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terça-feira, 7 de março de 2017

A Fila da Agonia - os leitos que fazem falta no SUS sobre na iniciativa privada

ÉPOCA explorou as razões da crise das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) brasileiras.

A reportagem investigou o que há por trás da cruel disputa por um leito no Sistema Único de Saúde (SUS). Esse é um drama nacional que castiga as famílias e obriga os médicos a fazer escolhas trágicas diariamente. A análise de processos judiciais e a realização de dezenas de entrevistas revelam os dilemas de vida e morte ocorridos enquanto governo e Justiça trocam ofícios

A aposentada Maria Lucia Machado, de 62 anos, lavava a louça do almoço quando passou mal e precisou ser levada ao Hospital Municipal Dr. Alexandre Zaio, na Vila Nhocuné, Zona Leste de São Paulo. Naquela sexta-feira de outubro, ela chegou ao pronto-socorro com grave falta de ar e pressão arterial nas alturas. Os médicos detectaram uma pneumonia e a necessidade de agir rápido. Em quatro dias, a paciente, que já havia infartado no mês anterior, sofreu duas paradas cardíacas. Precisava dos cuidados de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) – um recurso ferrenhamente disputado no Sistema Único de Saúde (SUS).  

Os médicos assumiram o risco de colocá-la em um respirador artificial ali mesmo, na sala de emergência. Era para ser uma solução provisória até que conseguissem um leito de UTI em outra instituição da maior metrópole do país. Durante 37 dias, eles tentaram garantir uma última chance à doente que julgavam ser recuperável. Os insistentes pedidos de transferência foram negados mais de 120 vezes por diferentes instituições municipais, estaduais e privadas que prestam serviço ao SUS. A maioria registrou em um sistema oficial da prefeitura a mesma resposta peremptória: “Sem vaga”.

Depois de passar mais de um mês entubada na sala de emergência, a aposentada foi infectada por bactérias multirresistentes e não resistiu. Enquanto a janela de oportunidade para salvá-la era medida em dias e, depois, em horas, o pedido de socorro feito pela família circulou pelos escaninhos da gestão pública e da Justiça com uma lentidão incompatível com as urgências médicas. Quando a juíza determinou que o Estado custeasse o tratamento em um hospital particular, era tarde demais. A história por trás da morte de Maria Lucia não é apenas um atestado da escassez de vagas de UTI na rede pública brasileira, um fato demonstrado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Ela também é fruto da má gestão dos leitos existentes – um problema tão ou mais grave, segundo a análise dos especialistas. Ao decidir a quem dar o último leito de UTI, os médicos assumem escolhas trágicas. Ao ignorá-las, toda a sociedade perde. 

A história da paciente que passou um mês entubada no pronto-socorro revela as escolhas trágicas feitas pelos médicos enquanto governo e Justiça trocam ofícios

Um corredor comprido, cercado por paredes que há tempos não recebem pintura, leva à entrada da casa alugada onde, até outubro, vivia a costureira aposentada Maria Lucia Machado, de 62 anos, na Vila Matilde, Zona Leste de São Paulo. Entra-se pela porta da cozinha abafada. Era ali que ela administrava as pendências materiais e mantinha apertados os laços de uma família cheia de necessidades. A sala havia sido transformada em quarto improvisado para um irmão desempregado. Para outro irmão, que sofre de esquizofrenia, construiu-se um puxadinho nos fundos. Maria Lucia compartilhava o quarto original com dois sobrinhos acolhidos desde a infância: Leticia, de 23 anos, e Luan, de 13 anos – ambos portadores de deficiência intelectual. À filha única, Priscila Machado Sambrana, de 38 anos, foi destinado o andar de baixo de um beliche ao lado da cama da mãe, que a criou sozinha.


 

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