por um pequeno trecho da alameda Cleveland e montassem novamente suas barracas de lona na calçada. A movimentação era acompanhada de perto por quase uma dezena de guardas municipais e pelo capitão Renato Gomes da Silva, homem de confiança do prefeito Fernando Haddad.

A mudança dos usuários na região conhecida como Cracolândia se repete todos os dias, pela manhã e pela tarde, quando um caminhão da Prefeitura encosta no local para lavar o chão com jatos de água de alta pressão. Ela é resultado de um acordo feito entre o poder municipal e os usuários, que se organizam sozinhos para dar passagem à limpeza. Minutos antes, o capitão Renato, uma espécie de coordenador da massa, conversava com as lideranças do fluxo, como é chamado o local onde ocorre o consumo intensivo do crack, para acertar detalhes de uma reunião que teriam com representantes de uma empresa que revitalizará uma parte da área. Tudo amistosamente, num cenário que nem de longe lembrava a intervenção violenta da polícia ocorrida anos antes.

A diferença de postura do poder público, que há décadas tenta encontrar a fórmula para atuar de forma eficaz na área, ocorreu com a chegada do Programa De Braços Abertos, da Prefeitura. Uma ação focada na redução de danos, que há um ano passou a oferecer três refeições diárias, trabalho acompanhado de um salário de 15 reais ao dia, tratamento e uma vaga em um quarto de hotel para cerca de 400 moradores fixos da cracolândia, que viviam em 178 barracos de madeira montados na rua. O resultado, segundo dados da prefeitura, foi uma diminuição do fluxo -dos 1.500 usuários registrados por dia para 300, um dado influenciado também pelo alto índice de prisões por tráfico (um aumento de 83%); a realização de 54.000 atendimentos de saúde e um número mais tímido de pessoas “emancipadas”- 21 deixaram o programa para trabalhar em outras atividades. Também houve percalços: um dos oito hotéis credenciados foi retirado do programa por más condições. Nos outros, há registros de falta de camas, de água e infestação de insetos.

O projeto parecia correr bem até que, nesta semana, a Prefeitura deu um passo que preocupa as entidades que atuam na área. Haddad se encontrou com o secretário de Segurança Pública do Estado, Alexandre de Moraes, com quem estabeleceu um acordo. A gestão municipal passará todas as imagens gravadas na região durante o último ano para que a polícia civil possa investigar a existência do tráfico na região e prender os traficantes. Luciana Temer, secretária de Assistência Social da Prefeitura, diz que a decisão foi tomada porque as equipes de saúde e de assistência  estavam sendo proibidas de trabalhar pelos traficantes. “Temos notado uma mudança no comportamento do fluxo. O pequeno comércio de droga estava se tornando um grande comércio e havia um impedimento de que as equipes entrassem no local.”

Moraes garante que agora a operação policial será diferente das feitas anteriormente, quando policiais militares atiraram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra a massa de usuários, alguns sem força alguma para fugir, para dispersá-los da área e prender os traficantes -a chamada Operação Sufoco, feita em janeiro de 2012, resultou na criação de mini-cracolândias pela região central. “Queremos asfixiar a chegada da droga no local. Quando ela deixar de chegar, as pessoas que querem o tratamento vão procurar”. 

Será uma ação de inteligência, não de força, disse. “O problema é que o que eles chamam de traficantes também são os usuários, que vendem a droga para poder consumir. As mesmas pessoas que recebem o cuidado são as que recebem a repressão e isso prejudica o vínculo criado com o trabalho”, diz Bruno Ramos Gomes, coordenador da ONG É de Lei, que há 12 anos atua no local. “Criar o vínculo de confiança demora porque essas pessoas já sofreram muito. O De Braços Abertos parecia ser uma quebra de paradigma, mas no momento em que a prefeitura insiste na abordagem com a polícia, ela se contradiz com a prática da redução de danos, onde a droga não é o foco do problema”, diz Raul Nin Ferreira, defensor público do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, que acompanha a atuação do poder público na região.

A relação é de fato complicada. No último dia 26 de janeiro, a prisão de uma mulher apontada como uma das maiores traficantes da área acabou em um confronto, entre policiais e usuários que a defendiam. Para os críticos da parceria, a atuação da polícia poderá espalhar os usuários mais uma vez, colocando fim ao trabalho do programa. Enquanto enfrenta dúvidas sobre seu futuro na cracolândia, o De Braços Abertos deve se expandir. Mais quatro regiões da cidade receberão unidades móveis que também atuarão dentro dos fluxos. As áreas ainda estão sendo definidas.

Fonte: El País

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