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sábado, 4 de fevereiro de 2017

A nova rotina de Eike Batista

O duro e complicado dia a dia do empresário, que já foi o homem mais rico do Brasil e a sétima fortuna do mundo, no presídio de Bangu

Um homem precisa de um travesseiro. O travesseiro apoia-lhe a cabeça para dormir, o travesseiro aquieta-lhe o espírito justamente quando ele, o próprio espírito, agita-se e não deixa o homem dormir. Essa é a história da nova vida (nada boa) de um homem e de seu travesseiro de branca fronha.

Essa não é a primeira vez que um bilionário da lista daForbes” acaba na cadeia, mas é a primeira vez que a cadeia de Bangu recebe um bilionário da lista da “Forbes”. Como prisão jamais sobe de categoria, seja o seu hóspede pobre, rico ou remediado, é o nosso prisioneiro em questão quem despencou no status social e econômico. Eike Batista, eis o nome do homem do travesseiro. E do preso. Sob a acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e pagamento de propina de US$ 16,5 milhões ao ex-governador Sérgio Cabral, desde a segunda-feira 30 Eike é um dos três ocupantes da espremida cela 12 da galeria A da unidade prisional Bangu 9, no Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio de Janeiro. A cela tem onze metros quadrados. Vale a conta do irrespirável: menos de quatro metros quadrados para cada preso. Bem diferente, mas bem diferente mesmo, da mansão de três mil metros quadrados na qual ele morava na zona sul carioca. Mais contas: cabem 272 celas na casa onde vivia. Agora, sobrevive. Como se disse, é irrespirável.

Em 1987, quando a revista “Forbes” estreou o seu rol dos homens mais ricos do mundo, entre eles figurava o megatraficante colombiano Pablo Escobar, fortuna estimada em US$ 3 bilhões. Como se sabe, Escobar e prisão viraram sinônimos. Em 2012 Eike brilhou na lista como a sétima fortuna mundial, riqueza com um zero a mais: US$ 30 bilhões. Só por curiosidade (ah, as coincidências do mundo), foi justamente no mesmo ano em que a “Forbes” soltou a sua primeira relação de bilionários que se começou a construir o Complexo de Bangu. Nada disso, é claro, atinge a reputação da publicação: ela existe há três décadas e somente dois famosos que a frequentaram derraparam tão feio.

Visita íntima, não já
Sérgio Cabral também está em Bangu, na unidade 8, destinada a quem tem curso superior. Eike não possui diploma, então foi alocado no pavilhão 9, que segundo as autoridades não abriga gente de facção – inimaginável pensar em cadeia no Brasil sem pensar em facções, mas fique-se com a explicação oficial. Que ninguém imagine, no entanto, que lá não é chapa quente: Eike vai conviver com milicianos, presos de grupos de extermínios e matadores de aluguel. São duras as duas horas diárias de banho de sol com tais pessoas, cuja atitude mais gentil é responder “bom dia por que?” a quem educadamente as cumprimenta. E Eike Batista, que já foi o homem mais rico do País quando comandava seu império “X”, é extremamente educado e gentil. Há outras diferenças da cela de Cabral para a do empresário, devido à ausência de diploma de curso universitário: no cubículo de Eike não tem chuveiro, só o cano que despeja água gelada; e não há vaso sanitário, apenas o buraco no chão, que os presos chamam de “boi”.


Como Eike Batista chegou a Bangu no meio da tarde, às seis horas já estava na cela e aprendeu o que se chama “confere”: ficar em pé para ser contado pelos agentes penitenciários. A contagem geral de presos “bateu”, 422 detentos, o empresário já incluído (a capacidade da unidade é para 541 homens). As sete da noite, impreterivelmente, as celas são trancadas. Assim aconteceu na segunda-feira, e nesse momento Eike foi informado que as sete horas da manhã elas são abertas e ocorre então outro “confere”. Eike dormiu mal na primeira noite, na cama (beliche) de alvenaria, em meio a uma Bíblia, sacos plásticos, garrafa d’água e outros objetos. Tudo ainda improvisado, mas já de uniforme. Na manhã seguinte tomou café com leite e pão, almoçou arroz, feijão, farofa e salsicha – o cardápio de Bangu, dependendo do dia, tem macarrão ou carne vermelha ou frango ou peixe, verdura, doce ou fruta. Como se vê, as refeições são na base do ou e não do e. É uma coisa ou outra. O tempo das mesas fartas evaporaram.

Eike tem direito a um ventilador de 30 centímetros de diâmetro e televisão de catorze polegadas, desde que a família os leve e apresente as notas fiscais. Aliás, falando em família, dentro de duas semanas ele poderá receber visitas todos os dias, menos às terças-feiras (três visitantes por vez); visita íntima, essa só bem mais para frente, e tem de ser autorizada pelas assistentes sociais. Já na semana passada, no entanto, veio-lhe apoio: seus filhos Olin e Thor, a esposa, Flávia, e a ex-mulher Luma de Oliveira postaram mensagens nas redes sociais, demonstrando-lhe toda solidariedade. Em uma das mensagens repetiam as frases de Eike que estão deixando muita gente com cabelo em pé: puro pavor de que ele tenha insinuado uma possível delação premiada quando declarou no aeroporto JFK, em Nova York, que “é hora de as coisas serem passadas a limpo, vamos mostrar como as coisas funcionam”. Voltemos, entanto, ao sono que mal veio na primeira noite, noite que lembra desconforto – e estranho e duro e áspero travesseiro.
A cabeça e o travesseiro
Sim, Eike tinha travesseiro, mas não o travesseiro no qual dormiu profundamente na classe executiva da aeronave da American Airlines, que o trouxe dos EUA para a cadeia. O travesseiro do voo era o dele, íntimo dele, leve e de pluma. Tornou-se companheiro constante, seguiu com o empresário para o IML, para o presídio Ary Franco e, de repente, quedou-se capturado na portaria de Gericinó. Eike, por onde passou, o levou, mas o acessório do bem-estar da cabeça e do espírito foi barrado em Bangu. Tinha sido a única exigência de Eike levar o travesseiro de plumas. Não conseguiu. É proibido. Presidiário tem de se contentar com o travesseiro da prisão quando joga o corpo na “comarca”, expressão que entre as grades significa cama. Até a cabeça de Eike se acostumar com esse travesseiro, até esse travesseiro pegar o jeito de sua cabeça, é natural que leve algum tempo.


Também algum tempo passará para que ele se habitue ao novo visual. Em algum momento, é bem provável que tenha pensado: “se era para alguém desfazer, porque que é que eu fiz?” Refiro-me não à riqueza, mas sim à perda de seus cabelos, implantados pelo caríssimo método Tricosalus. Deve ter doido muito, assim como perder o travesseiro, perder os cabelos artificiais que lhe davam até topete. Doeu voltar à calvície. Sejamos francos: ele não está sequer calvo, está mesmo é com careca de preso. O leitor talvez se pergunte por qual motivo colocou-se na história o detalhe da fronha. Simples: travesseiro de presídio, em todo o Brasil, é sem fronha porque é fácil usá-la para sufocar desafetos ou camuflar o rosto em rebeliões.

Fonte: Isto É

 

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