Empresa Mossack: a serviço
de ditadores e delatores
Responsável
pela abertura de offshore dona de tríplex é acusada de financiar ações de
terrorismo e corrupção no Oriente Médio e na África
As
investigações da Operação Lava-Jato chegaram ao edifício Solaris, no Guarujá, onde está o tríplex em nome da OAS que
pertenceu ao ex-presidente Lula e a sua mulher, Marisa Letícia. O
tríplex faz parte de uma lista de 11 apartamentos que o Ministério Público
Federal suspeita terem sido usados para lavar dinheiro de contratos da
Petrobras, beneficiando
pessoas ligadas ao PT e ao ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto,
preso desde abril de 2015 e já condenado em um dos processos.
Citado
pela revista “The
Economist” como "líder impressionantemente discreto da
indústria de finanças de fachada no mundo", o escritório de direito e finanças Mossack
Fonseca teve sua representação brasileira transformada em um dos principais alvos desta nova fase da Lava-Jato.
Quatro funcionários da empresa
tiveram prisão temporária decretada e seus telefones grampeados. Situado no coração de São
Paulo, na Avenida Paulista, o escritório era uma “fábrica de offshores’’ à disposição de
empresários e agentes públicos interessados em ocultar bens no exterior,
segundo o MPF. A expectativa dos investigadores é de que novos esquemas
de corrupção sejam descobertos a partir de agora.
Acusada
de financiar ações de terrorismo
Em outros
países, a Mossack Fonseca é acusada de
financiar ações de terrorismo e corrupção em nome de interlocutores de
ditadores como o sírio Bashar Al-Assad, o líbio Muammar Gaddafi e o
presidente do Zimbabwe Robert Mugabe.
No Brasil, já se sabe que a empresa abriu offshores
para três réus da Lava-Jato: os ex-funcionários da Petrobras Renato Duque e Pedro
Barusco, além do operador Mário Góes.
O escritório também é o
responsável pela abertura da offshore Murray, oficialmente dona de um dos tríplex vizinhos ao reservado ao
ex-presidente Lula, no edifício Solaris, no Guarujá, alvo de
investigação nesta fase da Lava-Jato. Passaram ainda pelo escritório offshores
investigadas na Operação Ararath, iniciada no Mato Grosso e que já está em sua
10ª Fase.
A Murray utiliza o mesmo endereço
em Nevada, nos EUA, onde estavam
registradas duas offshores que apareciam como sócias da Global Participações, que teve como administrador o empresário Wesley Batista, do grupo JBS. A investigação da Ararath segue
em segredo de Justiça. O elo entre o
Mossack e o prédio do Guarujá é a publicitária Nelci Warken, presa na
quarta-feira. Dona de uma pequena empresa de panfletagem, ela é proprietária de
pelo menos 14 imóveis transferidos à Murray, entre eles um dos tríplex do
Solaris. “Há indícios suficientes de que a Mossack pode ser utilizada na
estruturação de operações por meio de offshores, visando à ocultação e à
dissimulação da natureza, origem, localização, disposição e propriedade’’,
escreveu o MPF.
A Mossack foi fundada no Panamá
em 1977 pelo alemão Jurgen Mossack e o panamenho Ramón Fonseca. Hoje, tem escritórios afiliados
em 44 países. Na quarta-feira, a Mossack não comentou a operação. Advogados dos
funcionários presos disseram que colaboram com a investigação.
Lula
diz que não ocultou patrimônio
Para a
Polícia Federal, que na quarta deflagrou a 22ª fase da Operação Lava-Jato, batizada de Triplo X, essas unidades do
edifício têm “alto grau de suspeita
quanto à sua real titularidade”.
Ler na íntegra....................
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— Nós investigamos fatos. Todos
os apartamentos e todas as pessoas que tiveram ligação com este empreendimento
são investigadas. Se houver um apartamento lá que esteja em seu nome (do
ex-presidente Lula) ou que ele tenha negociado, ou alguém de sua família, vai
ser investigado como todos os outros — disse o procurador da República Carlos Fernando
Lima.
— Há indicativos que um tríplex
pertence a ele (Lula), mas temos de avançar na investigação — disse o delegado Igor de
Paula, coordenador da investigação da Lava-Jato na PF. Para o procurador, houve interesse especial da OAS para
concluir os apartamentos do Solaris.
Na
quarta-feira, após deflagrada a operação, Lula reproduziu nas redes sociais
trecho do que disse em entrevista a blogueiros simpatizantes ao PT na semana
passada: “Gosto
de ser provocado”.
À noite,
no Facebook, Lula disse que não foi sequer citado na
decisão do juiz Sérgio Moro e repudiou tentativa de envolver seu nome em atos
ilícitos investigados na Lava-Jato: “Lula nunca escondeu que sua família
comprou, a prestações, uma cota da Bancoop, para ter um apartamento onde hoje é
o edifício Solaris. Isso foi declarado ao Fisco e é público desde 2006. Ou
seja: pagou dinheiro, não recebeu dinheiro pelo imóvel. Para ter o apartamento,
de fato e de direito, seria necessário pagar a diferença entre o valor da cota
e o valor do imóvel, com as modificações e acréscimos ao projeto original. A
família do ex-presidente não exerceu esse direito. Portanto, Lula não ocultou
patrimônio, não recebeu favores, não fez nada ilegal. E continuará lutando em
defesa do Brasil, do estado de direito e da Democracia”.
Edifício
já é alvo do MP de São Paulo
O
edifício Solaris foi transferido da Bancoop para a OAS em 2009 e já é alvo de
investigações do Ministério Público de São Paulo. Pelo menos oito das 11
unidades sob suspeita do edifício à beira mar da praia de Astúrias, no Guarujá,
seguem em nome da OAS, que descarta irregularidades e diz que ainda não
conseguiu vendê-los.
Um
relatório da PF anexado às investigações diz que há “manobras financeiras e comerciais complexas” envolvendo a OAS, a
Bancoop e pessoas vinculadas ao PT, e que os apartamentos “podem ter sido repassados a título de propina pela OAS em troca de
benesses junto aos contratos da Petrobras”. A OAS já teve seus principais
executivos condenados na Lava-Jato por corrupção, e a Bancoop é investigada em São Paulo por estelionato contra os cooperados,
que teria sido praticado por Vaccari e pelo
ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro.
Além do tríplex reservado a Lula,
que ficaria na unidade 164-A, de frente para a praia das Astúrias, outros dois apartamentos estão em nome de Simone Godoy (133-A),
mulher do ex-assessor especial da Presidência da República no governo Lula
Freud Godoy; e de Sueli Falsoni Cavalcante
(43-A), funcionária da construtora.
Para os
investigadores da Lava-Jato, o
apartamento de Sueli seria o destinado a Vaccari e já teria, inclusive, sido
declarado pela mulher dele, Giselda Rose Lima. A cunhada de Vaccari, Marice
Correa de Lima, apontada pelo doleiro Alberto Youssef como a pessoa que
coletava dinheiro de propina para o PT em nome de Vaccari, também aparece na lista de proprietários e declarou uma unidade em seu
IR de 2010.
Em
depoimento prestado em outubro do ano passado, Lenir Gushiken, ex-cunhada de Luiz Gushiken, morto em 2013, disse ter ouvido
que o filho de José Genoino também teria apartamento no edifício. Por meio de um amigo, Ronan Kayano Genoino informou ao GLOBO que não tem apartamento no Guarujá.
Disse ainda que sequer frequenta a cidade e que nenhum membro de sua família
possui imóveis lá.
Marice comprou um apartamento da
OAS e o revendeu mais caro para a própria construtora. Em seguida, a OAS o vendeu por menos do que teria pago à Marice. Para os
investigadores, a manobra é indício de lavagem de dinheiro. Os advogados de
Marice informaram que ela está fora do país e não vai comentar.
Na lista das 11 unidades do
Solaris sob suspeita está um segundo tríplex, em nome da
offshore Murray Holding, sediada em Nevada, nos Estados Unidos. O negócio é
obscuro. A pessoa que aparece como intermediária na transferência do
apartamento para a offshore é a publicitária Nelci Warken, uma das três pessoas
presas na quarta-feira. Para os investigadores, ela não
tem capacidade financeira para ser proprietária de imóveis com valores que
alcançam mais de R$ 5 milhões e pode ter servido como “laranja”. Dona de várias empresas,
Nelci também prestou serviços para a Bancoop.
Na
investigação para identificar os reais beneficiários da Murray, a Lava-Jato chegou ao escritório Mossack
& Fonseca, com sede no Panamá e filial em São Paulo, responsável pela abertura de centenas de offshores usadas
para lavagem de dinheiro. Entre elas,
seis já foram identificadas como repassadoras de propina da Petrobras. Das seis
pessoas que tiveram prisão temporária decretada pela Justiça, três estão no
exterior e são vinculadas ao escritório.
Segundo a
PF, foi montada uma estrutura criminosa destinada a
oferecer a investigados da operação a abertura de empresas offshores e contas
no exterior para ocultar dinheiro desviado em corrupção, “notadamente recursos oriundos de delitos
praticados no âmbito da Petrobras”. Além
de Nelci, foram presos Ricardo Onório Neto, sócio da Mossack, e Renata
Pereira Brito, funcionária ligada à empresa. A PF levou coercitivamente para prestar depoimento Eliana Pinheiro
de Freitas, suspeita de ser laranja no
esquema, e o venezuelano Rodrigo Andres Uesta Hernandez, funcionário da
Mossack.
O
principal interlocutor de Nelci no escritório era Ademir Auada, que está fora
do país. Sua família não quis comentar. Morador de São Bernardo do Campo, ele é
acusado de destruir documentos junto com a filha, antes de uma ação da PF. Em
nota, a Bancoop disse sobre o Solaris que
“por deliberação coletiva dos respectivos cooperados, adotada em assembleia
realizada em 27 de outubro de 2009 e confirmada pela adesão individual de cada
cooperado, o empreendimento foi transferido à construtora OAS”.
Irmãos
Trombeta, os novos delatores
A 22ª fase da Operação Lava-Jato revelou dois novos
delatores: os
irmãos Leandro e Roberto Trombeta. A dupla usou o escritório Mossack Fonseca
para abrir oito offshores destinadas à lavagem de dinheiro. Pelo menos uma
delas, a Kingsfield Consulting Corp,
aberta no Panamá, foi usada para receber valores da OAS provenientes de
obras no Peru e no Equador.
Aos
investigadores, Roberto Trombeta
confessou que subsidiárias da OAS no Peru e no Equador repassaram mais de US$
15 milhões a ele para pagamento de propina. O esquema era feito através de
contratos fictícios, nos mesmos moldes dos feitos pelo doleiro Alberto Youssef
na Lava-Jato. Roberto Trombeta disse que dos montantes depositados no exterior,
cerca de US$ 8 milhões foram por ordem da OAS, numa conta indicada por Youssef
na Suíça.
Segundo
Trombeta, a OAS Peru repassou US$ 6,15
milhões à Constructora Andreu, do Chile, por meio de contratos de serviços
fictícios. A empresa chilena, por sua vez, repassou US$ 5,76 milhões para uma
empresa espanhola, a DSC Workshop Obras Construcciones e Promociones. O
dinheiro teria transitado por offshores holandesas até chegar à conta da
Kingsfield aberta no Banco BPA, em Andorra, entre novembro de 2012 e fevereiro
de 2013.
A OAS Equador destinou US$ 9,15
milhões a uma empresa de fachada, segundo os delatores. O dinheiro passou pela Espanha,
por offshores holandesas e desembocou na mesma conta do Banco BPA, entre
setembro e outubro de 2012. Roberto afirmou que, além do dinheiro que foi parar na Suíça, cerca de US$ 7 milhões
permaneceram na conta do banco BPA. Ele disse, ainda, que administrava essa
conta e recebia da construtora pelo serviço. O esquema de Trombeta também está
sendo investigado por autoridades peruanas.
Dilma:
acusações sem provas
Perguntada sobre a 22ª fase da Lava-Jato, que se
aproxima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (apesar de não citá-lo em momento algum), a presidente Dilma
Rousseff afirmou que, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova,
atualmente, é de quem acusa.
Etapa da
operação realizada na quarta-feira investiga se um prédio no Guarujá (SP), no qual Lula teria um apartamento, foi
usado pela OAS para lavar dinheiro.
— Acho que foi a partir da Revolução Francesa,
se não me engano foi com Napoleão, que, ao contrário do mundo medieval, o ônus
da prova é de quem acusa. Daí, o inquérito, toda a investigação. Antes você
provava assim: eu dizia que você era culpado e você lutava comigo. Se você
perdesse, você era culpado. Houve um grande avanço no mundo civilizado, a
partir de todas as lutas democráticas — disse a presidente, em entrevista na
quarta, ao deixar a cúpula de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Dilma
ficou irritada ao ser indagada sobre a avaliação de que a nova fase da
Lava-Jato, chega perto do ex-presidente Lula. — Se alguém falasse a respeito de qualquer um de nós aqui, que a nova
fase da Lava-Jato levanta suspeita sobre você, e você não soubesse qual é a
suspeita e de onde é a suspeita, você não acharia extremamente incorreto do
ponto de vista do respeito? — questionou.
Perguntada
ainda se a Lava-Jato afeta a economia, respondeu:
— O FMI acha.
Repercussão
em Brasília
Em
Brasília, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou de “especulações indevidas” as análises de
que a fase da Lava-Jato, na quarta, mira o ex-presidente Lula.
— Até onde sei, essa investigação
está sob sigilo. Apenas posso dizer de situações que são públicas.
Recentemente, o juiz Sérgio Moro disse que o ex-presidente Lula não é
investigado, e eu não recebi nenhuma informação de qualquer ato investigativo
em relação a essa pessoa do juiz Sérgio Moro. O ex-presidente não está sendo
investigado, e nem me parece que tenha sido determinada qualquer medida na
investigação de hoje (quarta-feira) — afirmou Cardozo.
Integrantes
do Palácio do Planalto avaliam que a nova fase da Lava-Jato é mais uma tentativa de atingir Lula, e petistas
próximos ao ex-presidente a interpretam como estratégia para desgastar a imagem
dele. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, disse que há uma “obsessão” em criminalizar Lula.
— Ele já disse que não é dele o
apartamento, que ele pretendeu e depois desistiu de comprar. Eu acho só que as
pessoas têm que aguardar um pouquinho as investigações antes de colocar os
carimbos. (...) Isso vale pra todo mundo, para o pessoal que é do meu lado,
para a oposição. Então, ele é uma figura, evidentemente, que tem uma liderança
bastante sólida no país, é uma referência, um nome superconhecido, oito anos
presidente. Então, virou objeto de desejo — disse Jaques Wagner.
Líderes
da oposição dizem que a operação é mais um passo no fechamento do cerco a Lula.
— O objetivo é o tríplex da família. E
Lula não nasceu ontem e sabe disso. Essa investigação vai produzir
consequências políticas profundas. Vai colocar sob impasse definitivo a relação
de Lula com Dilma — diz o senador José Agripino Maia (DEM).
Fonte: O Globo
Fonte: O Globo
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