Um alto preço
Em meados de dezembro, a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN), que examina no Senado uma série de pautas da chamada Agenda Brasil, articulada pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMBD-AL), com os líderes partidários para alegadamente incentivar a retomada do crescimento econômico do país, aprovou o Projeto de Lei 186/2014, que regulamenta a exploração dos jogos de azar. A proposta autoriza o funcionamento em todo o território nacional de cassinos e bingos, além de legalizar os jogos eletrônicos e o jogo do bicho. O projeto não passará pelo plenário do Senado (a menos que haja recurso endossado por pelo menos nove senadores) e seguirá para a apreciação da Câmara dos Deputados.
A agenda proposta por Renan tem pontos que, de fato, podem contribuir para ajudar o Brasil a sair do atoleiro político e econômico, mas a inclusão da legalização dos jogos de azar atende mais à nova rodada de oportunismo de parlamentares que emprestam o mandato ao lobby da jogatina que a interesses reais do país. O jogo foi proibido no Brasil em 1946. Desde então, comandado dos desvãos da semiclandestinidade, e sob maior ou menor complacência do poder público, tem sobrevivido, há muito tempo, como atividade umbilicalmente ligada ao crime organizado.
Por isso mesmo, a consequência mais imediata de uma eventual legalização seria jogar no colo dos barões da contravenção uma máquina de acumulação de capital na qual estão impressas as digitais da criminalidade. Mesmo atuando à margem dos negócios legais do país, o jogo clandestino tem uma estrutura, em nível nacional, que lhe facilitaria tomar de assalto as rédeas da atividade legalizada. O Estado, por sua vez, que já se mostra débil diante de demandas da segurança pública — como a contenção dos surtos de violência, o tráfico de drogas, o contrabando de armas etc. —, não teria como impedir o avanço das quadrilhas que já controlam atividades como jogo do bicho, bingos eletrônicos e máquinas caça-níqueis.
As quadrilhas que operam da semiclandestinidade as ações ilegais de jogatina desenvolveram uma engenharia capaz de burlar o controle estatal. Essa expertise é fruto de uma particularidade criminal adjacente — conexões com máfias internacionais especializadas nesse tipo de burla, comprovadas por operações policiais contra a exploração de máquinas caça-níqueis e jogos eletrônicos de azar em geral.
Também é fruto dessas ligações com o submundo da contravenção a peculiaridade de os jogos de azar terem se tornado um amplo campo de ação da “indústria” de lavagem de dinheiro. Por fim, fora do âmbito financeiro, há o aspecto, nem sempre lembrado, do vício: assim como drogas e bebidas, o jogo pode causar dependência. Em 1992, a Organização Mundial de Saúde incluiu o jogo compulsivo no Código Internacional de Doenças. Somados estes aspectos negativos, a legalização traria para a sociedade alta dose de ônus, ao passo que alegados aspectos positivos não compensariam o preço a ser pago pela insanidade da aprovação dessa lei.
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