Moradora
de Moema, bairro de classe média alta da capital, e filha de pais advogados, a
jovem de 18 anos que sofreu estupro coletivo no Parque do Ibirapuera no último domingo (17) tem dores por todo o corpo, mas o pior de
tudo, diz ela, é lembrar das cenas de terror que viveu por cerca de uma hora. “Está difícil até sair de casa. Só quero que
tudo isso passe logo. Quero esquecer o que vivi”, afirmou, em entrevista
exclusiva a VEJA SÃO PAULO.
Na tarde
de quarta (20), a reportagem encontrou a garota e sua mãe no Shopping
Ibirapuera. Três dias após o ataque brutal que sofreu
no principal parque da cidade, a jovem se mostrou bastante abatida e
chorou durante a entrevista. Também
apresentava sinais de mal-estar provocados pela medicação pesada que vem
tomando para prevenir doenças sexualmente transmissíveis. O tratamento,
ministrado pelo Hospital Pérola Byington, referência no
atendimento a mulheres vítimas de violência sexual, dura 28 dias.
Parque
do Ibirapuera à noite (Foto: Veja São Paulo)
A
estudante, que espera o resultado do vestibular de direito em uma renomada
instituição paulistana, contou detalhes do ataque e lamentou o tratamento que
recebeu na delegacia ao denunciar o crime.
“Eu me senti em um ambiente muito machista. Eles usavam um tom inquisidor: ‘Ah,
então você fez isso”; “Você foi até
lá?”; “Você estava com ele’. Sempre com olhar de reprovação”, diz a garota.
“Não sou essa promíscua que estão
dizendo.”
A jovem afirmou ainda que bebeu demais naquele dia e que o rapaz de 19 anos com quem
estava antes de ser atacada se aproveitou de seu estado de embriaguez. “Fui ao parque para uma comemoração com um
grupo de amigas, acabei bebendo demais e ele se
aproveitou de mim, da minha fragilidade, ainda que sem violência”, contou. Ela foi estuprada nas proximidades do
Portão 7, que dá acesso à Avenida República do Líbano. O rapaz com que estava fugiu no momento em que os abusadores
chegaram. Ele levou o celular da vítima. Na segunda pela manhã, foi detido junto a outros três rapazes. Ouvido pela
polícia, foi liberado ainda naquele dia.
Confira abaixo o depoimento da
jovem a VEJA
SÃO PAULO:
Cheguei
ao parque por volta das 16h. Fui até a marquise me encontrar com um grupo de
amigas para uma comemoração. Tomei um susto quando vi aquela quantidade de
pessoas [ela afirma que só no dia seguinte soube que se
tratava de um rolezinho organizado pelas redes sociais]. Por causa daquela
‘muvuca’, decidimos fazer nosso piquenique mais afastado. Sentamos no gramado
próximo ao MAM [Museu de Arte Moderna] e por ali ficamos. O pessoal trouxe bastante bebida. Cerveja e
vinho, principalmente. Bebemos e não vimos o tempo passar. Até que
em um momento, um rapaz se aproximou puxando papo. Era bem simpático. Usava
alargadores nas orelhas. Era branco, magro e alto.
Conversamos
sobre vários assuntos, de política à educação. E continuamos bebendo. O pessoal com
quem eu estava foi se dispersando e, no fim, ficamos só ele e eu. O parque,
naquele momento, continuava bem cheio. Era por volta das 19h30, estava
escurecendo e eu queria ir embora. Até porque já estava bem mal por causa da
bebida. Ele levantou a mão, abriu e mostrou um punhado de droga. Perguntei o que era e ele disse que se tratava de cocaína. Contou
que havia acabado de comprar ali no parque mesmo. Lembro de ter ficada
assustada e de não ter usado. No meu depoimento à
polícia, perguntaram se havia ocorrido consumo de drogas. Eu disse que sim. Mas
eles entenderam que eu havia usado, o que eu não lembro ter acontecido. Estamos
aguardando o laudo dos exames que vai mostrar isso [o resultado deve sair em 30
dias].
Falei
para ele que precisava ir embora e fomos caminhando juntos, de mãos dadas, até
o Portão 6. Ele começou a ir para uma área mais escura e com muitas árvores,
próximo do local chamado de ‘bananal’, um lugar que eu só conhecia de nome.
Sabe quando tem pavor de um lugar? (o local fica próximo
ao Viveiro Manequinho Lopes, onde jovens, tanto héteros quanto homossexuais,
fazem sexo).
Continuei
dizendo que precisa ir embora. Estava muito mal e zonza. Ele foi me forçando.
Foi aí que tudo aconteceu. Ele se aproveitou de mim, da minha fragilidade,
ainda que sem violência. Eu me vi no chão quando, de repente, num lapso de
tempo, eu já não o via mais ali ao lado. Imediatamente, chegaram três homens na
minha frente e acredito que mais outros três atrás de mim. Eles me xingavam de p.., de vadia e vieram para cima.
Eles
me colocaram abraçada contra uma árvore, de costas para eles, seguraram meus
braços e me estupraram. Foi uma hora de terror. Eu gritei, pedi ajuda, mas chegou um momento de
tanto pavor que a voz nem saia de dentro de mim. Eu só queria que aquilo terminasse
logo. Quando eles me soltaram dei por falta das minhas coisas. Os estupradores
disseram que o rapaz com quem eu estava antes afirmou que era namorado e levou
tudo.
Eu saí
correndo, chorando, até encontrar um funcionário do parque, que me ajudou a
chegar até em casa. Liguei desesperadamente para minha mãe, que estava num
jantar, mas não consegui contar o que aconteceu por telefone. Só pedi para ela
chegar logo. Entrei em estado de choque sem abrir a boca. Aos poucos, de forma
monossilábica, contei o que aconteceu. Eu me senti envergonhada e culpada.
Chegamos ao 27º DP [Campo
Belo] por volta das 23h para registrar o boletim de ocorrência. Eu me
senti num ambiente muito machista. Eles usavam um tom inquisidor: “Ah, então
você fez isso”; “Você foi até lá?”; “Você estava com ele”. Sempre um com um
olhar de reprovação. Acho que é por isso que as mulheres vítimas de violência
não prestam queixa.
Estou em
choque com tudo isso. Não sou essa menina promíscua que as pessoas estão
falando. O meu relato à polícia foi deturpado. Se eu estivesse em sã
consciência, jamais teria acontecido isso. Ainda mais porque eu que sempre fui àquela
pessoa que tem noção do perigo, sempre me previno muito.
Sou
grudada com a minha mãe, mando whatsapp de onde estou, que horas vou chegar [a
mãe mostra as conversas num smartphone]. Jamais teria chegado perto desse
garoto se tivesse o ar de uma pessoa ruim.
Estou com
dores na clavícula, nos braços, e meu joelho está todo dolorido. Fui encaminhada ao Hospital Pérola Byington para exames e
tomei uma série de medicações e vacinas preventivas contra doenças sexualmente
transmissíveis. O tratamento vai durar por 28 dias. Quero que tudo isso
passe logo quero esquecer o que vivi. Está até difícil de sair de casa.
O local do crime relatado na ocorrência do 27º
Departamento de Polícia foi o portão 6 do parque, que fica na altura do número
950 da Avenida Quarto Centenário. Segundo o boletim, a vítima foi violentada por cerca de uma hora e trinta minutos. A jovem disse ter feito uso de bebida alcoólica e cocaína
e foi enviada ao Projeto Bem Me Quer para procedimentos médicos e psicológicos.
Fonte:
VEJA São
Paulo
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