O governo não governa
Crise é
mais profunda que a de 1992. Política é pretexto para o enriquecimento pessoal
e uso do Estado para distribuir prebendas
O governo perdeu a capacidade de
governar. A cada mês, desde a posse, o espaço de governabilidade foi se
reduzindo. Hoje,
luta desesperadamente pela sua sobrevivência. Qualquer
ato, por menor que seja, está mediado pela necessidade de preservação. Efetuou
uma reforma ministerial com o único intuito de ter uma base segura no Congresso
Nacional.
Em momento algum analisou
nomes tendo como base a competência. Não, absolutamente não. O único pensamento foi de garantir uma maioria bovina. E, principalmente, impedir a abertura de um
processo de impeachment.
O articulador deste arranjo
antirrepublicano foi o ex-presidente Lula. Ele assumiu o protagonismo, reuniu lideranças
partidárias, ditou mudanças políticas e econômicas e apresentou à presidente a
nova composição de forças. Foi louvado
pela imprensa chapa-branca. Parecia que a escuridão estava no fim. Teria
aberto o caminho da governabilidade, isolado os opositores e pavimentado a sua
eleição, dada como certa em 2018.
Ledo engano. A reforma
ministerial fracassou. Uma semana depois, o panorama no Congresso Nacional é o mesmo
— ou até pior. E Lula foi o grande derrotado. Na última quinzena, somou diversas derrotas. Foi acusado de vários crimes — lavagem de dinheiro, corrupção passiva, formação de quadrilha, entre
outros — pelo jurista Hélio Bicudo.
Dias
depois foi divulgada a notícia de que, em 2009, uma
medida provisória que beneficiava montadoras de veículos teria sido vendida, e um dos seus filhos supostamente
recebido R$ 2,4 milhões. Em seguida, duas revistas semanais
revelaram que Lula
teria praticado tráfico de influência internacional em Gana e na República
da Guiné Equatorial, favorecendo empreiteiras brasileiras e que o tríplex na Praia do Guarujá foi
reformado por uma grande empreiteira. O presidente, que se
autoproclamava o mais importante da História do Brasil, que, em 2010, estava em dúvida se
seria candidato a secretário-geral da ONU ou a presidência do Banco Mundial — sem contar
aqueles que queriam indicá-lo ao Prêmio Nobel da Paz — passou a evitar locais públicos, ficou
refugiado em auditórios amestrados e foi homenageado com bonecos representando-o em situações constrangedoras.
A crise deve se prolongar. O
projeto criminoso de poder — sábia expressão do ministro
Celso de Mello, decano do STF — não consegue conviver com o Estado
Democrático de Direito e fará de tudo para permanecer no governo, custe o que
custar. Ou seja, se for necessário jogar o país na pior
crise econômica do último meio século, o fará sem qualquer constrangimento.
Se
for preciso estender a crise política até a exaustão, não pensará duas vezes — fará com satisfação. Se for indispensável ameaçar com uma crise social — acionando movimentos mantidos com generosas
verbas oficiais — agirá desta forma sem pestanejar.
Neste caso, a dúvida que fica é
se aliados de travessia — como o capital financeiro
— vão manter seu apoio — que rende lucros fabulosos — a um governo que pode levar o país a uma
conflagração, jogando brasileiros contra brasileiros.
O
perfil da crise atual não tem relação com nenhuma outra da nossa história. É algo muito particular. Os
acontecimentos de 1992, por exemplo, tiveram como foco central denúncias de
corrupção que, nos moldes do projeto criminoso de poder, parece, como diria um
ex-presidente, “dinheiro de pinga.” A renúncia de Fernando Collor — o impeachment, vale lembrar, não ocorreu —
tem relação direta muito mais com o caminho econômico-político preconizado
quando da posse do presidente, em 15 de março de 1990, relacionado à profunda modernização do Estado e de suas
relações com a sociedade, do que com as acusações de corrupção — algumas comprovadas e que não envolviam
diretamente o presidente. Ou seja, ter retirado
privilégios de empresários de diversos ramos, de artistas e intelectuais, de
funcionários públicos e de empresas e bancos estatais, entre outros, e de se recusar partilhar a máquina pública para obter
apoio no Congresso, foram fatais.
Com este leque de adversários, o que causa estranheza é
que seu governo tenha durado tanto tempo.
A crise atual é mais profunda. A política é mero pretexto para
o enriquecimento pessoal e uso do Estado como meio de distribuir prebendas,
algumas milionárias, ao grande empresariado. O PT cumpriu o dito marxista: transformou o
Estado em comitê central da burguesia. Nos
dois governos Lula, isto foi possível devido à conjuntura econômica
internacional, às reformas adotadas nas gestões FH que deram frutos depois de
2002, ao estabelecimento de uma máquina burocrática
controlada por comissários do partido, à compra de apoio na imprensa, no meio
artístico, entre pseudointelectuais e a omissão da oposição parlamentar. Mas
o que era doce acabou.
Na última quinzena, o governo foi sucessivamente derrotado. Em um só dia, na última quarta-feira, colecionou três
fracassos: no Congresso Nacional, no STF e no TCU. Mas, como se diz popularmente, “não quer largar o osso.” Isto porque o
partido não sobrevive fora do Estado. Criou
um estamento de militantes-funcionários que vivem, direta ou
indiretamente, de recursos públicos. São os parasitas da estrela vermelha. E são
milhares. A maioria nunca
trabalhou — ou está distante décadas do mercado
formal de trabalho.
O projeto criminoso de
poder caminha para o isolamento. Vai ser derrotado.
Mas a agonia vai até quando? Empurrar a crise para 2016
significa uma irresponsabilidade histórica. A sociedade quer se livrar
do governo. Mas onde estão os novos governantes? E, principalmente, o que
pensam sobre o Brasil?
Por: Marco Antonio Villa, historiador
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