O Globo
Dallagnol no alvo dos ministros do Supremo
[duas 'pequenas' inconveniências da medida:
- a Constituição Federal, em plena vigência, proíbe a remoção do procurador;
- segundo a mesma Constituição não há provas - visto que os supostos diálogos são provas ilícitas; e,
- ainda que as provas fossem lícitas, não garantiriam que os diálogos sejam do procurador, ou de outros integrantes da Lava-Jato ou mesmo de qualquer autoridade - os recursos de digitalização de voz e outros, permitem que qualquer voz seja modificada para parecer com a de uma pessoa escolhida - dado que a autenticidade do material não foi comprovada.
Retirar qualquer membro da Lava Jato, sem provas, lembra o caso do traído retirar o sofá da sala.
Melhor seria, identificar os autores da invasão - dado que aos diálogos faltam licitude e comprovação de autenticidade, para que possam ser usados como provas.] Tratavam de investigação sobre os ministros e suas mulheres. No dia anterior, os dois haviam recebido um resumo das conversas a serem publicadas pela Folha S. Paulo, e não quiseram se manifestar. Mas quando leram a íntegra da reportagem, combinaram que alguma coisa deveria ser feita.
Toffoli pretendia soltar uma nota oficial, primeiro exigindo o afastamento de Dallagnol, versão que abandonou por outra, mais genérica, defendendo as prerrogativas do Supremo. Um procurador de primeira instância não pode investigar um ministro do STF. Gilmar reagiu a seu estilo. Chamou os procuradores de gansgters numa entrevista ao chegar à sede do Supremo, “o rabo abanando o cachorro”, como gosta de dizer. Por ele, uma nota de repúdio teria que ser dada, mas colegas convenceram os dois de que o melhor seria não fazer comentários, inclusive para não dar mais publicidade aos fatos e para proteger suas mulheres.
Ficou combinado que o decano Celso de Melo pediria a palavra na primeira sessão da reabertura dos trabalhos e faria uma declaração de protesto. Em vez disso, preferiram ações práticas. O ministro Luis Fux proibiu que as provas fossem destruídas e requisitou cópias de todos os diálogos, áudios e vídeos apreendidos pela Polícia Federal. Também o ministro Alexandre de Moraes, relator de uma controversa investigação sobre “fake news” no âmbito do Supremo, determinada por Dias Toffoli muito antes do hackeamento das conversas entre Moro e Dallagnol, também requisitou todas as provas à Polícia Federal.
Nenhuma das medidas, aparentemente, se referia ao caso dos dois ministros investigados, mas à noite ficou-se sabendo que Alexandre de Moraes, para requisitar as provas, utilizou como base a reportagem da Folha de S. Paulo. Disse que havia “indícios de investigação ilícita contra ministros” da Corte. O que revelou o objetivo oculto das providências do STF, já intuído por todos. A tentativa de estancar a sangria das supostas revelações restou inócua devido ao despacho oficial de Alexandre de Moraes. Os procuradores de Curitiba soltaram uma nota mais uma vez não reconhecendo a veracidade dos diálogos, e negando que tivessem tentado investigar ministros do STF. Afirmaram que enviaram tudo relacionado a eles à Procuradora-Geral da República, órgão que tem o poder de investigar ministros do Supremo.
Dada à repercussão do caso, o desejo de reação a Dallagnol, que havia sido contido num primeiro momento, voltou a prosperar. Vários ministros estão convencidos da veracidade dos diálogos, inclusive por relatos anteriores de abusos que estariam acontecendo em Curitiba. Ontem pela manhã, retomaram as discussões sobre medidas para afastar o coordenador dos procuradores de Curitiba da Operação Lava-Jato. Chegou-se a aventar a possibilidade de o ministro Alexandre de Moraes fazer com Dallagnol o mesmo que já fizera com dois fiscais da Receita, que foram afastados da função por terem investigado as declarações do ministro Gilmar Mendes e sua mulher. Mas são situações funcionais não comparáveis
No começo da tarde a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, soltou uma nota negando que estivesse sendo pressionada a punir o procurador Dalagnol, e esclarecendo que ele, por ser inamovível pela Constituição, só sairia da Lava-Jato se e quando quisesse. Deltan Dallagnol é o promotor natural dos casos da Operação Lava-Jato, definiu Dodge.
Apesar disso, há quem considere no STF que Dallagnol pode ser punido devido a vários processos que correm no Conselho Nacional do Ministério Público. Há uma pressão grande para que o próprio Ministério Público decida a questão, mesmo por que não há condições de usar as provas ilegais como base de uma punição.
Mas, no decorrer do processo aberto no STF sobre fake news, podem surgir provas legais nos depoimentos que confirmem os diálogos. [resta saber se o inquérito, cuja legalidade é questionado pela chefe da PGR, pode produzir prova legais.
Talvez, em algum momento, a questão chegue ao Plenário do STF.] O fato é que a chance de vazamento desses diálogos agora aumentou muito, pois, além do Intercept Brasil, haverá cópias com a Polícia Federal e com os dois ministros do STF , Luis Fux e Alexandre de Moraes.
Merval Pereira, colunista - O Globo