"Baseado" acabou com grupo de resistência que lutava contra ditadura no DF
De acordo com os documentos, os militantes foram encarcerados em unidades policiais distintas e todos sofreram algum tipo de tortura
A prisão por porte de maconha na Asa Sul levou ao desmantelamento de
uma das células de grupos de esquerda que lutavam contra a ditadura
militar no Brasil. A partir de uma usuária flagrada com um “baseado”,
agentes da repressão chegaram aos endereços dos “inimigos” e prenderam
20 pessoas no Plano Piloto sob a acusação de integrar o que denominaram
Grupo Caratinga. Encarcerados em unidades policiais distintas, todos
sofreram algum tipo de tortura. Inclusive quem não teve relação
comprovada com a resistência.
A ação contra o Grupo Caratinga ocorreu em 1973, mas só agora, 44 anos depois, é possível saber os detalhes da investigação. Elaborado pelo Exército, o dossiê confidencial faz parte do acervo de documentos da SSP-DF que teve o sigilo quebrado na semana passada. Compartilhado com 18 órgãos de segurança, incluindo o Serviço de Inteligência da PMDF, o dossiê concluído em 10 de setembro de 1973 identifica o trabalho como “Infiltração subversiva no meio universitário em Brasília”.
A ação contra o Grupo Caratinga ocorreu em 1973, mas só agora, 44 anos depois, é possível saber os detalhes da investigação. Elaborado pelo Exército, o dossiê confidencial faz parte do acervo de documentos da SSP-DF que teve o sigilo quebrado na semana passada. Compartilhado com 18 órgãos de segurança, incluindo o Serviço de Inteligência da PMDF, o dossiê concluído em 10 de setembro de 1973 identifica o trabalho como “Infiltração subversiva no meio universitário em Brasília”.
O documento mostra os passos dos investigadores até a queda do grupo. O
batismo da ação se deu em função de sete integrantes terem nascido em
Caratinga (MG). Eles foram presos por militares na terra natal, em
Vitória (ES) e em Brasília. E quem estava com eles no momento acabou
levado e mantido encarcerado, por semanas, sem acusação formal e sem a
família sequer ser comunicada.
A derrocada do Grupo Caratinga no DF começou em 15 de junho de 1973, quando policiais federais flagraram uma menina fumando maconha embaixo do Bloco F da 409 Sul. Obrigada a subir ao apartamento, acabou revelando alguns segredos da resistência. Com mandado de busca e apreensão, os agentes vasculharam o imóvel e encontraram “material subversivo remetido do exterior (Suécia) por Marcos Santilli, filho de deputado federal Santilli Sobrinho (MDB-SP)”.
A derrocada do Grupo Caratinga no DF começou em 15 de junho de 1973, quando policiais federais flagraram uma menina fumando maconha embaixo do Bloco F da 409 Sul. Obrigada a subir ao apartamento, acabou revelando alguns segredos da resistência. Com mandado de busca e apreensão, os agentes vasculharam o imóvel e encontraram “material subversivo remetido do exterior (Suécia) por Marcos Santilli, filho de deputado federal Santilli Sobrinho (MDB-SP)”.
Por isso, os federais prenderam quatro pessoas no apartamento e uma quinta na entrada do prédio. Todas moravam em endereços diferentes no Plano Piloto. Os agentes concluíram que o apartamento do Bloco F da 409 Sul era o ponto de encontro do “grupo subversivo”. Após arrancar informações de alguns presos, outra equipe foi mandada ao Bloco F da 408 Sul, pertencente a um dos detidos na 409. Agentes do DOI-CODI monitoraram o imóvel do Bloco F da 408 Sul de 16 a 18 de junho de 1973.
Torturas
Os suspeitos foram levados à carceragem da Superintendência da PF, em Brasília. Após os primeiros depoimentos, uma equipe do serviço secreto do Exército deu continuidade à operação do DOI-CODI. Meses depois da investida nas quadras 408 e 409, o Bloco I da 312 Norte amanheceu cercado em uma sexta-feira de agosto de 1973. Agentes prenderam seis suspeitos. No mesmo momento, outras ações ocorriam no Plano Piloto, com mais quatro detidos. A partir de então, os 20 presos no segundo semestre de 1973, em Brasília, acusados de envolvimento com o Grupo Caratinga, foram fichados e torturados. Familiares de alguns os deram como desaparecidos, pois não sabiam das prisões.
Após as operações, estavam nas mãos dos agentes da ditadura os sete que os militares acreditavam ser integrantes da cúpula do Grupo Caratinga. São eles: Gustavo do Vale, José Lourenço Cindra, Maria das Graças de Sena, Miriam Leitão, Romário César Schettino, Valtair Almeida e Selma Sena. “Era fim de tarde. Eu saía do Banco Central, onde trabalhava. Quando cheguei perto do meu Fusca, fui cercado por policiais armados até os dentes. Arrancaram os meus óculos, cobriram a minha cabeça com um capuz preto e me jogaram no chão do Fusca, entre os bancos. Alguém assumiu a direção e fui parar onde suponho ser o subsolo do Ministério do Exército, na Esplanada. Fiquei desaparecido por 25 dias”, lembra o ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do DF Romário Schettino, à época estudante de história da UnB.
Nos porões da ditadura, ele enfrentou 10 dias de interrogatório sob extrema violência para que revelasse a relação com os colegas de república — ele dividia o imóvel do Bloco I da 312 Norte com outros jovens. Depois, o transferiram para uma cela, no Setor Militar Urbano (SMU), onde ficou 15 dias. “Tive uma forte dor nos rins. Gritava e ninguém aparecia. Até outros presos mandarem gritar mais alto. Enchia os pulmões e gritava. Veio um médico militar e aplicou uma injeção de Buscopan”, conta.
O fim do cárcere e da tortura ocorreu de forma semelhante à captura. Com um capuz preto, agentes colocaram o jornalista em um carro e o abandonaram em um matagal, no fim da Asa Norte. Os militares devolveram o Fusca. Até hoje Romário não sabe quem foram seus algozes. Antes de ser liberado, foi advertido de que deveria deixar Brasília. Ele perdeu o emprego no banco, vaga conquistada com concurso público. Partiu para o exílio na França, onde morou um ano e meio. Também passou seis meses na Alemanha. Quando voltou ao Brasil, o general Ernesto Geisel iniciava um processo de abrandamento das atrocidades cometidas contra setores da população. “Voltei para a UnB, mas no curso de jornalismo. Durante muito tempo tive pesadelos. Acordava molhado de suor. Vivia com a sensação de ser perseguido.”
AbsolvidosJornalista do grupo Globo, Miriam Leitão não é citada no dossiê do Grupo Caratinga produzido por militares do DF e disponíveis no Arquivo Público local. Mas era uma das integrantes e também acabou presa na manhã de 3 de dezembro de 1972, um ano antes do desmantelamento do grupo. Ela e o companheiro à época, Marcelo Netto, estudante de medicina, moravam em uma favela de Vitória (ES), o Morro da Fonte Grande. O casal era filiado ao PCdoB. Foram detidos no centro da cidade, a caminho da praia, e levados ao quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército.
Miriam levou mais de 40 anos para revelar em detalhes as torturas sofridas. Em 2014, ela fez o relato ao Observatório da Imprensa. Então com 19 anos e grávida, Miriam ficou trancada nua em um cômodo, tendo uma cobra como companhia e ameaça. Em 2 meses de prisão, chegou aos 39kg, 11 a menos do que quando chegou. Marcelo passou nove meses em uma solitária.
Os dois e outros presos se encontraram em junho de 1973, na 2ª Auditoria da Aeronáutica, para o que os militares chamavam de sumário de culpa, o único momento em que o réu falava. Miriam estava no sétimo mês de gravidez. O processo, que envolvia 28 pessoas, a maioria jovens, os acusava de tentativa de organizar o PCdoB no Espírito Santo, de aliciamento de estudantes, panfletagem e pichações. No fim, Miriam e a maioria conseguiram absolvição.
Marcelo foi condenado a 1 ano de cadeia e acabou expulso do curso de medicina. Solto, virou jornalista. Outro integrante do Grupo de Caratinga, Gustavo do Vale também perdeu o curso de medicina. Ficou mais de um ano preso. Quando ganhou a liberdade, teve de ficar por três anos parado, sem poder dar continuidade aos estudos, devido a uma das normas da mais pesada lei da ditadura, o AI-5.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário