É uma reação de impacto, que passa a ideia de ação, força, autoridade, num contexto em que o governo parecia mais perdido do que cego em tiroteio - como bem disse meu amigo Jorge Bastos Moreno - e a população assistia, estarrecida, a escalada de rebeliões, decapitações e demonstrações de poder do crime organizado. Em vez de continuar jogando a batata quente no colo dos estados (como se a população ficasse satisfeita em ouvir mais uma vez que a missão constitucional de administrar a segurança é deles), e a culpa pela crise nos governos do PT (como se não tivesse feito parte deles), Michel Temer tomou uma atitude. Palmas para ele.
É grande o risco, porém, de o feitiço voltar-se contra o feiticeiro no médio e no longo prazos. Até porque se, como diz o governo, os militares se restringirem mesmo a fazer varreduras nas penitenciárias, num trabalho eventual e pontual, sem contato com os presos, poderá ser bastante limitado o resultado dessa medida. Traduzindo: não vai resolver o problema. [pelo horário que a matéria foi escrita se constata que a autora não contava que Temer pode ser 'marcha lenta' mas tem sorte: os bandidos ao promoverem o CAOS nas ruas de Natal desafiaram as Forças Armadas o que levou Temer a tomar a acertada decisão de transformar a aviltante função que havia sido imposta aos militares - auxiliares de agentes penitenciários - na importante missão de mostrar aos bandidos quem manda e o preço que deve ser cobrado de quem afrontar as FF AA.]
Essa é a opinião de diversos especialistas no tema, alguns deles contrários à quebra do tabu de se botar os militares a cuidar de questões da ordem interna. Outros acham insuficiente a medida, anunciada com estardalhaço incompatível com seus efeitos potenciais. Aliás, talvez tenha sido essa percepção que levou Temer a dar entrevista na tarde desta quarta para esclarecer que a convocação das Forças Armadas para combater a crise penitenciária é apenas uma das medidas de um conjunto, "o fio de um novelo". Ou um esparadrapo para curar ferimento de bala, como apontam outros?
Talvez o presidente tenha percebido que não é bom exagerar nas expectativas se a atuação dos militares irá se circunscrever mesmo às varreduras. No imaginário popular, pode ter ficado aquela primeira ideia de que as Forças Armadas vão lá combater os bandidos em rebelião e resolver as coisas. Quando isso não acontecer, a decepção será grande - e voltada sobretudo contra o autor da medida, que todo mundo sabe quem é.
Por outro lado, são grandes os riscos de se colocar soldados do exército, despreparados para o trabalho de polícia, dentro de presídios controlados pelo crime organizado. Não foram treinados para isso, e pode sair muita confusão. Aliás, uma confusão que não é nova. Já vimos esse filme quando as forças armadas ajudaram no trabalho de pacificação das UPPs no Rio. O maior receio era a falta de treinamento dos militares, preparados para a guerra mas não para a bandidagem. [o fato do treinamento dos militares ser para a guerra será a principal diferença no abate dos bandidos em Natal e, se necessário, em outras cidades brasileiras.] Num primeiro momento, deu tudo certo, mas as coisas degringolaram. E o filme das UPPs acabou sem final feliz.
Mais complicado ainda seria o cenário de o governo botar de fato o Exército, a Marinha e a Aeronáutica dentro dos presídios, com a missão de manter a ordem, e as coisas funcionarem, seja lá de que jeito for. As Forças Armadas, que já hoje estão entre as instituições com maior aprovação por parte da população, poderiam acabar se encaixando naquele papel do herói salvador que o país desencantado com a corrupção e os políticos tanto procura. Um perigo...
São remotas as chances de a crise penitenciária - que, obviamente, não é só penitenciária - ser resolvida com o que foi anunciado até agora. Pode, no máximo, ajudar o presidente a atravessar os dois anos de mandato que tem pela frente sem ser decapitado. nMas todo mundo sabe que o cerco ao crime organizado exige estratégia bem mais complexa e só será eficaz com medidas de inteligência e investigação competentes para acabar com os esquemas, inclusive financeiros, que sobrevivem e continuam a ser administrados mesmo com seus líderes na cadeia. Com a presença do Estado para coibir o tráfico e o recrutamento dos jovens que, sem alternativa, passam a trabalhar nessa indústria. Com a dura punição à corrupção dos agentes do Estado que ganham com a manutenção desse esquema. Com a implantação de programas sociais e de educação nas áreas de risco.
A crise penitenciária não vai se resolver também enquanto não houver um sistema eficiente de vigilância nos mais de 17.000 km de nossa imensa fronteira para bloquear as rotas do tráfico em território nacional. Não é fácil, e nem barato, e já foi tentado outras vezes. No governo Dilma Rousseff, por exemplo, foram implantadas, com a união das Forças Armadas, das polícias federal, rodoviária e estaduais, e dos Ministérios da Defesa e da Justiça, as Operações Ágata e Sentinela para vigiar as fronteiras brasileiras. Por delegação presidencial, quem coordenava e comandava esse programa - cadê ele? - era o então vice-presidente da República, Michel Temer.
Fonte: Helena Chagas - Blog do Noblat - O Globo
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