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terça-feira, 5 de julho de 2022

Jogos de cena! - Percival Puggina

No último dia 2, vivi um ato penitencial assistindo a sequência de infortúnios do jogo entre Ceará e Internacional. Sim, sim, leitor: gosto de assistir bons jogos de futebol e sou torcedor do Internacional.

Enquanto as atropeladas e as infrações coletivas se sucediam com vigorosas reciprocidades e degeneravam em trombadas e empurrões, ficou nítida, para mim, a analogia entre o visto em campo e o observado dentro e fora das “quatro linhas” de nossa institucionalidade.  

No gramado do Castelão, minutos antes do final do jogo, o comentarista já contabilizava 40 infrações (após, houve várias outras e uma expulsão), perfazendo média de uma a cada 2 minutos. Basicamente, é o que acontece no Brasil, onde membros do Congresso Nacional e do STF jogam contra a sociedade, chutam-lhe as canelas e atropelam a ordem jurídica em casuísmos de fazer inveja ao general Golbery.

No gramado, atletas encenavam, frequentemente, aquela coreografia costumeira destinada a impressionar a arbitragem e a torcida. Cobriam os rostos aos berros, como se tivessem os olhos vazados, ou, se o choque era contra o corpo, rolavam sobre si mesmos várias vezes. Se isso não chamasse toda a atenção pretendida, voltavam a acrescentar mais duas ou três voltas sem que qualquer força externa os movesse da posição anterior. Jogos de cena.

Na cena política, notórios ladrões proclamam sua honestidade. Maus julgadores explicam o insustentável dizendo agir contra riscos inerentes a uma sociedade de bárbaros. Atacam liberdades alegando defender a democracia, logo ela, que nasce da liberdade e definha em sua ausência. Jogos de cena.

Como os inquéritos no STF sobre atos antidemocráticos tramitam em sigilo, a gente não sabe por que, há três anos, rolam em campo, queixosos, alguns senhores ministros. Jogos de cena.

Durante a votação da PEC que estabeleceu estado de emergência para auxílios a caminhoneiros, motoristas, famílias carentes, etc. vários senadores oposicionistas também rolaram em campo. 
Diziam-se agredidos em suas mais nobres e rígidas convicções sobre uso do dinheiro público... 
Apelidaram a PEC de “Kamikaze”. 
Acusaram o governo de populismo eleitoreiro. 
No final, de modo hipócrita, aprovaram-na em dois turnos com apenas o voto em contrário do senador José Serra
Pelos mesmos motivos do governo, apoiaram a PEC que coreograficamente rejeitavam. Jogos de cena!

É o futebol que imita a política ou é a política que imita o futebol muito mal jogado?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Decadência - Militância delirante quer incluir crianças em bares proibidos para menores de 18 - Madeleine Lacsko

Gazeta do Povo

Reflexões sobre princípios e cidadania

Madeleine Lacsko

A sensacional história do bar Miúda, que falou todEs até dizer chega mas foi cancelado até pelos grandes veículos de imprensa quando agiu certo.

Sim, o bar é isso mesmo. Um estacionamento com chão de brita com umas cadeiras de praia.

Sim, o bar é isso mesmo. Um estacionamento com chão de brita com umas cadeiras de praia. -  Foto: Instagram

"Eu só consegui me dar conta da violência que tinha sofrido quando entrei no carro e pude chorar à vontade". Essa frase faz parte de reportagens publicadas na imprensa nacional. Lendo isso, que história você imagina? Vou adiante com mais uma pista. "A cena do meu filho segurando a minha mão, com olho lacrimejando, na porta do Miúda, não foi fácil de elaborar". Que coisa terrível teria ocorrido com a criança de 5 anos?

Antes de tudo é necessário um esclarecimento: o que é o Miúda? É uma das maiores provas de que, enquanto houver otário, malandro não morre de fome. Pegaram um estacionamento, espalharam cadeira de praia e luz de neon num piso de brita, improvisaram mesa com caixote de supermercado e cobram R$ 90 por uma cachaça e duas cervejas long neck.

A foto que ilustra esta coluna é do Miúda. O bar exige comprovante de vacina para entrar e também o RG. Menor de idade não entra de jeito nenhum porque os donos do estabelecimento sabem que não é ambiente seguro para criança.  
Se você vê a foto e lê as declarações da mãe, já sente aquele aperto no coração. Será que alguém escapou daí de dentro e atacou a criança? 
Não, a mãe é que queria enfiar a criança aí. 
Não conseguiu e agora o jornalismo kamikaze diz que é discriminação. 
O parque de areia antialérgica está em polvorosa.

Quantas pessoas realmente morreram de Covid-19 na China? Expondo as mentiras do Partido Comunista

O “direito processual penal criativo” do STF

A história saiu primeiro no Universa, do UOL, depois no Nexo e então se espalhou para G1, Metrópoles e Veja São Paulo. Quando saiu na revista especializada Pais & Filhos, considerei prova científica da imbecilização do jornalismo tupiniquim.  

Todas as publicações partem de uma mentira, um erro factual que compromete a conclusão. A informação de que o estabelecimento "não aceita crianças" é diferente da realidade. Ele só aceita pessoas comprovadamente maiores de idade. Isso não é um detalhe.

A partir de uma distorção proposital, as publicações entrevistam especialistas induzidos a erro. 
A situação apresentada a eles é como se fosse, por exemplo, um restaurante ou um bar com ambiente familiar que decidiu não receber crianças. 
Muitos estabelecimentos fazem isso no mundo todo, tem até hotel que não aceita crianças. E realmente existe uma discussão sobre essa prática. Ocorre que não é esta a situação.

Suponha que você queira levar seu filho de 5 anos ao Café Photo, ao Bahamas, a um motel ou a um clube de swing
Não vai entrar, são estabelecimentos proibidos para menores de idade. Aliás, não precisa nem ir tão longe. Tente levar seu filho de 5 anos à área de musculação de uma academia de ginástica. Não vai entrar também, é perigoso para criança. 
Essa era a situação e não foi essa a exposição feita pelos jornalistas aos entrevistados.
É assim que chegamos a pérolas em defesa da presença de crianças nos ambientes proibidos para menores. "O artigo 5º da Constituição Federal aponta que todos são iguais perante a lei, além disso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) também determina que é direito das crianças o convívio comunitário", disse um especialista consultado. Seria essa a fala dele caso fosse informado que o local exige comprovação de maioridade para entrar? 
Não sabemos. Só sabemos que isso chama jornalismo kamikaze.

Há uma diferença importante entre colunistas e repórteres. Colunistas, como eu, expõem sua opinião e têm princípios e métodos diferentes. Alguns nem jornalistas são. Repórteres não, eles reportam fatos. 

Quando grandes veículos têm repórteres que pensam ser colunistas numa jihad pela inclusão, o jornalismo comete suicídio. Se não é possível confiar na apuração dos fatos, as pessoas passam simplesmente a ouvir as opiniões de que mais gostam e ponto final, adeus realidade objetiva.

E há também um componente preocupante de infantilidade e total incapacidade de avaliar a diferença entre violência e regra. Dizer não é sempre uma violência. Não importa o que a pessoa faça, ela vai sacar da manga uma carta qualquer de minoria oprimida que lhe dará o free pass de fazer o que quiser. A tendência do público nesse caso será de crucificar a mãe. Só de olhar a foto do lugar a gente já quase pega micose, avalia enfiar uma criança ali. Mas é o jeito dela de viver e quem já teve filho dessa idade sabe como a gente fica cansada e às vezes julga mal.

Não dá para levar criança num lugar sem antes se informar como o lugar recebe crianças.
Mas eu já fiz isso, você provavelmente também, quem nunca? Ela pensou que ia ter um momento de diversão com os amigos, preparou tudo na gambiarra e ficou frustrada porque não deu certo. Talvez tenha ficado irritada, postou na rede social, tudo bem.

Suponhamos que tenha amigas jornalistas, ficou revoltada porque ainda não se acostumou à vida de mãe, queria muito ir ao pé sujo da moda, resolveu desabafar com uma delas. Vai que ela pega pilha e a chata do bar recebe o que merece. "Mãe solo vive sendo discriminada, nem isso eu posso". Como desabafo de uma amiga frustrada, normal. Mas quem é a mente genial que resolve fazer disso uma reportagem?  

Não falo aqui de opinião, coluna, blog, mas de reportagem nos principais jornalísticos do país. É a falência intelectual completa.

O labirinto mental do identitarismo (ou wokeísmo)
Entender o sistema de crenças que nos leva a esse nível de imbecilização é fundamental para que nós possamos reverter esse processo. Um dos pontos mais importantes é nunca ceder a nenhum capricho do identitarismo por mais besta e inofensivo que ele pareça. Pedir desculpas pelo que não fez, por exemplo, não adianta e não pacifica nenhuma situação.

Esse grupo vê tudo no mundo a partir da perspectiva de um grupo de opressores e outro de oprimidos, que muda conforme a situação. Não existe exatamente uma lógica. Preconceitos que realmente existem, como o racismo, serão submetidos a uma distorção completa. De repente, não dizer publicamente que uma frase de alguém é racista passa a ser racismo. Mesmo se a frase não for racista.
É um sistema de poder e controle por meio do bullying e do ataque em massa. O identitarismo é uma crença que cobre pessoas más com o manto da superioridade moral. Assim, elas podem cometer todas as perversidades com as quais sentem prazer sem peso na consciência e sem ônus social.

No caso específico, qual é o raciocínio? Uma pessoa que provavelmente não aprendeu a respeitar regras ou a ouvir não tentou uma gambiarra parental. Não deu certo, ela fica frustrada. E agora? Ali é praticamente um santuário do identitarismo, com linguagem neutra em todos os cantos, conversinha mole sobre inclusão entre drinks de R$ 90 e adoção completa da fluidez de gênero até para pets.

Não importa o quanto você ceda ao identitarismo, sempre poderá ser um alvo. E isso ocorre porque a sua adesão não modifica a realidade, apenas serve para assegurar a você que você tem superioridade moral. O Miúda é inclusivo ou não? Ninguém sabe porque a avaliação não depende de dados objetivos, como incluir pessoas ou não. Depende de usar gênero neutro, gostar de bicicleta, ter cabelo colorido, essas coisas.

Barrada na porta com o filho de 5 anos, a moça pensou qual minoria ela poderia representar. É a chave para virar notícia hoje, em que o moralismo de quinta categoria e a dramatização transformam qualquer regra em violência. 
Bom, ela é mãe solo. Basta lançar a carta que as mães solos são excluídas pelo bar que se diz tão inclusivo. Pronto, ninguém vê mais nada. É praticamente a reencarnação do Hitler.

Um grupo de pessoas pode escolher viver assim. O direito à alienação e à imbecilidade é universal e irrevogável. O problema é quando essa começa a ser a pauta do noticiário de grandes veículos nacionais. Esqueçam os fatos, vamos olhar quem é a minoria e contar a história de um jeito em que negar qualquer capricho da pessoa seja um ato de violência.

O mais curioso é que não estamos falando nem de violência nem de minoria oprimida mas este é o coração de todas as reportagens sobre o assunto: discrimina mães solo. 
Se a pessoa faz parte da seita do identitarismo, será praticamente obrigada a endossar essa insanidade nas redes sociais. Caso não faça, será xingada do mesmo jeito que o Miúda está sendo xingado agora. Mas isso não impede que ela seja xingada amanhã.
 
As redações dos principais veículos brasileiros estão coalhadas de adeptos da seita do identitarismo.  
São pessoas que dão como fatos coisas como racismo estrutural, cultura do estupro e necessidade de descolonização da cultura. 
Eu não vejo problema em estarem nas redações nem em escreverem colunas. 
É como se eu escrevesse colunas sobre a fé cristã relatando minhas experiências de fé. 
Para mim, elas são reais: encontros inesperados, revelações impossíveis, salvações de último minuto, coincidências que parecem de filme.
 
Mas seria diferente eu me meter a fazer uma reportagem, por exemplo, sobre um sequestro. 
Lá pelas tantas eu digo que Nossa Senhora Desatadora dos Nós intercedeu pela vítima e revelou a um investigador a localização do cativeiro. 
Não teria revelado ao delegado, que estava até mais perto, porque ele é ateu. Essas reportagens do bar foram feitas exatamente dessa forma.

Quando vão chamar os adultos de volta para o jornalismo? Termino com uma frase de um anônimo que vi ontem no Twitter: "se 10 pessoas estão sentadas numa mesa de bar, chega uma criança e ninguém se levanta, há 11 crianças sentadas numa mesa de bar".

Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

STF x Bolsonaro - O vídeo kamikaze do STF - Gazeta do Povo

Madeleine Lacsko

Ao tentar desmentir Fake News usando técnica que não funciona, STF entra em colisão com o Executivo.

STF publicou hoje em suas redes vídeo que tenta desmentir Fake News, mas a emenda fica pior que o soneto.

Eu estava toda radiante com a medalha de prata da Rebeca Andrade, daí me mandaram um link com uma postagem do STF. E eu só fiquei pensando por que cargas d'água alguém resolve cometer um desatino desses e justo hoje.   
 
 
Fiz parte da equipe que criou as redes sociais do STF, durante a presidência do ministro Gilmar Mendes, entre 2008 e 2009. A documentação interna produzida pela equipe para atuação nesses canais tinha a maior preocupação com institucionalidade. Ali não é o canal do Felipe Neto ou do MBL, é a Suprema Corte de um país.  
Aliás, fosse canal de YouTubber, pelo menos a edição, sonorização e locução do vídeo postado hoje seriam mais profissionais.

Há um conceito que aprendi naquela oportunidade profissional, o da magnanimidade na posição institucional. Ministros do STF são pessoas e, embora não seja o que se espera deles, podem entrar em embates pessoais de todo tipo de natureza, inclusive pela imprensa. A Suprema Corte de um país jamais entra em bate-boca ou intitula-se dona da verdade. É um caminho kamikaze numa hora grave.

A magnanimidade é o posicionamento necessário tendo em vista que o STF deve ser o guardião da Constituição Federal e é peça chave no sistema de freios e contrapesos dos Poderes da República. É fato que há uso político da disseminação de uma mentira sobre decisão do STF. No entanto, uma investida atabalhoada e pouco institucional só piora as coisas. O presidente da República adotou a lenha botada na fogueira e já jogou mais gasolina. Diz que o STF cometeu crime. Ou seja, o STF virou ator político e o presidente da República virou juiz. Você pode odiar o STF e os ministros, mas a instituição Suprema Corte é o que garante o equilíbrio de um sistema político.

Num exemplo prático: qual a diferença entre a Venezuela e a Bolívia? Hugo Chávez conseguiu convencer o povo a implodir o "STF" deles, Evo Morales tentou mas não conseguiu. A Suprema Corte venezuelana tinha problemas sim, aliás bem piores que os nossos. Ocorre que poder não admite vácuo. Assim que se retiram os freios e contrapesos, os políticos ocupam este espaço de poder sem pedir licença. O resultado é sempre imprevisível. O vídeo começa dizendo uma frase do propagandista do nazismo, Joseph Goebbels: uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Questiona a afirmação e responde de forma absolutamente pueril que isso não acontece. Então não aconteceu no Holocausto? 
As mentiras repetidas mil vezes não viraram verdade? Seria cômico se não fosse trágico.
Termina com uma hashtag que nem sei como comentar, foi como jogar álcool em gel nos meus olhos: #VerdadesDoSTF. Em primeiro lugar, o STF não decide o que é verdade, decide o que é constitucional. Depois, o STF não é dono da verdade.  
A hashtag pode induzir a leitura dúbia, a de que alguns fatos seriam verdadeiros só para o STF.
 
O vídeo Kamikaze do STF
 
O grande problema do vídeo, no entanto é o negacionismo científico. Há publicações científicas mostrando que duas coisas não funcionam na era da Cidadania Digital, a que vivemos hoje:
1. Contrapor fatos para estabelecer a verdade em grupos que já divulgam Fake News.
2. Utilizar interlocutores em que um grupo não confia para contestar suas "verdades absolutas".

O vídeo do STF faz as duas coisas e com dinheiro público.
Fosse uma peça poderosa de comunicação, capaz de acabar com a lenda urbana mentirosa do STF tirando poderes do presidente da República, talvez até valesse avaliar o risco institucional. Ocorre que a peça é um tiro no pé, só serve para gerar mais suspeição sobre a Suprema Corte nos grupos que já não simpatizam com ela.

Isso não sou eu quem estou dizendo, é a ciência. Ignorar fatos científicos porque eles não encaixam na nossa narrativa nunca acaba bem. Todo mundo tem um amigo ou parente que entrou em paranóia por causa de grupo de Whatsapp ou de internet. Eles cismam com uma coisa e danem-se os fatos. Na comunicação há um grupo parecido, aquele que acredita na possibilildade de desmontar Fake News com fact checking. A ineficácia de fact checking para quem acredita ou compartilha Fake News é um fato científico, não uma opinião minha ou de outra pessoa. Poderia passar o dia empilhando estudos feitos com método científico que comprovam este fato. Vários deles estão compilados no livro Psychology of Fake News, da editora Routledge, que custa quase mil reais mas está de graça no Kindle do Brasil.

Como já trouxe aqui na coluna o último estudo do Jay Van Bavel sobre o tema, além de inúmeros outros, trago hoje o da Briony Swire-Thompson. Ela é uma pesquisadora das universidades Northwestern e Harvard dedicada exclusivamente a compreender por que algumas pessoas não podem ser convencidas por fatos e quais as melhores formas de abrir os olhos desses indivíduos para a realidade.  O estudo publicado há 15 dias traz novidades sobre as formas de trazer à realidade pessoas que acreditam em Fake News. Um ponto importante é que desinformação depende da formação de um grupo fechado. Pessoas que não são respeitadas pelo grupo simplesmente não serão ouvidas. O STF não será ouvido pelas pessoas que distorcem o resultado de um julgamento. É necessário outro interlocutor.

Além disso, falar antes a desinformação para depois corrigir dificulta o processo cognitivo da correção pelo fenômeno da familiaridade. Explico. O vídeo utiliza a negação "é falso que o Supremo tenha tirado poderes do presidente da República". Quem acredita nisso vai ouvir "Supremo tirado poderes" e "presidente da República". O cérebro registra como um conceito familiar e a pessoa agarra-se ainda mais a essa convicção. Familiaridade é mais importante do que os fatos. Campanhas de convencimento utilizam frases afirmativas sempre.

O estudo chamado "Os efeitos de tiro pela culatra após a correção da desinformação estão fortemente associados à confiabilidade" diz que checadores de fatos jamais devem evitar publicar a checagem ou compartilhar com um grupo. É importante que os fatos sejam colocados e a maioria da sociedade tem abertura para evoluir em posicionamentos individuais quando percebe que a questão é mais complexa ou descobre novos fatos. Ocorre que o STF não tem a reputação social de checador de fatos, é de Suprema Corte mesmo, de quem delibera, opina.

Desmentir informações chama-se "debunking" no jargão técnico. É muito menos eficiente em esquemas de desinformação do que o "prebunking", algo que não foi feito. A vacina aqui é mais eficiente que remédio porque o remédio até cura, mas não impede sequelas. É impossível prevenir que se crie uma mentira sobre uma pessoa, um fato ou uma instituição. Restabelecer a verdade, no entanto, não se faz no grito nem no improviso.

Os Poderes da República entram numa guerra infantil sobre quem tem razão e colocam-se uns contra os outros de uma forma cada vez mais assustadora. Não importa quem começou a briga, importa quem entrou nela sem lembrar da responsabilidade que tem. Aprendi em Angola um ditado que nos serve agora: "em briga de elefante, quem sofre é o capim".

Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES