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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

A quimera e a cor do gato - Alon Feuerwerker

Análise Política

O governo ultrapassou seu primeiro obstáculo significativo ao vencer as eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Não garantiu ali, é verdade, um alinhamento automático, visto que os parlamentares estão amparados na solução político-jurídica alcançada para as emendas de relator. Mesmo quem decidir passar os quatro anos na oposição terá garantido um volume confortável de recursos para as bases eleitorais.

Mas, com a vitória, o Palácio do Planalto evitou a criação de um foco de turbulência e um ponto de apoio à atividade institucional da oposição. Arquimedes já dizia que com um ponto de apoio pode-se mover o mundo. Sem isso, a oposição continua ilhada num nicho desconfortável, marcado pelas circunstâncias do 8 de Janeiro e sob a sombra da figura dominante do ex-presidente, popular, mas politicamente imobilizado, ou quase.

As vitórias no Congresso, entretanto, se evitam turbulências adicionais prematuras, não alteram o quadro estratégico. O governo eleito ano passado precisa navegar em meio a 1) um Legislativo de maioria conservadora; 2) um Judiciário onipresente e onipotente; e 3) Forças Armadas ressabiadas. [oportuno lembrar que o barco que o governo dispõe se caracteriza pela desonestidade (de uns 50% dos seus membros, começando pelo 'capitão' do barco) incompetência e desorientação total.] Daí que o presidente da República não possa se dar ao luxo de perder popularidade. E daí a importância da economia no curto/médio prazo.

Os sinais são contraditórios. O real está ganhando terreno junto ao dólar, o que vai ajudar a conter a inflação, oferecendo argumentos ao Executivo na queda de braço com o Banco Central em torno da nossa exuberante taxa real de juros. Mas, e se o avanço do real decorrer, principalmente, do belo prêmio oferecido a quem investe em títulos do Tesouro? Nesta hipótese, estaríamos retornando à armadilha da âncora cambial.

Que segura a inflação, mas também o crescimento.

E como ficariam, nesse cenário, os sonhos de reindustrialização? Complicado. Outro fator de complicação: a atividade e o emprego ensaiam alguma perda de fôlego, até pela defensiva empresarial. Num cenário de juros reais apetitosos e perspectiva de aumento da carga tributária (aparentemente, o caminho que o governo escolheu para burilar a reputação de disciplinado fiscal), é natural que as empresas cuidem antes de tudo do caixa.

Não se ouve falar em grandes planos de investimento.
O risco político para o governo Luiz Inácio Lula da Silva está na economia. A dupla Jair Bolsonaro/Paulo Guedes passou o bastão com um crescimento de 3% do PIB em 2022 e desemprego caindo de 12% para 8%. 
O alarido em torno do 8 de Janeiro, e adjacências, preenche o noticiário, mas não põe comida na mesa. 
Por isso, será saudável politicamente que a nova administração cuide de ao menos manter o ritmo da recuperação econômica.

Até agora, sabe-se que o governo quer promover uma reforma tributária, vai jogar todos os esforços nisso. Quer aproveitar o acúmulo congressual a respeito para avançar na busca de mais justiça social, por meio de impostos. É um compromisso de campanha. Mas falta saber que medidas o governo adotará para estimular o investimento privado, sem o que qualquer expectativa de crescer e criar empregos é quimera.

Parafraseando Deng Xiaoping, a discussão econômica tem girado em torno da cor do gato, sem que se tenha muita informação sobre como ele vai caçar os ratos. 

Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político


sexta-feira, 25 de junho de 2021

UM SENTIMENTALISMO TÓXICO, mais criminoso do que o próprio.

Dra. Débora Balzan

 

“Quando as mentiras ficam grandes o suficiente, o mundo inteiro se deteriora”

Impunidade em massa, mas, “em compensação”, soltura o mais rápido possível!

A punição efetiva, aquela que guarda algum real sofrimento pessoal expiado pelo criminoso,  é a única forma de eventual “ressocialização”. Sofrimento como ser humano, de coração e razão, o que não acontece com os psicopatas. O sofrimento dos psicopatas será, no máximo, por estarem por curto período de tempo presos, e não o sofrimento interno, de culpa, mas tão-somente o egoístico. Das duas, uma: psicopatas não deveriam nunca sair das prisões porque nunca mudam, apenas desenvolvem mais expertise para se sofisticarem e não serem pegos; e os que não são psicopatas, mas que precisariam  expiar de forma real e por um longo tempo (quiçá para sempre), de modo proporcional à gravidade dos seus crimes. De qualquer sorte, não há dúvida de que a pena se fundamenta na necessidade de prevenção geral, que só é possível com a retribuição, pela contenção; a ressocialização, quase uma quimera, é fim mediato e é constitutiva à pessoa do apenado.

Na prática, observo que a imensa maioria das  pessoas envolvidas na execução penal tem uma necessidade de sempre entender e justificar o criminoso, seja ainda com relação ao crime já condenado, mas também pelas  faltas e inobservância de regras no cumprimento da pena. Há quase um pedido de desculpas pelo Estado em cumprir, ainda que minimamente, a pena ou alguma sanção decorrente de uma falta grave, quando há alguma  consequência. As punições decorrentes das infrações que ocorrem dentro dos estabelecimentos prisionais seguem a regra da apuração e punição dos crimes em geral, ou seja, pouco se apura e muita impunidade. Há alguma dúvida de que quase ninguém (talvez ninguém) seja punido quando se apreendem drones,  armas, celulares,  drogas etc em grandes operações? Prevalece a máxima de socializar tudo, e em não sendo individualizadas as condutas, mas generalizadas entre dois, três ou mais. Aqueles  objetos estão   naquele local por geração espontânea. Quando em apreensões menores e mais corriqueiras, também essa é a regra, para alívio quase geral. A dúvida é tudo o que se quer!   A sociedade, na imensa maioria das vezes,  também é preterida nas execuções penais, só que não sabe. A única informação que recebe é a  de superlotação carcerária (só esses locais são mostrados, como se todos assim o fossem).

Pode-se perfeitamente trabalhar em execução penal apenas com princípios abertos e que servem ao bem e ao mal: o  da presunção da inocência e o da dignidade da pessoa humana, levados ao infinito, sem em praticamente momento algum lembrar da dignidade de cada pessoa humana nas ruas e que contra elas parece viger o princípio da culpabilidade, mas que nunca cometeram nenhum crime.

Aos desavisados, menos de 3% dos crimes existentes em terra brasilis prevêem a pena de prisão no regime fechado desde o início do cumprimento. Nesse universo dos 3% estão todos os crimes de homicídios (menos de entre 8 a 5% têm autoria apurada, o que não significa condenação, muito menos cumprimento de pena). E os latrocínios? Estupros? O regime para o assalto não é o fechado! Não esqueçamos das vítimas que não reportam mais os crimes sofridos. Em compensação, 
de forma esquizofrênica, prega-se a maior mentira nacional acerca do superencarceramento, como se a sociedade já sofrida tivesse culpa ou como se os que lá estão são inocentes ou que lá ficassem por muito tempo, como se não fosse necessário redistribuir melhor os presos, bem como construírem-se vagas. Aqui vale destacar também o discurso de que o sistema faliu. Como assim? Nunca foi aplicado. Ele é sabotado e manipulado com dados, linguagem e imagens parciais. Mostra-se apenas um lado, ou alguém sabe quanto de dinheiro é preciso para tornar o Brasil livre desse problema? 

Alguém sabe que houve um acordo em Brasília de não se investir mais no sistema prisional em meados de 2013? 
Quantos são presos com relação aos crimes ocorridos? 
Quanto tempo em média ficam nas condições mostradas, mesmo tendo cometido as maiores barbáries? 
Alguém tem noção da aberração que existe nessa proporção crime/castigo? 
Há uma canibalização da verdade. Como dizer que a prisão não funciona? Ela NÃO é aplicada. Como explicar num país onde na imensa maioria de TODOS os crimes cabe transação penal, suspensão condicional do processo, pena alternativas, prisões domiciliares, tornozeleiras e onde não é incomum assaltante (aquele que ataca principalmente os pobres ..) não expiar um dia sequer de liberdade e cumprir “pena” com tornozeleira? Nem vou adentrar nos problemas das tornozeleiras, mas garanto que não são poucos, técnicos e jurídicos (difícil apurar e impor uma sanção a quem descumpre as regras da tornozeleira, quando se descobre).

Há um sentimentalismo tóxico, que não ajuda nem o raro criminoso que gostaria de expiar seu erro. Não há expiação, não há crescimento, não há possibilidade de ajudar ninguém tirando-lhe o peso de certo sofrimento. Não estou dizendo que não deva existir dignidade, mas a adequada, e nunca maior do que a de um cidadão que não atentou contra a sociedade. Não é possível querer outro resultado onde a vitimização é acolhida de forma quase que unânime. Não esqueçamos que mesmo nos piores estabelecimentos, onde há a necessidade de maior dignidade, a imensa maioria fica tempo insuficiente e desproporcional ao crime cometido. Isso a “olho nu”, abrindo processos de execução penal todos os dias. Essa verdade para mim é inafastável. A legislação leniente, a cultura em geral libertária pelos psicólogos que lá atuam e o ativismo completam o quadro, sem nunca tirar a responsabilidade de quem deve oferecer vagas. Precisamos superar essa questão das vagas, pois é a justificativa plantada e colhida por anarquistas, abolicionistas, e caprichosos onde tudo o que se quer é guerra de classes. Esse é o pano de fundo.

O que dizer de: alguns apenados que recebem remição, trabalham; apuração de faltas gravíssimas somente com recursos sem efeito suspensivo – e olhe lá; maioria dos PADs imprestáveis - e não se diga por falta da desculpa batida de falta de recursos, mas de um mínimo cuidado e capricho na forma. Qualquer desvio formal, absolutamente contornável e fácil de ser feito (sim, já tentei mais de uma dezena - esse número é real - explicar, só faltou desenhar, e vou desenhar. Será o próximo passo). O que dizer quando uma autoridade flagra um preso com celular e ela mesma julga o PAD? E não reconhece a falta? O que dizer quando, pelo menos, na última década, 99 por cento de todas avaliações psicológicas que são feitas pela equipe técnica do estado (em casos de crimes com violência à pessoa), concluem que a prisão não resolve e não informam características da personalidade do criminoso, para que se acautele na liberação precoce e temerária de alguém? 
 
Óbvio que essa ausência JAMAIS prejudica o apenado. Inverteu-se a lógica; e quem disse que em não se conseguindo apurar nada contra o preso ele tem condições? Tudo ocorre de forma genérica. As progressões do regime fechado para o semiaberto são praticamente automáticas, é difícil fugir disso; tenta-se impedir uma progressão mesmo com várias fugas e delitos no curso da execução. O que dizer de prisões domiciliares por saúde no regime fechado, não demonstradas claramente a necessidade? Muito comum essas prisões domiciliares por saúde serem renovadas de 30 em 30 dias, ou em 60, ou em 90 dias? 
 
Tente recorrer e mostrar o equívoco da decisão? Quando chega ao tribunal, já perdeu o objeto, e nova decisão sobrevém por período igual, até chegar-se aos prazos para benefícios. Casos existem de condenados faceiros passeando pelas ruas como se não tivessem décadas de pena a cumprir. Até por gastrite já vi. Essa é a realidade, não só a que se mostra. Progressão para crimes hediondos com 2/5 ou 3/5 para reincidentes, conforme determina a lei? Não, apenas em parte, pois para a segunda progressão, utiliza-se 1/6 apenas! Criminosos habituais? Qual o problema em unificar, a absoluta imensa maioria. Detrações? Onde está escrito que não pode ocorrer por períodos anteriores ao delito pelo qual se cumpre a pena? Reincidência? Não é circunstância pessoal, mas processual, seria uma interpretação que muito prejudica o apenado. Conversão de pena restritiva em privativa, mesmo que esteja no fechado, por quê? Quando são mulheres, o ponto central são os filhos e a gravidez, mesmo que as condenações sejam por delitos na presença dos filhos. Como devolver alguma dignidade que a sociedade merece? São posicionamentos jurídicos? Sério isso? Tudo isso impacta diretamente na violência nas ruas e na impunidade. Quanto mais benevolência, sentem-se incentivados. Essa benevolência é fator criminógeno. Sempre haverá um abraço amigo . Por qual razão a tendência é sempre não buscar as reais razões do caos e já inventar mil desculpas e ideias mirabolantes?

Absolutamente, todas essas minhas colocações vêm de minha experiência e não têm outro objetivo senão o de cumprir a obrigação a que me imponho como agente política inserida em assunto tão sujeito a paixões e a manipulações ideológicas a esclarecer com o meu trabalho: a verdade não é exatamente essa que nos é mostrada. Não estou a negar fatos, estou a dizer com o mesmo comprometimento que fiz quando do juramento na minha posse em 1996, o que se mostra é apenas um recorte, que serve a mentiras, manipulações e sequestro da capacidade do indivíduo condenado entender que ele merece e precisa de uma resposta forte do Estado e como se toda a responsabilidade fosse do incompetente Estado ou dos cidadãos. Não, não é: é do criminoso.

“Quando as mentiras ficam grandes o suficiente, o mundo inteiro se deteriora. Mas se você olhar perto o bastante, a maior das mentiras é composta por mentiras menores e essas por outras menores ainda – e a menor das mentiras é onde a grande começa. Não é apenas uma declaração inexata sobre um fato. Pelo contrário, é um ato que tem a dimensão da mais séria conspiração que já possuiu a raça humana. Sua inocuidade aparente, sua maldade trivial, a tênue arrogância que a faz crescer, a aparente trivial fuga da responsabilidade que ela objetiva – tudo isso trabalha efetivamente para camuflar sua verdadeira natureza, seu verdadeiro perigo e sua semelhança com os grandes atos de maldade que os seres humanos perpetram e frequentemente apreciam: a mentira corrompe o mundo. E o que é pior: essa é a intenção.” (Jordan Peterson).

Olhos para quem quer ver.


Débora Balzan - A autora é Promotora de Justiça da Vara de Execuções de Porto Alegre, colunista do Tribuna Diária e membro do MPPS. 

Transcrito do Percival Puggina

Artigo publicado originalmente no portal Tribuna Diária de 30/08/2020


sexta-feira, 1 de maio de 2020

É preciso cultivar nossos jardins e punir os anjos da morte - Reinaldo Azevedo

Coluna na Folha

Estamos esmagados sob a égide de espíritos homicidas, mas nem tudo está perdido

Sinto desconforto ao ter de escrever sobre certas vigarices políticas quando o caos da Covid-19 já engolfou Manaus e Belém, avizinha-se de Fortaleza e São Luís, preparando-se para tragar Rio e São Paulo. Desconforto e sensação de impotência. Como todo mundo. Nada disso está bem. É preciso, então, cultivar nosso jardim. Volto ao ponto mais adiante, depois de tratar do fim de uma quimera, de que o triunfo da morte é parte.

Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça ambicionando o papel de mocinho no duelo com Jair Bolsonaro. Um completo ausente em tempos de coronavírus, demitiu-se cinco dias antes de o Monitor da Violência apontar nova escalada de homicídios. O índice cresceu 8% no país —22% no Nordeste— em janeiro e fevereiro na comparação com igual período do ano passado. A incompetência é apanágio da mistificação.

A aliança informal da operação com a extrema direita antecedia em muito o novembro de 2018, quando o então presidente eleito convidou o juiz para o cargo. No ministério, Moro condescendeu com o obscurantismo armamentista de Bolsonaro — e o resultado, tudo indica, já se traduz em corpos —, fez a defesa esganiçada e cruenta da licença para matar e se opôs ao juiz de garantias. [o presidente Bolsonaro devido o boicote sistemático ao seu governo, não conseguiu aprovar na plenitude nenhum das medidas destinadas a efetivamente combater a criminalidade.]

Saiu atirando contra o chefe, com quem formalizou uma aliança de pornografia política explícita há meros 17 meses. O rompimento foi didático. Expôs sem filtro a natureza da Lava Jato e o seu poder de corromper instituições sob o pretexto de caçar corruptos. Foi aquele serpentário que nos relegou às trevas. Os bolso-moro-fascistoides iam às ruas cobrar o emparedamento militar do Congresso e do Supremo, e o ministro se limitava ao sorriso de uma Monalisa sem mistérios.

Apostava que Bolsonaro, cedo ou tarde, iria se confrontar com a sua biografia e a da família, e ele, Moro, herdaria o lamaçal de memes e a indústria de difamação. Afinal, o chefe havia sido tolo o bastante para entregar ao subordinado o controle do Papol (Partido da Polícia). Na greve de setores da PM do Ceará, passou a mão na cabeça de criminosos amotinados e armados, apontando o seu cavalheirismo.

(....)

[o ex-juiz e ex-ministro teve um lado brilhante, eficiente, justiceiro e que colocou na cadeia bandidos perigosos (apesar da maioria ser idoso, por atuarem no estilo 'colarinho branco', assaltando os cofres públicos, roubando dinheiro público que faz falta à Saúde, à Educação, à Segurança e outras atividades essenciais - especialmente aos mais carentes - são perigosos).

Só que na sua saída conseguiu manchar toda sua até então brilhante biografia.

Como bem define:

Foi lastimável ver uma figura pública como o ex-ministro usando contra o presidente o mesmo truque de printar conversa de whatsapp aplicado contra ele Moro.


Aliás, acho que nem Glenn Greenwald faria a uma amiga e afilhada a baixaria que Moro fez a Carla Zambelli. E apresentou à TV Globo como “prova”. "




A exemplo de todo mundo, tenho repetido que um dia isso passa, mas exorto desde já a que façamos da memória uma arma de ajuste de contas com a história. Em benefício dos que estão por vir. E em memória dos que se foram.

(.....)


Que seja o mais plural e amplo possível. É preciso identificar os que ousaram substituir a ciência pela bruxaria ideológica, o direito à saúde pelo convite ao suicídio coletivo, o dever que tem o Estado de zelar pelo bem-estar dos cidadãos pela desídia calculada. Há momentos na história em que o mal se banaliza. E precisamos nos proteger, e às gerações futuras, da banalidade do mal. E dos embusteiros em pele de profetas.

Reinaldo Azevedo, jornalista - Coluna na Folha de S. Paulo

Saiu atirando contra o chefe, com quem formalizou uma aliança de pornografia política explícita há meros 17 meses. O rompimento foi didático. Expôs sem filtro a natureza da Lava Jato e o seu poder de corromper instituições sob o pretexto de caçar corruptos. Foi aquele serpentário que nos relegou àsSaiu atirando contra o chefe, com quem formalizou uma aliança de pornografia política explícita há meros 17 meses. O rompimento foi didático. Expôs sem filtro a natureza da Lava Jato e o seu poder de corromper instituições sob o pretexto de caçar corruptos. Foi aquele serpentário que nos relegou àsÉ preciso cultivar nosso jardim e punir os anjos da morteÉ preciso cultivar nosso jardim e punir os anjos da morteÉ preciso cultivar nosso jardim e punir os anjos da morteColuna na Folha: É preciso cultivar nosso jardim e punir os anjos da morte ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/05/01/coluna-na-folha-e-preciso-cultivar-nosso-jardim-e-punir-os-anjos-da-morte.htm?cmpid=copiaecola

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A democracia não é para sempre - Folha de S. Paulo

Conrado Hübner Mendes


O negacionismo político é mais perigoso que o sanitário

Pioneiro do rock russo, Andrei Makarevich contou em suas memórias que nunca lhe ocorrera que "qualquer coisa pudesse mudar na União Soviética". Recordava-se do conforto de pensar que "tudo era para sempre", de "viver num Estado eterno". O colapso não cabia na sua imaginação. O mesmo se passa com democracias. A ideia de que nada é tão ruim quanto parece, ou de que a história está do seu lado, pouco importa o que fazemos, tende a produzir resignação e passividade em democratas.

Dois séculos atrás Alexis de Tocqueville chamou a atenção para esse "fatalismo democrático". David Runciman o chamou de "armadilha da confiança": quanto mais se confia na permanência, maior o risco de pôr tudo a perder. Democracias do mundo, nos últimos 20 anos, sofreram significativa queda de qualidade. A quantidade de cidadãos insatisfeitos com o regime não parou de crescer. Relatório do Centro para o Futuro da Democracia, da Universidade de Cambridge, mostra que a proporção de insatisfeitos atingiu o pico de 57,5% em 2020, marco da "recessão democrática".

O ano de 2020 também nos levou ao pico da "terceira onda de autocratização" no mundo, segundo relatório do Centro V-Dem, da Universidade de Gotemburgo. Pela primeira vez desde o relatório inaugural, de 2001, há mais países autocráticos que democráticos no mundo. O Brasil, descrito como país "em via de autocratização", é um dos destaques negativos.  Apesar de tudo isso, logo após as eleições de 2018, surgiu aqui a legião dos profetas da democracia risco-zero. Vieram para nos proteger contra os alarmistas, aqueles que acenderam a luz amarela ao olhar não só para as palavras e atos de Bolsonaro em 30 anos de carreira, mas para a violência concreta e simbólica do movimento que ele incita.

Os profetas, grupo eclético que reuniu de Ives Gandra a FH, de Luís Roberto Barroso a Aloysio Nunes, e um pequeno grupo de acadêmicos, afirmavam que tudo não passava de "choro dos perdedores". O cientista político Carlos Pereira não nos poupou de provocação assim que o governo Bolsonaro completou seu primeiro ano. Em texto com título jocoso —"Ih... a democracia não ruiu"— voltou a nos ensinar que "as chances de erosão da democracia brasileira são quase nulas", uma "quimera".  Sua evidência científica era um famoso estudo da década de 1990, que relacionava estabilidade democrática e faixa de renda. Foi só. Não se deu sequer ao luxo de ouvir o que os autores daquele estudo, Fernando Limongi e Adam Przeworski, dizem hoje. Não permitiu a nuance, nem a dúvida.

O negacionismo político, que desfila cheio de soberba e verniz retórico, não foi só precipitado. Ao se apressar na resposta, não teve tempo de entender a pergunta. Não olhou para os lados, não ouviu os gritos dos fatos, dos números e das redes. Não observou as ruas, as periferias, as terras indígenas; nem as salas de aula, os laboratórios, as Redações de jornal. Mal examinou a integridade das instituições.  A deterioração democrática não chegou com Bolsonaro, mas ganhou com ele magnitude e velocidade desconhecidas.  O presidente não só continua a apoiar o pedido de golpe militar e o fechamento do Congresso e do STF, como embarcou sem volta no negacionismo sanitário, contra tudo que diz a ciência e a experiência mundial. É negacionismo estratégico, pois lhe interessa o destino político, não as mortes.

Há duas maneiras de instituições responderem. Uma é repousar no negacionismo político e emitir notas de repúdio. Outra é explorar vias políticas e jurídicas para preservar o mínimo democrático que nos resta, acima de projetos eleitorais de curto prazo. Ou alguma combinação criativa que não estamos vendo.  A revolução autoritária não será promulgada. Nem sairá no Diário Oficial.

Conrado Hübner Mendes, professor de direito da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt  - Folha de S.Paulo