Lincoln
Gordon era um clássico liberal da Guerra Fria e, assim como Kennedy, ele viu no Brasil o próximo alvo
para uma expansão da Revolução de Fidel Castro nas Américas
Em
2004, Lincoln Gordon escreveu um livro intitulado “A segunda chance do Brasil”,
publicado pela Brookings Institution, em Washington. Gordon é mais famoso (ou notório) no Brasil por seu papel
como embaixador americano durante o golpe militar de 1964. Ele foi obrigado a
escrever um suplemento ao seu livro, em resposta aos novos documentos que
vieram a público. Lincoln Gordon morreu
em 2009, com 96 anos.
O regime
ditatorial brasileiro antecede em uma década a onda de ditaduras que viria
dominar a América do Sul, após Pinochet tomar o poder no Chile. Mas o que
aconteceu no Brasil, assim como a reação americana ao regime militar
brasileiro, provou-se um modelo para as ditaduras seguintes. Lincoln Gordon manteve que o seu objetivo
teria sido (por mais bizarro que isso
possa parecer) defender a democracia
no Brasil, e não destruí-la. [nada de bizarro no pensamento de
Gordon – o Governo Militar no Brasil se manteve dentro da democracia, com o
pleno funcionamento do Poder Legislativo, através de suas duas casas e o Poder
Judiciário em completo funcionamento.
Cumpre reconhecer que em algumas
situações excepcionais, instrumentos
legais excepcionais tinham que ser usado, em nome da celeridade na consecução
dos objetivos e compromissos do Governo Militar.] Ele sempre argumentou
que Jango representava uma ameaça comunista e que isto justificava a maneira pela qual os
americanos abraçavam o golpe com entusiasmo.
Lincoln Gordon era um
ex-professor de Harvard e assumiu o cargo com ótimas credenciais. Ainda jovem, administrou o Plano Marshall em Londres e em Paris, onde
envolvera-se na reconstrução da Europa no Pós-Guerra.
Ele seria o principal agente no Brasil para a Aliança
para o Progresso de Kennedy. E esta indicação demonstrava o quão central Gordon era para Kennedy e o seu plano
de promover uma alternativa democrática.
Ora, Lincoln Gordon era um clássico liberal da
Guerra Fria e, como tal, assim como o presidente Kennedy, ele viu no Brasil
o próximo alvo para uma expansão da
Revolução de Fidel Castro nas Américas. Gordon
estava certo sobre uma coisa: o
golpe militar não fora só bem
recebido pelo governo dos EUA, governado por Lyndon Johnson, mas também por muitos brasileiros,
incluindo políticos, que viraram a casaca depois: com o
fim do regime militar, grande
parte dos seus apoiadores se tornou participante ativa no restabelecimento do
novo regime civil,
incluindo José Sarney, que apenas mudou a sua posição ao fim da ditadura.
O
ex-embaixador era relativamente otimista com relação ao futuro brasileiro em
2004. Achava que o Brasil iria vingar desta vez e baseou-se em uma análise
técnica do que o país havia vivido economicamente desde 1964. Mas encerra o
livro com uma ressalva: uma reforma
política seria necessária para consolidar estes ganhos. Ele não fala em
corrupção, mas sobre a estrutura política do país.
O irônico
em tudo isso é que a crise atual no Brasil ressurge no momento em que outro
democrata liberal e graduado em Harvard está na Casa Branca. Barack Obama não
é, absolutamente, um liberal da Guerra Fria como John Kennedy ou Lyndon
Johnson. Ele é muito retraído quando se
tratam assuntos exteriores, pelo menos para os seus críticos republicanos, e
também, evidentemente, para Vladimir Putin. No entanto, Obama foi o presidente
que deu os primeiros passos para encerrar o embargo a Cuba. A presença americana no Brasil hoje em dia se
realiza, para o bem ou para o mal, menos
pela Casa Branca, e mais pelas cortes federais e procuradores, todos agindo
muitas vezes de forma independente, para não mencionar o papel das agências de
crédito.
Eduardo
Campos encerrou a sua última entrevista dizendo: “Não vamos desistir do Brasil”. Teria o otimismo de Gordon em seu
livro sido deslocado? Certamente, muitas das velhas ambiguidades sobre a
democracia no Brasil ressurgiram fortemente. Assim como ressurgiram os velhos
males da amnésia coletiva e as posições que certos sujeitos tomaram antes,
durante e após o regime militar.
E que
também levaram a uma perigosa justificação daqueles que, como Gordon,
acreditavam estar defendendo a democracia, enquanto efetivamente a condenavam.
Isto mostra, por fim, como a elite
brasileira tem uma capacidade infinita de negociar o inegociável e fingir
que, ou nada se passou, ou tudo é passado.
Por:
Kenneth Maxwell, historiador
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