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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Qual o recado de Moraes em fala confusa? - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo - VOZES

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, afirmou que a corrupção vivenciada no país nos últimos anos teve como consequência o retorno de uma "extrema direita com ódio". 
Moraes afirmou ainda que a corrupção no Brasil é uma "chaga" que corrói a democracia. 
O ministro relembrou que o país viveu um "abalo sísmico no mundo político" após a descoberta de diversos casos de corrupção. Isso teria criado um vácuo. "Esse vácuo gerou uma situação de uma polarização, ódio e o surgimento, não só no Brasil, de uma extrema direita com sangue nos olhos e antidemocrática também", tentou explicar. O ministro defendeu que é preciso "aprender com erros". "Temos que nos perguntar por que chegamos a este ponto em que a corrupção perdeu a vergonha na cara e todos os sistemas preventivos falharam", continuou.
 
Não ficou claro como a corrupção no Brasil ajudou no avanço da extrema direita no mundo. 
Mas essa não foi a única parte confusa e estranha da fala do ministro. Todos sabemos que a corrupção de que ele fala se deu nos governos petistas. 
Por que, então, o STF ajudou o ladrão a voltar à cena do crime, como diria Alckmin?  
Por que o próprio Moraes foi tão ativo em perseguir bolsonaristas e ajudar o PT?
 
No mais, se o STF voltou a admitir a imensa corrupção, por que não há qualquer corrupto preso?  
Por que todos foram soltos pelo próprio STF?  
Qualquer reflexão sincera por alguns segundos mostra que Moraes diz algo sem pé nem cabeça
Qual seria, então, o recado dele? 
Que mensagem o poderoso ministro supremo quis transmitir?
 
Ofereço uma tese. Moraes foi filiado ao PSDB, tem foto ao lado de Alckmin e Doria pedindo votos, trabalhou com Alckmin.  
Ele foi indicado ao STF por Michel Temer, vice de Dilma que abandonou o PT para o impeachment salvar o país do petismo.  
Na sabatina de Moraes, o PT ficou contra e o acusou de plágio, pedindo que os senadores barrassem sua ida ao STF. 
Moraes, em suma, não é e nunca foi um petista, mas sim um tucano, um representante do "sistema".
 
Essa turma teve de engolir o sapo barbudo como único remédio amargo para impedir a continuação do governo Bolsonaro, de direita e sem esquemas de corrupção. 
Foi uma escolha pelo "menos pior" na ótica dessa gente. 
Mas nunca foram apaixonados pelo petismo do Foro de SP, que ameaça matar as galinhas dos ovos de ouro que eles tanto apreciam
Para derrubar Bolsonaro, deram as mãos a Lula, mas preferiam Alckmin ou qualquer outro nome de "terceira via".
 
Ao voltar a falar em corrupção e polarização e "extrema direita", parece-me que o recado de Moraes é para petistas. 
O "sistema" não desistiu ainda de dar um pontapé no PT e governar sozinho. 
O discurso visa, em minha opinião, a preparar o terreno para a "direita permitida", aquela que nunca foi direita
Por que Xandão, como é conhecido, nunca vai atrás de tucanos, da turma do Doria, de suas cadelinhas no MBL? 
Por que será?

Rodrigo Constantino, colunista - Coluna na Gazeta do Povo - VOZES


quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O Brasil é menos seguro hoje graças ao STF - Marcel van Hattem

Vozes - Gazeta do Povo

Em entrevista à Gazeta do Povo, o secretário de segurança de Minas Gerais, Rogério Greco, afirmou: "A violência só vai ceder quando o STF deixar a polícia cumprir a sua missão”. 
Ele se referia à decisão de 2020 do STF de restringir operações policiais durante a pandemia e que se estende até hoje (ADPF 635). 
O uso de aeronaves, por exemplo, está praticamente proibido em operações policiais deflagradas em áreas dominadas pelo tráfico. 
Como enfrentar o crime sem que o Estado possa lançar mão dos instrumentos legítimos para tal?
 
O que aconteceu nesse meio tempo foi o inverso: em vez de o Estado vencer o crime, organizações criminosas como o Comando Vermelho carioca e o Primeiro Comando da Capital paulista aproveitaram para se organizar.  
Aliás, ambos os grupos expandiram sua atuação e já estão presentes em todo o território nacional. 
Foram vitaminados durante o período em que o Estado se fez ausente e, agora, praticam o terror com violência inédita onde quer que atuem. Qualquer semelhança com organizações terroristas como o Hamas, hoje aterrorizando o Oriente Médio após quase duas décadas de preparação na Faixa de Gaza sob vistas grossas da comunidade internacional, não é mera coincidência. O crime cresce no vácuo do Estado.

É essencial que a polícia possa agir, dentro da lei, sem medo de utilizar todos os instrumentos que estão a sua disposição contra bandidos.

A população brasileira, que vinha experimentando uma melhora nos últimos anos na segurança pública, vive de alguns meses para cá um intenso processo de venezuelização

É impossível dissociar esta infeliz tendência, como bem apontou Greco, das decisões do STF e, acrescento, da volta ao poder em Brasília do petismo. 
As relações de alas do partido com o crime organizado, inclusive do tráfico internacional, já fartamente documentada pela imprensa, como o caso histórico das relações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs), integrantes também do Foro de São Paulo, são claros agravantes.
O ativismo judicial do STF está tornando o Brasil um país menos seguro, simples assim
Em vez de restringir-se a sua função de Corte Constitucional, o Supremo continua legislando e interferindo na implementação de políticas públicas. Neste caso específico, ao estabelecer um suposto direito de criminosos nas favelas a não serem incomodados em suas atividades delitivas, o tribunal condena populações inteiras a viverem sob o jugo de traficantes e torna-se, em última instância, o verdadeiro algoz do cidadão honesto e trabalhador que paga imposto para que o Estado lhe proveja segurança pública em lugar do convívio com a barbárie.
 
É essencial que a polícia possa agir, dentro da lei, sem medo de utilizar todos os instrumentos que estão a sua disposição contra bandidos que, hoje, em muitos casos dispõem de armamentos mais fortes e eficazes do que o Estado oferece às suas tropas. 
Tampouco podem nossos homens e mulheres de farda temer retaliações administrativas ou judiciais por cumprirem o seu dever que inclui a nobre missão de defender a vida dos civis colocando em risco as suas próprias vidas. 
Ou o STF reverte essa descabida decisão, que privilegia o crime e faz do cidadão seu refém, ou continuaremos assistindo à escalada da insegurança no nosso país.
 
Conteúdo editado por:Jocelaine Santos

Marcel van Hattem, deputado federal - Coluna Gazeta do Povo - VOZES

 


sábado, 23 de setembro de 2023

Aborto ADPF 442: bruxaria no STF - Gazeta do Povo

Vozes - Guilherme de Carvalho

Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento deles
Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.

Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento deles. Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.
Ao retirar o status de pessoa constitucional dos nascituros, o direito à vida só caberia após o nascimento deles. Se acatado pelo Supremo, o argumento dará brechas para pedidos de legalização do aborto até o nono mês de gestação.| Foto: Unsplash

“Tanto para a bruxaria quanto para a ciência aplicada, o problema é como subjugar a realidade aos desejos dos homens, e a solução encontrada foi uma técnica; e ambas, ao praticarem essa técnica, se põem a fazer coisas até então consideradas repulsivas e impiedosas – tais como desenterrar e retalhar cadáveres... A verdadeira finalidade é expandir o poder do Homem para o domínio de todas as coisas possíveis. Ele rejeita a bruxaria porque ela não funciona; mas o seu objetivo é o mesmo da bruxaria.”
(C. S. Lewis, A Abolição do Homem)

No coração do movimento abortista habita uma “bruxaria”:
a afirmação da dignidade humana através da indignidade humana. Trata-se, é claro, de uma contradição, uma ruidosa marcha da liberdade rumo ao nada.

À superfície, é um movimento por “direitos humanos” – direitos das mulheres, especificamente. 
Sua alegação básica é a de que a autodeterminação da mulher se sobrepõe à vida do nascituro. 
Sendo dela o corpo e o ventre, e estando eles a seu serviço, pertenceria unicamente a ela o direito de decidir sobre a continuidade da gestação e, por conseguinte, sobre o direito de existência do nascituro.
 
Direitos versus deveres
O texto da ADPF 442, impetrada pelo PSol, afirma que “hoje, o Estado brasileiro torna a gravidez um dever, impondo-a às mulheres, em particular às mulheres negras e indígenas, nordestinas e pobres, o que muitas vezes traz graves consequências ao projeto de vida delas”. É notória a raiz profunda da ansiedade abortista: o peso de um “dever” da maternidade sobre uma mulher grávida. 
O objetivo da ação, inteira, é ampliar direitos negando deveres: inexistindo um núcleo ético que obrigue a mulher e a sociedade à proteção do nascituro, expande-se a liberdade.

    No coração do movimento abortista habita uma “bruxaria”: a afirmação da dignidade humana através da indignidade humana

Um dos fundamentos da ADPF 442 é um julgado anterior sob o ministro Marco Aurélio Mello, sobre o aborto de anencéfalos, que cabe citarmos aqui: “A criminalização viola, em primeiro lugar, a autonomia da mulher, que corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pela dignidade humana [...] a autonomia expressa a autodeterminação das pessoas, isto é, o direito de fazerem suas escolhas existenciais básicas e de tomarem as próprias decisões morais a propósito do rumo de sua vida [...] Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive a de cessar ou não uma gravidez. Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de Justiça ou um juiz de Direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida?”

Essa é a questão básica: reforçar “o núcleo essencial da liberdade individual, protegida pela dignidade humana”. Essa liberdade, notoriamente, não é qualificada; é liberdade no sentido negativo, como liberdade de “dar rumo à sua vida”, seja ele qual for. 

Não é uma liberdade moralmente qualificada, mas a liberdade do arbítrio, cujo único limite, aparentemente, é o arbítrio do outro. 
Nesse caso, como o nascituro não tem arbítrio, não pode impor qualquer limite. Nesse universo há apenas arbítrios num infinito vácuo moral.


O texto propriamente dito da ADPF 442 é límpido sobre o conteúdo dessa liberdade, no parágrafo 72: “Não importam as concepções de bem íntimas a cada mulher; direito ao aborto é condição para a plenitude de um projeto de vida. Projeto de vida é ter condições sociais e políticas para dar sentido à própria existência, em respeito à ordem constitucional vigente: o respeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é um núcleo essencial do projeto de vida para as mulheres. Mesmo que, por convicções privadas, uma mulher não venha a realizar um aborto, a oferta descriminalizada do serviço de saúde é um ato de neutralidade do Estado em questões morais. A gravidez coercitiva, isto é, a ‘maternidade compulsória’, nos termos de Siegel, representa um regime injusto de controle punitivo com potenciais efeitos disruptivos ao projeto de vida das mulheres.”

A imaginação abortista procede assim:
retirando da gravidez qualquer sentido moral superior, independente da felicidade pessoal, e assim removendo a proteção legal do nascituro em nome da autonomia individual. Para haver liberdade, é necessário que haja diante dela um vazio, um nada. Se for possível provar que algo é, moralmente, um nada, aumenta-se ali a liberdade humana. Arrastando-se o nascituro e a maternidade para o nada, realiza-se a “justiça social reprodutiva”. Pois contra o nada, a liberdade pode tudo. O niilismo fornece as preliminares da bruxaria.

Quanto à alegada neutralidade moral do Estado: uma falácia, evidentemente, uma vez que toda a questão da prioridade da liberdade sexual e da participação no mercado de trabalho sobre outros bens humanos é, desde sempre, uma agenda moral. Instaura-se o liberalismo moral (e com ele, o epicurismo) como a moralidade oficial do Estado. Não é perceptível o cheiro da contradição?

Liberdade versus natureza
Pois bem:
a ministra Rosa Weber postou seu voto de despedida da casa à zero hora de hoje, 22 de setembro. Depois de negar, para todos os efeitos, que a Constituição Federal e os sistemas regional e internacional de direitos humanos forneçam proteção efetiva à vida humana intrauterina (ela nega-lhe o status de pessoa), a ministra passa a seu ponto principal, os direitos das mulheres. Cito os parágrafos 62 e 88: “Gradualmente... a partir da Revolução Francesa, em especial, durante o século 20, o processo de emancipação e libertação das mulheres passou a ganhar espaço e força nos mais diversos locais e nas mais distintas arenas decisórias. Um caminho ainda hoje trilhado, a acarretar maior integração das mulheres à sociedade e o reconhecimento de seus direitos.” (62)

“É preciso reconhecer que a autonomia, entendida como a capacidade das pessoas de se autodeterminarem, ou seja, capacidade dos indivíduos de definirem as regras de regência de sua própria vida particular, consubstancia o núcleo essencial e inviolável do direito à liberdade, que se inclui a liberdade reprodutiva.”

“A autonomia, associada à própria liberdade, é, pois, a aptidão para tomar decisões, escolher os caminhos e direções da própria vida, adotar concepções ideológicas, filosóficas ou religiosas. Em outras palavras, definir, sob os mais diversos ângulos, as características básicas e individuais de cada um, bem como o itinerário a seguir, segundo a consciência particular e única em busca do que se considera viver bem, sem a possibilidade de interferência indevidas por parte de terceiros (seja particulares, seja o Estado).”
(66)

    A alegada neutralidade moral do Estado é uma falácia, evidentemente, uma vez que toda a questão da prioridade da liberdade sexual e da participação no mercado de trabalho sobre outros bens humanos é, desde sempre, uma agenda moral

Embora se argumente que a decisão foi proposta no melhor interesse da proteção do feto e da vida da mulher, é claro que a questão suprema é a extensão da liberdade individual da mulher, de modo que ela possa ter uma participação cívica tão plena quanto a do homem, livre do obstáculo de uma maternidade indesejada. De resto, trata-se da mesma marcha emancipatória moderna, simbolizada pelos ideais da Revolução Francesa: o ideal moderno de personalidade livre. O individualismo expressivo, que temos criticado sistematicamente nessa coluna, nada mais é do que uma versão tardia, ou hipermoderna, desse velho ideal secular.

O pastor e pensador reformado Francis Schaeffer, principal responsável por convencer os evangélicos a passarem para o lado dos católicos na luta pró-vida, trabalhou por muitos anos na comunidade L’Abri, na Suíça, procurando mostrar os problemas dessa concepção moderna de liberdade, e a superioridade da compreensão cristã do ser humano, e não é possível compreender sua luta sem ter clareza sobre a sua crítica cultural.

O ponto de Schaeffer, basicamente, era de que o homem moderno é uma espécie de “filho pródigo” do cristianismo. Ele tomou a herança judaico-cristã da dignidade, liberdade e direito humano natural, e a abstraiu de Deus. Seu anseio era afirmar a plena autonomia da pessoa humana em relação a qualquer divindade, igreja, ordem social ou natural, e esperar grandes coisas dessa exaltação antropocêntrica do ser humano.

Para efetivar essa “recriação” do humano, naturalmente, seria necessário expandir ao máximo a capacidade humana de entender e controlar o mundo ao seu redor. Mas sem um Deus no céu, o homem estaria livre para ser ele mesmo, e a natureza poderia ser explorada e manipulada sem impedimentos morais; ela nada teria de sagrado, nem um propósito superior. Afinal, como o homem moderno poderia impor seus significados sobre um mundo já ocupado com nomes e significados divinos? Um mundo sem sentido seria um imperativo necessário para a plena autonomia humana.

Daí começam nossos problemas: a tecnociência emerge com a esperança de colonizar toda a natureza e a sociedade, tornando-as expressões da vontade livre do indivíduo. Emerge a religião secular do progresso. Mas enquanto a técnica, o conforto e a liberdade individual aumentam, o sentido, o valor e o propósito diminuem na mesma taxa. Tudo ao redor do homem vai aos poucos se tornando uma “coisa”, um objeto a ser explorado. Como disse Schaeffer, “o humanismo moderno tem uma necessidade inerente de manipular e brincar com os processos naturais, incluindo a natureza humana”. Diante do Self moderno, nada é sagrado, exceto ele mesmo.

Mais cedo ou mais tarde esse processo se voltaria contra o próprio ser humano, uma vez que ele também é feito de barro, e parte do mesmo universo colonizado pela racionalidade técnica. E assim começaram os abusos especificamente capitalistas, tecnicistas, e especificamente modernos contra a natureza: a escravidão moderna, como argumentou William James Jennings, a exploração de mulheres e crianças na Revolução Industrial, o colonialismo, e o racismo branco – tudo com a conivência vergonhosa de grupos cristãos ainda que, em última análise, sob o controle do mesmo liberalismo moral e político que hoje, completamente secularizado, dirige a civilização moderna. Os líderes da sociedade liberal moderna, no século 20 – os maiores responsáveis pela nossa crise ambiental são qualquer coisa, menos alunos de Jesus Cristo e de São Francisco. A verdade é que desde a Revolução Francesa os cristãos praticantes têm sido uma minoria decrescente na condução dos rumos da civilização.

Dignidade versus dignidade
Mas vamos ao nosso ponto central
: o ideal humanista de personalidade autônoma, com sua absolutização do princípio da liberdade individual, é incompatível com o controle total da natureza, porque o ser humano também é natureza; e o humanismo não tem um fundamento objetivo para distinguir a natureza humana do resto da natureza. Como é possível que a mera natureza produza a sua transcendência? Onde o ser humano levantará do chão a sua dignidade e seus direitos especialíssimos, se não há um teto moral onde pendurá-los?

Mas o ser humano moderno não pode renunciar à sua autonomia, nem pode abrir mão de manipular a natureza para afirmar essa autonomia.
A solução é restringir a definição do que é sagrado e do que é humano.
O que é uma floresta? Nada, a não ser fonte de madeira e obstáculo à expansão agrícola. E assim chegamos, para encurtar a história, à ADPF 442 do PSol (e ao voto da ministra Rosa Weber): o nascituro é “uma criatura humana intrauterina”, carente do status de pessoa humana e, assim, passível de abortamento
Para que nada impeça a mulher de ser integrada no sistema moderno do capitalismo emocional.

    A afirmação dos direitos humanos, capturada pelo individualismo expressivo, se degrada em uma epidemia de narcisismo

A luta abortista é,
nesse sentido, uma das mais nítidas expressões da contradição fundamental do individualismo expressivo: ele se justifica o tempo inteiro alegando o princípio da dignidade humana, mas a subverte progressivamente, à medida que desconstrói toda ordem moral objetiva além desse mínimo, a saber, a liberdade do Self, que subsiste suspenso, quase como uma alma platônica, uma ilha subjetiva de dignidade em um oceano de niilismo moral.

E quanto à dignidade humana do nascituro, como ninguém sabe quando e como ela se apensa àquela massa de células, decidem os juristas constituir uma pedra filosofal reversa, que determinará o limite dessa passagem. O que a imaginação moral não consegue fazer, a técnica jurídica o fará. Bruxaria.

Sonhando com uma ciência transformada e regenerada, C. S. Lewis diria: “A ciência regenerada que tenho em mente não faria nem mesmo com minerais e vegetais o que a ciência moderna ameaça fazer com o próprio homem”. De fato, historicamente, a dessacralização da natureza acaba atravessando a fronteira e atingindo a sacralidade da vida humana.

Ora, ou coisas sagradas existem independentemente da liberdade humana, ou nada é sagrado, nem mesmo a liberdade. Essa esquizofrenia moral parece cada vez mais plausível do ponto de vista do direito contemporâneo, mas nem por isso se faz mais consistente. Pelo contrário, a legitimação dessa absurdidade nas cortes faz ressaltar a condição patológica das democracias liberais.

Aplicando uma reductio ad absurdum a esse padrão geral de raciocínio, chegamos rapidamente ao direito ao suicídio. E antes que alguém me acuse de alarmismo: o conceito de “accomplished life” nas discussões contemporâneas sobre morte voluntária assistida já vem sendo empregado para casos nos quais não há nem mesmo a justificativa (perigosa) da doença ou da idade avançada.  
Jovens e adultos comuns, mas deslocados socialmente, terão em breve o caminho aberto para o autodescarte. 
Esse foi o coração do argumento antiaborto de Francis Schaeffer em Whatever Happened to the Human Race?“Se o homem não foi feito à imagem de Deus, não há obstáculo no caminho para a inumanidade. Não há boa razão pela qual a humanidade possa ser percebida como algo especial. A vida humana é barateada. Podemos ver isso em muitos dos grandes temas em debate na sociedade hoje: aborto, infanticídio, eutanásia, o crescimento do abuso infantil de todos os tipos, a pornografia (e suas formas particulares de violência, como evidente no sadomasoquismo), a tortura rotineira de prisioneiros políticos em muitas partes do mundo, a explosão da criminalidade, e a violência aleatória que nos cerca.”
 
É nesse sentido que a modernidade é uma espécie de “filho pródigo”; sua lógica e suas instituições, uma vez afastadas do cristianismo, exploram, desgastam e desnaturam a herança cristã. A dignidade humana, por exemplo, se torna o fundamento para um epicurismo moral desenfreado, que não apenas recusa o princípio agápico do autossacrifício, mas o combate intensamente como uma violação do direito individual à felicidade. A afirmação dos direitos humanos, capturada pelo individualismo expressivo, se degrada em uma epidemia de narcisismo. 
E assim os modernos se tornam cada vez mais ricos, enquanto rumam para uma morte solitária.

O padrão se repete, desde o movimento internacional de direitos humanos até o Judiciário brasileiro: os direitos se alargam, os deveres se contraem, e a soberania do indivíduo cresce à custa de tudo o que é sagrado – incluindo o sangue infantil. No espírito, ainda é bruxaria.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Guilherme de Carvalho, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 14 de junho de 2023

A Corte e as Altezas da União Europeia - Percival Puggina

        Por interesse cívico e com o coração aos pulos, 14 anos atrás, assisti a todos os votos, inclusive aos mais longos, através dos quais os ministros do STF decidiram sobre o futuro da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol.  
Na medida em que se ia revelando majoritária a opção pela demarcação contínua das terras, minha expectativa foi sendo substituída por um sentimento de luto que conflitava com a pieguice das manifestações. Aquilo era puro romantismo de má qualidade.

José de Alencar fazia muito melhor. E por menos.

Em meio a tal deserto de senso histórico e vácuo de realismo, o voto do ministro Marco Aurélio Melo foi um oásis
Seu longo trabalho, esparramando argumentos sobre a natureza dos fatos e sobre os elementos jurídicos a eles aplicáveis, foi tão consistente e extenso quanto inútil. Mas o ministro, embora ciente de sua esterilidade, não titubeou em produzir o arrazoado para desnudar os equívocos e os lirismos que caracterizaram a maior parte das manifestações anteriores. Entre elas, obviamente, a contida no voto do relator, o aveludado poeta, inspirado pelas Musas sergipanas, ministro Ayres Britto.
 
Com esse desalento inconformado que se foi tornando habitual ante as decisões do STF pós petismo, presenciei os momentos finais da sessão. Quando os “capinhas” se preparavam para arredar as poltronas dando saída aos ministros, um derradeiro episódio religou os holofotes, favorecendo a compreensão do que ocorrera naqueles sucessivos dias de deliberação. 
Alguém, não lembro quem, perguntou em quanto tempo promover a retirada dos não-indígenas. (Não-indígenas integravam uma categoria antropológica muito mal vista por ali). Em quanto tempo, excelências?
 
Entreolharam-se os senhores ministros. Aproximaram-se inutilmente do pelourinho de onde podiam arfar seus argumentos os advogados dos não-indígenas. Queriam prazo. A decisão veio consensual: “a Corte não dá prazos”. Emite determinações para execução imediata.  
Ela, a Corte, não esquenta a cuca com o que acontece na ponta dos fatos a partir de suas decisões. São mesquinharias que causam enfado à Corte. Vamos para casa tomar um uísque. Creiam, foi exatamente isso que aconteceu.
 
Lá no norte do país, cidadãos brasileiros recebiam pela tevê, viva voz e viva imagem, a notícia de sua expulsão imediata, emitida entre bocejos pelos senhores da Corte que não dá prazos. Ao lixo os títulos de propriedade legítimos e os longos anos de árduo trabalho familiar nas terras que a União lhes vendeu. 
Ao lixo suas lavouras plantadas e seus rebanhos no pasto. 
Ponham-se na rua, todos, com suas famílias, moradias, máquinas e bens! A Corte decidiu e a Corte, visivelmente, está cansada. 
Isto é que é trabalho duro! Moleza é plantar arroz no trópico e discutir antropologia com padres que não evangelizam os índios e que desevangelizam os não-índios.
 
Pois foi exatamente então que se esclareceu minha compreensão sobre o que acabava de acontecer. Foi a Corte. Especialmente a Corte republicana brasileira. 
O que ela menos quer é contato com a arraia miúda, suas mãos calejadas e seus problemas. 
A decisão do STF sobre a demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol e a retirada imediata dos não-índios foi apenas uma outra face do mesmo problema cortesão que leva o STF, passados 14 anos, a deliberar a respeito do fim do domínio brasileiro sobre o território nacional no caso do marco temporal. 
Uma proeza cuja concretização exige ladear a Constituição, atropelar o Congresso e, claro, curvar-se às suas altezas da União Europeia.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Ministro diz que plano de investimento de R$ 100 bi em ferrovias é 'maior boom' no setor no País - O Estado de S. Paulo

Num momento de insegurança sobre a prorrogação da medida provisória do setor ferroviário, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, classificou o programa de autorizações de trilhos privados como o "maior boom ferroviário" da história brasileira. Desde que editou a MP, em agosto, o governo recebeu 23 requerimentos de empresas interessadas em construir e operar novos segmentos, com previsão de cerca de R$ 100 bilhões de investimentos. "Esperávamos num primeiro momento receber seis, sete pedidos de autorização, que imaginávamos estarem mais maduros. Superou muito nossas expectativas", afirmou o ministro durante fala em evento promovido pelo BTG Pactual nesta quarta-feira, 27. 

Como mostrou o Estadão/Broadcast, esse plano, por sua vez, corre o risco de ser inviabilizado até o fim desta semana, já que a MP perde sua validade na sexta-feira, 29. Para continuar em vigor, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, precisa autorizar a prorrogação da medida por mais 60 dias.

A renovação sempre foi considerada importante pelo governo porque a expectativa é de que, ao fim da vigência completa da MP, de 120 dias, a Câmara já tenha dado aval à proposta do novo marco legal das ferrovias, aprovada no Senado neste mês. Dessa forma, não existiria um vácuo na legislação, que geraria insegurança ao setor e as empresas que pediram para construir ferrovias com base na MP.

Ao falar na terça-feira, 26, sobre o assunto, Pacheco afirmou que o Senado busca uma "compatibilização" para que haja tempo para a Câmara apreciar o projeto dos senadores, dando "tempo para a MP, eventualmente com sua prorrogação".

Sem citar o imbróglio, Tarcísio afirmou que o Brasil tem capacidade de alcançar o cenário de ferrovias dos Estados Unidos, em que coexistem centenas de operadores de shortlines (trechos mais curtos de ferrovias, normalmente operados pelo regime de autorização). O ministro também voltou a dizer que, com o regime de autorização, as novas concessões e renovações antecipadas de ferrovias, a participação do modal ferroviário na matriz de transportes vai saltar de 20% a 40% em 2035.

No evento, Tarcísio também ressaltou a estratégia do governo para fortalecer a logística de Mato Grosso, grande produtor do agronegócio brasileiro. Atualmente, o plano envolve a Ferronorte, já em operação; o projeto da Rumo de extensão da malha até Lucas do Rio Verde (MT); a Ferrogrão, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), que o governo tenta tirar do papel; e a Ferrovia de Integração Centro-oeste (Fico) "Vai ter carga para todas essas ferrovias, sair com Fico, Ferronorte, Ferrogrão. Tem demanda para todo mundo", disse o ministro. [Clique e leia: caso FERROGRÃO.]

Estadão

 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

STF x Bolsonaro - O vídeo kamikaze do STF - Gazeta do Povo

Madeleine Lacsko

Ao tentar desmentir Fake News usando técnica que não funciona, STF entra em colisão com o Executivo.

STF publicou hoje em suas redes vídeo que tenta desmentir Fake News, mas a emenda fica pior que o soneto.

Eu estava toda radiante com a medalha de prata da Rebeca Andrade, daí me mandaram um link com uma postagem do STF. E eu só fiquei pensando por que cargas d'água alguém resolve cometer um desatino desses e justo hoje.   
 
 
Fiz parte da equipe que criou as redes sociais do STF, durante a presidência do ministro Gilmar Mendes, entre 2008 e 2009. A documentação interna produzida pela equipe para atuação nesses canais tinha a maior preocupação com institucionalidade. Ali não é o canal do Felipe Neto ou do MBL, é a Suprema Corte de um país.  
Aliás, fosse canal de YouTubber, pelo menos a edição, sonorização e locução do vídeo postado hoje seriam mais profissionais.

Há um conceito que aprendi naquela oportunidade profissional, o da magnanimidade na posição institucional. Ministros do STF são pessoas e, embora não seja o que se espera deles, podem entrar em embates pessoais de todo tipo de natureza, inclusive pela imprensa. A Suprema Corte de um país jamais entra em bate-boca ou intitula-se dona da verdade. É um caminho kamikaze numa hora grave.

A magnanimidade é o posicionamento necessário tendo em vista que o STF deve ser o guardião da Constituição Federal e é peça chave no sistema de freios e contrapesos dos Poderes da República. É fato que há uso político da disseminação de uma mentira sobre decisão do STF. No entanto, uma investida atabalhoada e pouco institucional só piora as coisas. O presidente da República adotou a lenha botada na fogueira e já jogou mais gasolina. Diz que o STF cometeu crime. Ou seja, o STF virou ator político e o presidente da República virou juiz. Você pode odiar o STF e os ministros, mas a instituição Suprema Corte é o que garante o equilíbrio de um sistema político.

Num exemplo prático: qual a diferença entre a Venezuela e a Bolívia? Hugo Chávez conseguiu convencer o povo a implodir o "STF" deles, Evo Morales tentou mas não conseguiu. A Suprema Corte venezuelana tinha problemas sim, aliás bem piores que os nossos. Ocorre que poder não admite vácuo. Assim que se retiram os freios e contrapesos, os políticos ocupam este espaço de poder sem pedir licença. O resultado é sempre imprevisível. O vídeo começa dizendo uma frase do propagandista do nazismo, Joseph Goebbels: uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Questiona a afirmação e responde de forma absolutamente pueril que isso não acontece. Então não aconteceu no Holocausto? 
As mentiras repetidas mil vezes não viraram verdade? Seria cômico se não fosse trágico.
Termina com uma hashtag que nem sei como comentar, foi como jogar álcool em gel nos meus olhos: #VerdadesDoSTF. Em primeiro lugar, o STF não decide o que é verdade, decide o que é constitucional. Depois, o STF não é dono da verdade.  
A hashtag pode induzir a leitura dúbia, a de que alguns fatos seriam verdadeiros só para o STF.
 
O vídeo Kamikaze do STF
 
O grande problema do vídeo, no entanto é o negacionismo científico. Há publicações científicas mostrando que duas coisas não funcionam na era da Cidadania Digital, a que vivemos hoje:
1. Contrapor fatos para estabelecer a verdade em grupos que já divulgam Fake News.
2. Utilizar interlocutores em que um grupo não confia para contestar suas "verdades absolutas".

O vídeo do STF faz as duas coisas e com dinheiro público.
Fosse uma peça poderosa de comunicação, capaz de acabar com a lenda urbana mentirosa do STF tirando poderes do presidente da República, talvez até valesse avaliar o risco institucional. Ocorre que a peça é um tiro no pé, só serve para gerar mais suspeição sobre a Suprema Corte nos grupos que já não simpatizam com ela.

Isso não sou eu quem estou dizendo, é a ciência. Ignorar fatos científicos porque eles não encaixam na nossa narrativa nunca acaba bem. Todo mundo tem um amigo ou parente que entrou em paranóia por causa de grupo de Whatsapp ou de internet. Eles cismam com uma coisa e danem-se os fatos. Na comunicação há um grupo parecido, aquele que acredita na possibilildade de desmontar Fake News com fact checking. A ineficácia de fact checking para quem acredita ou compartilha Fake News é um fato científico, não uma opinião minha ou de outra pessoa. Poderia passar o dia empilhando estudos feitos com método científico que comprovam este fato. Vários deles estão compilados no livro Psychology of Fake News, da editora Routledge, que custa quase mil reais mas está de graça no Kindle do Brasil.

Como já trouxe aqui na coluna o último estudo do Jay Van Bavel sobre o tema, além de inúmeros outros, trago hoje o da Briony Swire-Thompson. Ela é uma pesquisadora das universidades Northwestern e Harvard dedicada exclusivamente a compreender por que algumas pessoas não podem ser convencidas por fatos e quais as melhores formas de abrir os olhos desses indivíduos para a realidade.  O estudo publicado há 15 dias traz novidades sobre as formas de trazer à realidade pessoas que acreditam em Fake News. Um ponto importante é que desinformação depende da formação de um grupo fechado. Pessoas que não são respeitadas pelo grupo simplesmente não serão ouvidas. O STF não será ouvido pelas pessoas que distorcem o resultado de um julgamento. É necessário outro interlocutor.

Além disso, falar antes a desinformação para depois corrigir dificulta o processo cognitivo da correção pelo fenômeno da familiaridade. Explico. O vídeo utiliza a negação "é falso que o Supremo tenha tirado poderes do presidente da República". Quem acredita nisso vai ouvir "Supremo tirado poderes" e "presidente da República". O cérebro registra como um conceito familiar e a pessoa agarra-se ainda mais a essa convicção. Familiaridade é mais importante do que os fatos. Campanhas de convencimento utilizam frases afirmativas sempre.

O estudo chamado "Os efeitos de tiro pela culatra após a correção da desinformação estão fortemente associados à confiabilidade" diz que checadores de fatos jamais devem evitar publicar a checagem ou compartilhar com um grupo. É importante que os fatos sejam colocados e a maioria da sociedade tem abertura para evoluir em posicionamentos individuais quando percebe que a questão é mais complexa ou descobre novos fatos. Ocorre que o STF não tem a reputação social de checador de fatos, é de Suprema Corte mesmo, de quem delibera, opina.

Desmentir informações chama-se "debunking" no jargão técnico. É muito menos eficiente em esquemas de desinformação do que o "prebunking", algo que não foi feito. A vacina aqui é mais eficiente que remédio porque o remédio até cura, mas não impede sequelas. É impossível prevenir que se crie uma mentira sobre uma pessoa, um fato ou uma instituição. Restabelecer a verdade, no entanto, não se faz no grito nem no improviso.

Os Poderes da República entram numa guerra infantil sobre quem tem razão e colocam-se uns contra os outros de uma forma cada vez mais assustadora. Não importa quem começou a briga, importa quem entrou nela sem lembrar da responsabilidade que tem. Aprendi em Angola um ditado que nos serve agora: "em briga de elefante, quem sofre é o capim".

Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sábado, 24 de julho de 2021

Os dentes e os espaços - Alon Feuerwerker

Análise Política

Quando você age sobre a realidade, necessariamente a transforma. Mas aí ela também acaba transformando você. Ação e reação. Parece inevitável que a participação cada vez maior, e institucional, das Forças Armadas na política partidária termine abrindo espaço para a explicitação de debates político-partidários no interior mesmo da corporação. Aliás o vice-presidente Hamilton Mourão já advertiu sobre isso. [lembrete: apesar de muitos acalentarem o desejo  de retirar tudo dos militares, vão ficar apenas acalentando.
Os militares não são, e nunca serão, cidadãos de segunda classe e possuem o direito inalienável da preferência política. O direito aos debates político-partidários deve existir e ser exercido - com as mesmas limitações que se aplicam aos servidores públicos civis, Nem mais, nem menos
.]

Digo “explicitação”, e não “introdução”, pois seria ingenuidade, a qualquer momento, interpretar como apoliticismo a falta de manifestações explícitas de partidarismos no estamento militar.  Dois dos presidentes do período 1964-85 cuidaram com esmero de prevenir esse jogo recíproco, em que as Forças politizam e ao mesmo tempo são politizadas, ou partidarizadas: Humberto de Alencar Castelo Branco e Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro operou uma reforma militar também com esse objetivo, e o segundo decapitou a resistência à distensão.

Ações que contribuíram de maneira importante para fechar o ciclo da anarquia militar no Brasil do século 20, cujo marco inaugural havia sido a eclosão do tenentismo. Ter deixado isso para trás era apontado até outro dia como conquista da Nova República. Não parece estar sobrando muito das conquistas da Nova República. [a principal e quase única conquista (se é que pode ser chamada de conquista) da Nova República foi a roubalheira implantada no Brasil, desde 1985. A maldita corrupção é que deve ser extirpada - ela e os seus praticantes.]  Em parte, os militares têm sido puxados para a política nos anos recentes pelo vácuo nascido da desmoralização e do desgaste das demais instituições nacionais. Isso ganhou nova dimensão quando Jair Bolsonaro, sem um partido para chamar de seu, acabou recorrendo aos fardados, da ativa e da reserva, como estoque de quadros e de doutrinas para tocar o governo.

A realidade é implacável, e o poder não se resume às delícias dele, carrega também os riscos decorrentes das delícias. E aí o noticiário começa a trazer confusões ligando duas coisas: militares e verbas orçamentárias. E agora com números de alto impacto vindos dos recursos destinados pelo governo e pelo Congresso ao combate da Covid-19. Na falta de eventos de ruptura, a vida segue, e nela sempre chega a hora de ter de dar alguma explicação. Na escalada da politização, as recentes manifestações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares vêm reiterando: as Forças estão aí para defender a liberdade e a democracia. Ecoam palavras do próprio presidente da República. Falta, até o momento, dizer se ambas estão sob ameaça. [quando qualquer instituição, órgão, adota alguma medida arbitrária, especialmente se contra apoiadores do presidente Bolsonaro, é de pronto alegado como justificativa para a arbitrariedade que a democracia está sendo em risco, ou que a vítima do arbitrio praticou algum ato antidemocrático. Até ministros do STF usam tal argumento.]  E falta também, nesse caso, a explicação mais importante: quem ameaça.

Enquanto tal detalhe não fica claro, ao menos segue o baile. No terreno por eles pouco conhecido da política, até agora os militares estão levando uma certa canseira dos políticos. Os primeiros andam ocupados em mostrar os dentes, estes últimos preferem concentrar-se em tomar espaços de poder daqueles.  E nem Jair Bolsonaro pode ajudar muito, já que depende dos políticos para se manter na cadeira, inclusive depois de 2022, se se reeleger. O que pelo jeito vai ser decidido mesmo na urna eletrônica, apesar das dúvidas e arranca-rabos. Se bem que neste ponto é sempre adequado contar com novas emoções. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


terça-feira, 31 de março de 2020

Chacoalhada - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo


Coronavírus mexe na balança do Planalto: Bolsonaro se isola, uns sobem, outros descem
A crise do coronavírus acabou dando uma chacoalhada no governo, com mudanças de posições, ministros em alta, ministros em baixa e um consenso constrangido entre todos eles: é preciso agir e atacar a doença em conjunto, isolando o presidente Jair Bolsonaro. Não por ser do grupo de risco, ter mais de 60 anos e estar cercado de contaminados por todos os lados, mas porque é urgente que ele pare de atrapalhar. [o presidente Bolsonaro apenas exerce o direito constitucional de ter suas opiniões e expressá-las, ainda que isto desagrade a terceiro.
Apesar de dispor de autoridade para tanto, o presidente Bolsonaro não tem usado seu poder presidencial para atrapalhar os projetos desenvolvidos contra a Covid-19 - ele expressa claramente sua opinião contrária, mas não determina mudanças.
Neste aspecto seu comportamento é de um cidadão comum - diverge, mas não impede.]
Em alta no próprio governo e na opinião pública está o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sistematicamente desautorizado pelo presidente, mas reconhecido pelos colegas ministros, que temem a força do coronavírus e a demissão do personagem-chave do combate à epidemia. Demitir Mandetta seria esfacelar, no momento decisivo, toda a estrutura do Ministério da Saúde, que tem o controle da operação e o reconhecimento popular.
Além de Mandetta, dois generais estão em alta: Braga Netto, da Casa Civil e com sala próxima do gabinete presidencial, e Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, que despacha em outro prédio, mas é personagem assíduo no Planalto. Os dois têm duas características comuns: relacionam-se há anos com Bolsonaro e são respeitados pela cúpula do poder, que recorre a eles quando é preciso “dar um jeito no capitão”. Carioca jeitoso, Fernando foi colega de turma do insubordinado Bolsonaro no Exército.

Na balança, Braga Netto e Fernando Azevedo sobem, dois outros generais descem
Augusto Heleno, do GSI, sobre quem repousavam as melhores expectativas no início do governo, e Luiz Eduardo Ramos, secretário de Governo, que chegou ao governo para cobrir o vácuo de Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil que acabou trocado por Braga Netto. Heleno, que pegou coronavírus, parece estar se cansando do jogo. Ramos sofre pelas virtudes, não pelos defeitos: a personalidade contemporizadora, oposta à dos Bolsonaro. Também em baixa o verdadeiro mito do governo, Sérgio Moro, alvo do mesmo ciúme que o presidente dedica agora a Mandetta e já despejou sobre Gustavo Bebianno, general Santos Cruz e até sobre Regina Duarte, logo na largada. Moro foi desautorizado inúmeras vezes, a última delas quando assinou o decreto suspendendo a entrada de estrangeiros de vários países. Bravo, Bolsonaro riscou sem pestanejar os cidadãos dos EUA – hoje, campeão de casos confirmados. [a conjuntura atual - combate à pandemia - não abre espaço para uma atuação mais proativa do ministro Moro.]
Depois das sucessivas desautorizações, Moro se recolheu e Bolsonaro passou a cobrar o contrário. Antes, condenava os “excessos” do ministro, que aparecia demais na mídia e lhe ofuscava a popularidade. Hoje, critica a “omissão” dele, reclamando que a área jurídica do governo está “acéfala”, o governo perde uma atrás da outra no Supremo e em todas as instâncias.  [defender o presidente Bolsonaro, notadamente no STF, é um atarefa complicada, tendo em conta que na maior parte das vezes já existe posição contra o presidente.
Se tornou recorrente que ministros do Supremo opinem contra posições do presidente Bolsonaro, antes mesmo delas se transformarem em alvo de ações judiciais, na maior parte julgadas pelo STF.] 
Na segunda-feira, 30, aliás, o ministro Dias Toffoli disse que não se combate o vírus com “achismos” e outros ministros do STF avisaram que vão derrubar medidas contrárias à saúde e à ciência. E, se Bolsonaro havia conclamado os políticos a saírem às ruas, como ele próprio fez no domingo, todos os líderes do Senado responderam com um sonoro “não”, em forma de manifesto a favor do isolamento social.
Assim, Bolsonaro está isolado dentro e fora do Brasil. Seguindo os líderes que prudentemente decretaram o isolamento social contra o coronavírus desde o início, também os teimosos Trump (EUA), Boris Johnson (Inglaterra) e Giuseppe Conte (Itália) se renderam às evidências. Ou seria à realidade?  Há poucos dias, Bolsonaro disse, todo orgulhoso, que Trump seguia “uma linha semelhante à nossa”. Mas, com quase 140 mil infectados e 2.500 mortes nas suas barbas (ou cabeleira), até Trump acaba de recuar e estender o isolamento para 30 de abril. O presidente brasileiro vai esperar tanto para cair na real?
[até o momento - apesar de não haver espaço para regozijo - a situação do Brasil e dos EUA é bem diversa.
Lá, para pouco mais de 300 milhões de habitantes, são 140 mil infectados e quase 3.000 mortes.
O Brasil com população superior a 200 milhões de habitantes,tem menos de 5.000 casos comprovados e 159 mortes.
Situações diferentes exigem providências diversas.]

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 8 de outubro de 2019

Podernite - a doença do poder - Gazeta do Povo

Gaudêncio Torquato


Os governantes, regra geral, padecem de grave doença: a podernite. Que afeta, sobretudo, membros do Poder Executivo, a partir do presidente da República, governadores e prefeitos, podendo, ainda, pegar protagonistas de outros poderes e os corpos da burocracia.  Como todas as ites, trata-se de uma inflamação, que, ao invés de atacar o corpo, invade a alma. Podemos designá-la como a “doença do poder”. Se alguém quiser associá-la ao egotismo, a importância que uma pessoa atribui a si mesmo, está correto, pois os conceitos são próximos.

O presidente Bolsonaro, vez ou outra, avisa que o poder é dele. Inclusive, o poder da caneta BIC, substituída pela caneta Compactor, quando tomou conhecimento que a primeira é de origem francesa. (Bolsonaro, lembremos, azucrinou o presidente Emmanuel Macron por conta da questão amazônica). [Bolsonaro apenas respondeu à altura, em várias lances e de forma contundente, o ato viperino do presidente francês  quando insinuou agredir a SOBERANIA do Brasil sobre a AMAZÔNIA LEGAL, usando o eufemismo = 'internacionalizar'.] O STF, nos últimos tempos, tem pontuado: em última instância, o poder é nosso. A decisão de conceder aos delatados a condição de serem os últimos a falar nas investigações da Lava Jato é um exemplo do poder da última palavra.

O Legislativo, assustado com a invasão de suas competências e queixoso da debilidade do governo na frente da articulação política, assume papel de protagonista principal em matéria de reformas. Nesse ciclo de grandes interrogações, cada qual quer ter mais poder. Até porque no vácuo, um poder toma o lugar de outro. O poder traz fruição, deleite, sentimento de onipotência. Governantes e até burocratas se acham donos do pedaço, tocados pela ideia de que são eles que conferem alegrias e tristezas, fecham e abrem horizontes, fazem justiça.


A podernite tem graus variados de metástase. Nos homens públicos qualificados, talhados pela razão, os tumores são de pequena monta. Nos Estados mais desenvolvidos, com culturas políticas mais evoluídas, a doença não se espalha muito porque as críticas da mídia e de grupos formadores de opinião funcionam como antivírus. Nos Estados menos aculturados, dominados por estruturas paternalistas e sistemas feudais, a doença geralmente chega a graus avançados.

O primeiro sintoma da doença é a insensibilidade. Só ouve o que quer ouvir. O grito rouco das ruas é para eles uma sinfonia distante. Da insensibilidade, deriva a arrogância. Governantes transformam-se em soberanos, querendo que cidadãos vistam o manto de súditos e achando que os programas governamentais constituem um favor e não um dever. Nessa esteira, desenvolve-se o assistencialismo, com pequenos sacos de migalhas distribuídas a esmo.



"LEIA TAMBÉM: Na República, não há poder absoluto
Em um país marcado pela impunidade política, é de se supor que o entendimento reinante no STF talvez estivesse destoando dos fins de uma ordem juridicamente justa..... "

A construção da identidade de um Governo transforma-se, assim, em culto à personalidade, sob os aplausos da plêiade de amigos e oportunistas. Alguns governantes descobriram as vantagens das redes sociais e capricham no envio de mensagens, vídeos e fotos sobre sua performance,  desprezando a sábia lição de nossos avós: “elogio em boca própria é vitupério”.

O obreirismo inconsequente também passa ser eixo das administrações, no fito de fixar marcas. E é porque faltam recursos. Vivemos momentos de quebradeira geral. Mas o “balonismo pessoal” (fenômeno de enchimento do balão do ego) é impulsionado por levas de áulicos. Ocorre que o Produto Nacional Bruto da Felicidade o PNBF não sobe. Os bolsos continuam secando. E a indignação social se expande.

Por isso, as pessoas se afastam dos governantes. Só mesmo grandes sustos – como queda de popularidade – trazem-nos à realidade. Nesse momento, percebem que o poder é uma quimera. Volta-se contra eles mesmos.  Senhores, esta é a dura realidade: a glória mítica de palanques, os palácios, os ministérios e as instâncias da Justiça são coisas passageiras. Mudam como as nuvens. (A propósito, as caravanas que pediam Lula Livre hoje se mobilizam para pedir o Lula Preso. Porque da sede da PF em Curitiba onde está, ele consegue fazer mais barulho do que em seu apartamento de São Bernardo do Campo). Eita, Brasil mutante, ou se quiserem, Brasil do chiste.

Só faltava essa: O procurador de Justiça de Minas Gerais, Leonardo Azeredo dos Santos, ganha R$ 24 mil mensais e garante que esta quantia é um “miserê”. O que dirão os milhões de brasileiros desempregados ou aqueles que põem no bolso o mísero salário mínimo?

Os pacientes de podernite agem como Vespasiano, o Imperador, que, na beira da morte, ficava gracejando numa cadeira: Ut Puto Deus Fio (Parece que Me Transformo num Deus).

Gaudêncio Torquato, jornalista - Publicado na GAZETA DO POVO