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quinta-feira, 2 de julho de 2020

A falta que faz uma boa direita - Carlos Alberto Sardenberg

A Procuradoria Geral da República, sob o comando de Augusto Aras, já não esconde, nem disfarça: está em campanha para liquidar a Lava Jato, o conjunto de forças-tarefas organizadas em Curitiba, São Paulo e Rio. O argumento, alinhado em documento do vice procurador Humberto Jaques de Medeiros, não chega a dizer que essas forças são ilegais, mas é isso mesmo que se quer dizer. Ou seja, que a Lava Jato se tornou uma espécie de monstro fora de controle da cúpula do Ministério Público Federal. E que não é mais eficiente.

Nenhum argumento resiste. Comecemos pela eficiência: em apenas seis anos, a operação instaurou 1,6 mil processos nas três instâncias do Judiciário, firmou 298 acordos de colaboração premiada, dois quais 183 homologados pelo Supremo Tribunal Federal. Aliás , há 71 inquéritos no STF oriundos da Lava Jato, com 126 denunciados. Esse combate à corrupção se fez com os métodos mais modernos do mundo – tanto que 12 países da América Latina montaram suas próprias operações com base em fatos apurados pela parte brasileira. Grandes empresas brasileiras, como a Odebrecht, levadas por Lula, espalharam a corrupção mundo afora. A Lava Jato foi atrás e apanhou gente mundo afora. E trouxe de volta para o Brasil bilhões de reais que haviam sido roubados do contribuinte.

Eis o ponto. A Lava Jato inovou na investigação, sempre coordenada, envolvendo Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal,  o Coaf (que já conseguiram abafar)  e outros órgãos. Utilizou instrumentos contemporâneos, como a delação premiada, e introduziu novas interpretações jurídicas. Tudo isso permitiu caracterizar e punir os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha entre governantes, políticos e empresários. A operação não apanhou alguns casos de corrupção. O “direito penal de Curitiba” descobriu e apanhou um monstruoso assalto ao Estado que vinha sendo praticado há muitos e muitos anos. Lembra-se do “rouba, mas faz”? O outro direito penal, o velho, o da corte brasiliense, simplesmente não viu nada disso. Onde o velho direito, chamado garantista, via “simples caixa dois”, uma simples infração eleitoral, o novo descobriu lavagem de dinheiro – movimento, aliás, que começou a mudança.

A confirmação das sentenças em todas as instâncias desmonta o argumento de que a Lava Jato opera de forma ilegal. O velho direito – aqui incluídos advogados, magistrados, políticos e empresários acostumados a viver do dinheiro públicofez o possível para absolver Lula. O máximo que conseguiu foi tirá-lo da cadeia derrubando, de forma vergonhosa, a prisão em segunda instância. Agora, o ataque à Lava Jato é mais incisivo, pois parte de um governo que alardeava ter levado a Lava Jato para Brasília, dando um superministério a Sérgio Moro, para ampliar o combate à corrupção e à velha política. Moro está fora, a velha política está de volta, o presidente, incapaz de governar, só pensa em se livrar (e os filhos) de um passado suspeito perto das milícias do Rio.

Já escrevi aqui que um dos problemas da política brasileira é a falta de uma boa direita. Quando a sociedade, de algum modo, se inclinava para uma agenda conservadora/liberal, deu Collor. Depois dos anos do PT, com um Lula moderado no primeiro mandato, antes de cair na ampliação do Estado – para dar cargo e dinheiro aos correligionários –  a sociedade de novo se inclinou para a direita. E deu o capitão do Rio das Pedras. A agenda anticorrupção já era. A agenda de Paulo Guedes está funcionando só na cabeça de Paulo Guedes. Sim, a pandemia tornou necessário o aumento brutal do gasto público aliás, feito com baixa eficiência – mas a questão é que não se vê a preparação para a volta da agenda reformista. Saímos da velha e corrupta esquerda, do capitalismo de amigos, para cair em algo que nem se pode chamar de velha direita. É uma súcia.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

Coluna publicada em O Globo - Economia 2 de julho de 2020

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A falta que nos faz uma boa direita - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo

Era a hora da direita, entendeu o eleitorado

O voto foi mais anti-PT do que pró-agenda liberal. E deu Bolsonaro, extrema direita autoritária e atrasada

Vou falar francamente, de novo: uma Thatcher, hoje, seria perfeita para o Brasil. Mas uma Thatcher em grande estilo: líder de partido, ganhando eleições com uma agenda liberal. Seria bom até para modernizar a cultura estatizante amplamente dominante no Brasil. Um pouco de história: a longa administração conservadora de Margaret Thatcher fez o trabalho, digamos, sujo de demitir funcionários excedentes, cortar gastos públicos, controlar o poder dos sindicatos de empresas estatais (e depois privatizá-las), além de desregulamentar a economia, reformar a legislação trabalhista e reduzir a pesada burocracia do Estado.

Depois de um início custoso, com greves e desemprego em alta, funcionou. Com investimentos privados, o país voltou a crescer e gerar emprego e renda. Não por acaso, Thatcher ganhou três eleições seguidas. Quando veio o desgaste até normal da administração conservadora, o serviço principal estava feito. Aí veio Tony Blair com a suave conversa do “Novo Trabalhismo”: retomada dos investimentos públicos em educação, saúde e segurança, mas em uma economia livre, aberta e competitiva.

Já entre nós, quando o eleitorado comprou a ideia de que era preciso desmontar o Estado excessivo e abrir a economia, porque só produzíamos carroças protegidas, acabou elegendo Fernando Collor, cuja agenda correta para o momento não resistiu ao caixa de PC. E terminou que a agenda liberal caiu no colo de Fernando Henrique. FH não liderou um movimento dentro de seu partido e junto aos aliados para construir uma agenda comum de reformas. Para dizer francamente, pelo menos no começo, foi tudo no vai da valsa. As trapalhadas seguidas de Itamar Franco acabaram jogando o Ministério da Fazenda no colo de FH. Aí valeram a sabedoria e aguda percepção política do professor, que definiu logo o inimigo imediato — a superinflação — e escalou a equipe certa para atacá-lo.

Então, foi na sequência: para consolidar o combate à inflação, era preciso controlar o déficit das contas públicas, para o que eram necessárias as reformas, incluídas as privatizações. Vindo da esquerda, eleito com base nas novíssimas notas de real, FH precisou construir essa agenda momento a momento. Excetuada a equipe econômica, quase ninguém entre seus colaboradores e seguidores estava preparado para a missão. Tratava-se de uma elite intelectual criada nas ideias socialistas e social-democratas, que viu ruir o Muro de Berlim e alcançou o poder em um mundo em que só existia capitalismo —e numa fase de liberalismo à americana ou “thatcherista”.

Além dessa turma, havia os velhos políticos, todos acostumados a viver em torno do Estado. A gente até se espanta de ver quanto o governo FH avançou na agenda modernizadora. Mas, é claro, não terminou o serviço. E parte desse serviço, eis outra peça do destino, ficou para o governo Lula. É a origem de nossos problemas atuais; o eleitorados e cansou de uma agenda liberal antes que ela tivesse sido completada. E elegeu um governo propondo mudar tudo para a esquerda, mas topando com os entraves causados justamente pela não conclusão da agenda liberal.

Daí o Lula do primeiro mandato, uma mistura de esquerdismo estatizante e reformas. Até que se sentiu seguro, jogou fora qualquer coisa perto de liberal, trouxe os velhos políticos e exacerbou na corrupção. E deu no governo Dilma, que acabou de desmoralizar a esquerda e a política. Era a hora da direita, entendeu o eleitorado. Mas o voto foi mais anti-PT do que pró agenda liberal. E deu Bolsonaro, extrema direita autoritária e atrasada. É verdade que carregou Paulo Guedes, este, sim, um verdadeiro liberal e que, surpresa, consegue tocar o seu programa. Mas ele não é o presidente, é demissível. E a política econômica fica constantemente em risco pelos modos e falas do presidente Bolsonaro.

Tudo considerado, eis o que sempre nos faltou: uma boa direita, moderna, capaz de ganhar uma eleição com uma agenda liberal e implementá-la rigorosamente. E depois — por que não? — abrir espaço para uma esquerda contemporânea. Os dois lados colocando para fora os velhos políticos corruptos.