A falta que faz uma boa direita - Carlos Alberto Sardenberg
A Procuradoria Geral da República, sob o comando de Augusto Aras, já
não esconde, nem disfarça: está em campanha para liquidar a Lava Jato, o
conjunto de forças-tarefas organizadas em Curitiba, São Paulo e Rio. O
argumento, alinhado em documento do vice procurador Humberto Jaques de
Medeiros, não chega a dizer que essas forças são ilegais, mas é isso
mesmo que se quer dizer. Ou seja, que a Lava Jato se tornou uma espécie
de monstro fora de controle da cúpula do Ministério Público Federal. E
que não é mais eficiente.
Nenhum argumento resiste. Comecemos pela eficiência: em apenas seis
anos, a operação instaurou 1,6 mil processos nas três instâncias do
Judiciário, firmou 298 acordos de colaboração premiada, dois quais 183
homologados pelo Supremo Tribunal Federal. Aliás , há 71 inquéritos no
STF oriundos da Lava Jato, com 126 denunciados. Esse combate à corrupção se fez com os métodos mais modernos do mundo
– tanto que 12 países da América Latina montaram suas próprias
operações com base em fatos apurados pela parte brasileira. Grandes
empresas brasileiras, como a Odebrecht, levadas por Lula, espalharam a
corrupção mundo afora. A Lava Jato foi atrás e apanhou gente mundo
afora. E trouxe de volta para o Brasil bilhões de reais que haviam sido
roubados do contribuinte.
Eis o ponto. A Lava Jato inovou na investigação, sempre coordenada,
envolvendo Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal, o Coaf
(que já conseguiram abafar) e outros órgãos. Utilizou instrumentos
contemporâneos, como a delação premiada, e introduziu novas
interpretações jurídicas. Tudo isso permitiu caracterizar e punir os
crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha
entre governantes, políticos e empresários. A operação não apanhou alguns casos de corrupção. O “direito penal de
Curitiba” descobriu e apanhou um monstruoso assalto ao Estado que vinha
sendo praticado há muitos e muitos anos. Lembra-se do “rouba, mas faz”? O outro direito penal, o velho, o da corte brasiliense, simplesmente
não viu nada disso. Onde o velho direito, chamado garantista, via
“simples caixa dois”, uma simples infração eleitoral, o novo descobriu
lavagem de dinheiro – movimento, aliás, que começou a mudança.
A confirmação das sentenças em todas as instâncias desmonta o
argumento de que a Lava Jato opera de forma ilegal. O velho direito –
aqui incluídos advogados, magistrados, políticos e empresários
acostumados a viver do dinheiro público – fez o possível para absolver
Lula. O máximo que conseguiu foi tirá-lo da cadeia derrubando, de forma
vergonhosa, a prisão em segunda instância. Agora, o ataque à Lava Jato é mais incisivo, pois parte de um governo
que alardeava ter levado a Lava Jato para Brasília, dando um
superministério a Sérgio Moro, para ampliar o combate à corrupção e à
velha política. Moro está fora, a velha política está de volta, o presidente, incapaz
de governar, só pensa em se livrar (e os filhos) de um passado suspeito
perto das milícias do Rio.
Já escrevi aqui que um dos problemas da política brasileira é a falta
de uma boa direita. Quando a sociedade, de algum modo, se inclinava
para uma agenda conservadora/liberal, deu Collor. Depois dos anos do PT,
com um Lula moderado no primeiro mandato, antes de cair na ampliação do
Estado – para dar cargo e dinheiro aos correligionários – a sociedade
de novo se inclinou para a direita. E deu o capitão do Rio das Pedras. A agenda anticorrupção já era. A agenda de Paulo Guedes está
funcionando só na cabeça de Paulo Guedes. Sim, a pandemia tornou
necessário o aumento brutal do gasto público – aliás, feito com baixa
eficiência – mas a questão é que não se vê a preparação para a volta da
agenda reformista. Saímos da velha e corrupta esquerda, do capitalismo de amigos, para
cair em algo que nem se pode chamar de velha direita. É uma súcia.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 2 de julho de 2020
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