A
despeito da existência de dois ou três favoritos, o resultado da
eleição prevista para hoje na Câmara é imprevisível. Tudo ali é incerto.
Exceto duas constatações que, de véspera, já sustentam as análises do
dia seguinte. Ambas surradas de tão repetidas e previsíveis. Uma
parte do princípio de que o quase cassado Eduardo Cunha continuará
influente caso seja eleito um deputado “ligado” a ele. Como se entre os
aspirantes com chance de vitória houvesse algum que possa se dizer
inteiramente “desligado” dele. Cunha foi eleito em fevereiro de 2015 com
267 votos, batendo três concorrentes no primeiro turno.
Chegou à
presidência da Casa com o apoio explícito dos partidos ao qual são
filiados os principais oponentes da disputa atual e a torcida implícita
do PSDB, hoje prometendo votos a Rodrigo Maia (DEM-RJ), cujo partido foi
entusiasta da eleição de Cunha pelo mesmo motivo dos tucanos: impor
derrota ao PT. Na ocasião, o partido de Rogério Rosso (PSD-DF)
ficou com o petista Arlindo Chinaglia, mas logo o deputado hoje tido
como um dos favoritos viria a integrar o grupo do novo presidente.
Marcelo Castro (PMDB-PI), lançado ontem pelo partido do presidente em
exercício antes de ter sido ministro de Dilma, é correligionário de
Cunha.
Portanto, no quesito que uns usam para desqualificar os
outros, o cenário une os rotos aos esfarrapados, pois o hoje renegado
chegou a viver dias de quase unanimidade na Câmara. Sobre o mito da
manutenção do poder por trás das cortinas não há muito a dizer além de
apontar o vazio de uma tese que parte de premissa errada, transforma um
ator no irrecuperável ocaso de carreira em astro digno de Oscar no papel
principal. Cunha é rei posto. Será cassado, provavelmente preso,
e tal como outros que já mandaram muito mais que ele no País, sentará
praça no ostracismo na companhia de seus advogados. O polo de poder em
relação ao Legislativo voltará a ser o Palácio do Planalto. Ainda mais
nessa situação em que o presidente não será alguém de grande capital
político. Basta ver a lista dos candidatos.
Isso quer dizer que o
governo dará boas-vindas ao novo rei, seja ele quem for. A recíproca
será verdadeira, voltando a vigorar a tradicional relação de dependência
(às vezes afetiva e sempre pragmática). Neste ponto chegamos ao segundo
tema das análises previsíveis referidas no início. Diz respeito à
expectativa de que a saída de Eduardo Cunha de cena possa dar ensejo a
modificações dos meios de modos da nossa política tão antiga. É
preciso ter claro: Cunha não é causa; antes é consequência – não a única
– daqueles notórios maneirismos. Não inventou a troca de apoio por
benesses nem mesmo pode ser apontado como o responsável pela ascensão do
baixo clero ao cardinalato. Quem inverteu essa correlação de forças
internas foi Luiz Inácio da Silva ao institucionalizar o armazém depois
conhecido como mensalão. Ali as nulidades ascenderam à condição de
divindades, piorando bem o que já vinha ruim há muito tempo.
Creditar
o defeito coletivo a Cunha é alimentar falsas expectativas para depois
constatar que não foram atendidas. Lamentável informar, mas ainda não
será agora nesse mandato-tampão. Talvez a partir de 2019 quando, e se,
na eleição do ano anterior ao menos a parcela mais consciente da
sociedade resolver abandonar a atitude de repúdio à política –
primo-irmão da alienação – e fizer a sua parte. Negócio da China.
Convém lembrar: o deputado eleito hoje será, na prática, o
vice-presidente a exercitar a interinidade logo após a resolução do
impeachment quando Michel Temer, caso efetivado, irá à China em sua
primeira viagem internacional.
Fonte: Dora Kramer - O Estadão
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