Mais presos, mais lucro
EUA decidiram acabar com sistema carcerário privado por falta de reabilitação
O
Departamento de Justiça americano determinou, em agosto, acabar com o
uso de prisões privatizadas no sistema federal. Nas palavras da
procuradora-geral adjunta, Sally Q. Yates, em memorando sobre a decisão,
as prisões geridas por empresas têm piores condições do que as do
governo e “simplesmente não oferecem o mesmo nível de serviços,
programas e recursos para correção (dos presos); não economizam custos
substanciais (aos cofres do governo); e como apontado em um relatório
recente do escritório do inspetor-geral do Departamento, não mantêm o
mesmo nível de proteção e segurança.”
A principal
queixa do Departamento de Justiça é a ausência de política de
reabilitação dos presos nas instituições privadas. “Serviços de
reabilitação, como programas educacionais e treinamento profissional, se
provaram difíceis de replicar e terceirizar — e estes serviços são
essenciais para reduzir a reincidência e melhorar a segurança pública”,
diz o memorando.
Os EUA têm a maior taxa de
encarceramento do mundo. O número de presos em presídios federais saltou
800% entre 1980 e 2013. Como medida para evitar superlotação, o
Departamento de Justiça começou a enviar condenados a prisões privadas
em 1997 e se tornou o maior cliente da indústria bilionária de serviços
de encarceramento — mais de 15% dos presos federais estão nestas prisões
(nos presídios estaduais são 7%).
O Departamento de
Justiça determinou que o número de presos federais seja reduzido à
metade até maio. Outros cortes devem ser feitos nos próximos anos;
contratos não devem ser firmados ou renovados. A
realidade das prisões americanas é muito diferente da que temos no
Brasil, a começar pelo fato de que o Departamento de Justiça recorreu ao
setor privado como medida emergencial para evitar a superlotação das
próprias instalações, diante do crescimento exponencial de presos — ao
contrário do Brasil, que permite às terceirizadas manter presídios
superlotados mesmo pagando até R$ 4.100 mensais por preso, como no
estado do Amazonas, segundo informou o “Estado de S.Paulo”.
A
privatização dos presídios funciona assim: cria-se uma empresa em que a
principal missão (reabilitar os presos, com o objetivo de reduzir a
reincidência e, assim, melhorar a segurança pública), em última
instância, levaria a mesma empresa à falência. É um modelo de negócios
que só funciona se as prisões continuarem cheias e os ex-internos,
voltando.
Inúmeros estudos já comprovaram a relação
entre educação e formação profissional para presos e a queda da taxa de
reincidência — um levantamento recente da Universidade de Nova York
concluiu que programas vocacionais podem reduzir a reincidência em 20%;
outro, do Departamento de Correções da Flórida, mostrou que os
benefícios de se investir nestes programas excedem os custos que o
governo teria com reincidência. Nas mãos do setor
privado, no entanto, a lógica é reversa: o investimento em programas de
reabilitação de presos não implica apenas em mais gastos, como em menos
ganhos no longo prazo, já que estes presos não retornariam ao sistema.
Há óbvio conflito de interesses e implicações éticas na privatização dos
presídios. A primeira: a responsabilidade do setor privado não é com a
sociedade, mas com os investidores. Mais violência, mais presos; mais
presos, maior o faturamento.
As empresas gestoras de
presídios nos EUA têm gasto milhões de dólares em lobby contra, por
exemplo, a descriminalização das drogas, pois isso reduziria o número de
presos — a maioria dos que estão em prisões federais hoje cumpre
sentença por tráfico. Também fizeram lobby contra a reforma das leis de
imigração defendida pelos democratas, que poderia anistiar parte dos 11
milhões de ilegais que vivem nos EUA hoje. Na cadeia, eles dão lucro —
imigrantes ilegais são a população que mais cresce nos presídios; mais
da metade em instituições privadas.
Essas
instituições também usam manobras para manter os presos por mais tempo,
como atribuir a eles infrações internas, já que os juízes decidem sobre
redução de penas com base em relatórios dos presídios sobre o
comportamento dos internos. Com isso, compensam o lucro limitado pelo
teto no valor cobrado por interno (10% menor do que o custo médio dos
estados, exigência legal para sua contratação), segundo as Universidades
de Wisconsin e Chicago. Outros estudos, compilados pelo In the Public
Interest (ITPI), apontam manobras semelhantes.
O
Departamento de Justiça age com independência, mas Donald Trump, que
defendeu a terceirização em campanha, apontou como procurador-geral o
ultraconservador Jeff Sessions, que pode reverter a determinação da
gestão anterior. Eles, como as autoridades no Brasil, estariam na
contramão das evidências.
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