Enquanto as atropeladas e as infrações coletivas se sucediam com vigorosas reciprocidades e degeneravam em trombadas e empurrões, ficou nítida, para mim, a analogia entre o visto em campo e o observado dentro e fora das “quatro linhas” de nossa institucionalidade.
No gramado do Castelão, minutos antes do final do jogo, o comentarista já contabilizava 40 infrações (após, houve várias outras e uma expulsão), perfazendo média de uma a cada 2 minutos. Basicamente, é o que acontece no Brasil, onde membros do Congresso Nacional e do STF jogam contra a sociedade, chutam-lhe as canelas e atropelam a ordem jurídica em casuísmos de fazer inveja ao general Golbery.
No gramado, atletas encenavam, frequentemente, aquela coreografia costumeira destinada a impressionar a arbitragem e a torcida. Cobriam os rostos aos berros, como se tivessem os olhos vazados, ou, se o choque era contra o corpo, rolavam sobre si mesmos várias vezes. Se isso não chamasse toda a atenção pretendida, voltavam a acrescentar mais duas ou três voltas sem que qualquer força externa os movesse da posição anterior. Jogos de cena.
Na cena política, notórios ladrões proclamam sua honestidade. Maus julgadores explicam o insustentável dizendo agir contra riscos inerentes a uma sociedade de bárbaros. Atacam liberdades alegando defender a democracia, logo ela, que nasce da liberdade e definha em sua ausência. Jogos de cena.
Como os inquéritos no STF sobre atos antidemocráticos tramitam em sigilo, a gente não sabe por que, há três anos, rolam em campo, queixosos, alguns senhores ministros. Jogos de cena.
É o futebol que imita a política ou é a política que imita o futebol muito mal jogado?
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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