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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Saindo do vermelho



Para o eleitor comum, a maior bandeira é seu emprego, sua chance de mobilidade social
As eleições municipais no Brasil deram uma surra no PT e na esquerda. Foram mais de dez anos de voto de confiança no petismo e, enquanto a população estava no azul ou sonhando com o azul, era fácil votar na “esquerda”. Agora, a conta dos escândalos e da ineficiência chegou e o eleitor não perdoou. Lula tentou minimizar o impacto: “Essa é a beleza da democracia. É a alternância de poder. A troca de pessoas que governam”. Estas eleições foram uma punição, numa “beleza de democracia”.

[a esquerda tem que acabar - chega de comunismo, de desrespeito à família; a esquerda representa tudo que não presta.]

O voto ideológico e partidário já era. É quase impossível analisar o voto da maioria apenas à luz da lógica ou das redes sociais. Pior ainda é tentar desacreditar a maré conservadora à luz das paixões e militâncias. Analista que faz isso é ingênuo ou de má-fé.  A desilusão mundial com os políticos, pela corrupção e pelas mentiras, leva o eleitor a mandar um recado claro, com voto oculto não detectado pelas pesquisas eleitorais. Ele prefere apostar no desconhecido, por mais arriscado que possa ser. O desconhecido ainda não o decepcionou, ainda não roubou bilhões de verba pública, ainda não faliu estatais. O desconhecido com uma história pessoal de sucesso é um chamariz de voto.
 
Não é por acaso que 23 milionários tenham sido eleitos no primeiro turno prefeitos no Brasil.  Para o eleitor comum, a maior bandeira é seu emprego, seu trabalho, sua chance de mobilidade social. Sua família é a maior preocupação. Saúde, segurança e o futuro de seus filhos são o que lhe tira o sono. O futuro do planeta, a ecologia, a paz, nada disso guia a maioria silenciosa na urna. É sua felicidade e a dos muito próximos o que comanda seu voto. Não vivemos tempos de compaixão ou de solidariedade com imigrantes e refugiados, ou com vizinhos de prédio ou de fronteira, ou com menores carentes ou delinquentes. No Brasil, na Colômbia, na Hungria, na Grã-Bretanha, na Espanha, nos Estados Unidos, o panorama é parecido e individualista. Não é elogio nem crítica, mas uma constatação.

Ninguém esperava que um empresário e apresentador de TV ganhasse no primeiro turno a prefeitura de São Paulo. No Rio de Janeiro, o voto maciço em um pastor evangélico da Universal, sobrinho do bispo Edir Macedo, acompanhado por expressivos 14% de votos no filho de Jair Bolsonaro, revelou que o carioca mudou e mandou o PMDB às favas.

Marcelo Freixo, do PSOL do Rio, é a exceção vermelha que comprova a regra. Quem o garantiu no segundo turno foi o eleitor jovem e de curso superior, a Zona Sul afluente. O povão, em nome de quem Freixo promete governar, o rejeita. A primeira pesquisa Datafolha para o segundo turno mostrou que a maior diferença entre os dois candidatos está nos eleitores apenas com ensino fundamental: 52% para Crivella, 21% para Freixo.

A esquerda desmerecerá o voto da massa? Dirá que não é esclarecida? Ou assumirá que os mais pobres foram os mais afetados pelos desmandos do governo Dilma? Admitirá que o povo brasileiro é religioso, tradicional e tem valores próximos aos da direita militarista que vota em Bolsonaro? A maioria rejeita direito ao aborto, descriminalização de drogas, casamento gay, desarmamento civil e acha que bandido bom é bandido morto. Pode fazer referendo. Vai ver. Pelo mundo afora, é a mesma toada conservadora e de desencanto, que impulsiona um voto oculto ou envergonhado, invisível nas pesquisas. Há nuances segundo o país, mas é possível reconhecer um padrão. Abstenções, votos nulos e em branco estão em alta.

Um dos votos mais surpreendentes foi o do referendo na Colômbia. Era dado como certo que o povo colombiano aprovaria o acordo de paz com os guerrilheiros das Farc, depois de mais de 50 anos de guerra civil e 260 mil mortos. Mas o povo disse “não” no referendo. Rejeitou a anistia aos guerrilheiros.  Na Hungria, 95% rejeitaram em referendo abrigar cotas de refugiados de guerra e imigrantes. Na Grã-Bretanha, o povo decidiu pela Brexit, a saída da Europa. Na Espanha, nenhum partido consegue formar maioria em eleições, e o povo está há quase 300 dias sem um governo nacional – e feliz com isso. “Sem governo, sem ladrões”, dizem os espanhóis. Já nos Estados Unidos, Donald Trump é o ídolo dos nacionalistas, um fenômeno absurdo de ódio, racismo, xenofobia, machismo. Inexplicável?

Ao chegar a Nova York na semana passada, peguei no aeroporto um táxi dirigido por um jovem de Bangladesh, que foi com a família há 20 anos para os Estados Unidos. Perguntei em quem votará para presidente. “Ainda não sei”, disse com sotaque forte. “Não gosto de nenhum dos dois. Será um voto difícil [‘tough’]. Mas, no último dia, vou escolher Trump ou Hillary.” Fiquei boquiaberta. Tive a sensação de que o rapaz de Bangladesh já se decidira por Trump. Um voto oculto e envergonhado, como tantos que acabam por decidir uma eleição. [nem os Estados Unidos conseguirá resistir a um governo Hillary, logo após dois mandatos desastrosos de um Obama. Por isso Trump tem que ser eleito.] 

Fonte: Ruth de Aquino – Revista Época

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