Ninguém se surpreendeu quando Emílio Odebrecht disse que sua empresa fazia caixa 2 desde os tempos de seu pai
De tempos em tempos, o Brasil arranja um encontro com uma
incrível combinação de crise política e econômica. Como essa de hoje.
Não que o país seja surpreendido. Os problemas a enfrentar exigem
urgência, mas, um paradoxo, são velhos de décadas. Simplesmente ficaram
por aí, sempre adiados porque, enfim, são difíceis ou incômodos para
muita gente.
Caixa dois eleitoral, por exemplo. Ninguém se surpreendeu
quando Emilio Odebrecht disse que sua empresa fazia isso desde os tempos
de seu pai. Mais, ninguém se surpreende quando os políticos de amplo
espectro dizem que caixa 2 é uma coisinha de nada, um crimezinho comum.
Por que toda essa gritaria? - como, aliás, repetiam os políticos de
antigamente. E parece que de repente, todo o sistema está enrolado no
caixa 2, depois que o STF, o Ministério Público, o juiz Moro, todos
observaram o óbvio: é roubo, é dinheiro lavado.
Reagem em Brasília: precisamos de uma anistia. Agora, que todo mundo já viu a sujeira? Sem chance. E a corrupção em obras públicas? Vários escândalos foram
apanhados, pouca gente foi punida e a coisa sempre terminava com
conclusões assim: a corrupção é até pequena, quase irrelevante, quando
se considera o tamanho das obras feitas. É uma questão moral, não
econômica, se dizia, isso significando que estava tudo bem. Mario Henrique Simonsen já percebia que a coisa era mais
complicada. E até ofereceu uma solução pragmática, digamos assim. Muitas
vezes, observava, é melhor pagar a propina e não fazer a obra; sai mais
barato.
O que é isso, professor? - tal era a reação. Também faz tempo que todo mundo sabe que o sistema
eleitoral é inviável. Que há partidos demais, que as coligações
necessárias para governar escancaram as portas do fisiologismo e da
corrupção, que as eleições são cada vez mais caras, também criando a
oportunidade - ou necessidade, dizem alguns - de arranjar muito
dinheiro por fora. E parece que de repente se percebe que, para pagar por
fora, as empresas precisam ganhar por fora, colocando um sobre preço nas
obras. Melhor assim, diziam os mais cínicos ou mais realistas, do que
economizar no cimento, por exemplo, e fazer estradas e estádios de má
qualidade.
E acabamos ficando com as duas coisas: obras de qualidade, supercaras, e obras baratas, logo estragadas. Finalmente, a economia. Foi ontem que ouvimos falar do
déficit da Previdência? Ou que o sistema tributário brasileiro é o pior
do mundo? Ou que a legislação trabalhista só protege o emprego de quem
está muito bem empregado, sendo um obstáculo à abertura de novas vagas?* Assim chegamos aos dias de hoje, outra incrível combinação de dificuldades. Há uma tarefa gigantesca pela frente:
- reformar o sistema eleitoral às pressas, num momento em
que as lideranças políticas foram flagradas fazendo a coisa errada, de
um "simples" caixa dois a gordas contas no exterior. (Notem o impasse:
está vetado o financiamento eleitoral por empresas e não há dinheiro
público suficiente para pagar as campanhas nacionais de 2018).
- reformar ao mesmo tempo a Previdência, a legislação do
trabalho, o sistema tributário e as regras para obras públicas.
- e levar a cabo o combate à corrupção, o que somente será possível com a punição de toda a tropa apanhada.
Aqui, aliás, há um outro velho problema que parece
surpreender: a justiça é lenta, especialmente o STF. Na verdade, a
dificuldade aqui é maior, dado o que se ouve de ministros da Corte: é
assim mesmo, o STF não está preparado para ações penais, paciência. Mas a população já perdeu a paciência. Talvez ainda não
com o STF, mas vai perder se os ministros não arranjarem um meio de
acelerar os trabalhos referentes à Lava Jato. Especialmente porque a
publicidade dos processos e das delações torna imediato o julgamento
popular e político.
Imaginemos agora que a descrição acima se referisse a um
outro país qualquer e que nós, brasileiros, ficássemos sabendo da
história hoje. "Esses caras estão ferrados" - é o que diríamos. É o que
muita gente diz lá fora. Mas já houve momentos em que o Brasil se meteu na mesma
combinação de problemas e - milagre! - conseguiu sair. Nem faz tanto
tempo assim. Na era FHC, contando do tempo em que ele era ministro da
Fazenda, o país matou a hiperinflação (que era um problema de quase três
décadas); saiu da recessão; fez um enorme ajuste nas contas públicas,
inclusive com uma reforma da Previdência; privatizou um monte de bancos,
empresas e serviços; fez uma quase reforma tributária, conseguiu uma
estabilidade político-eleitoral, que permitiu a ele, FHC, ser, em 42
anos, o primeiro presidente eleito pelo voto popular a passar a faixa
para outro presidente eleito. [de todos os feitos da era FHC o que não deveria ter acontecido, não deveria nem ser cogitado, foi passar a faixa para o 'diabo', que apesar de eleito pela estupidez do eleitorado brasileiro, representou e continua representando enquanto lembrado for - mesmo morrendo ele causará o mal - o pior que poderia ter acontecido ao Brasil, que foi eleger uma coisa chamada Lula, que para piorar foi substituída pela encarnação feminina de satanás.]
Há esperanças, portanto. Mas foram anos de estagnação antes daquelas mudanças. É a
alternativa que temos hoje: ou se fazem todas essas reformas ou serão
anos de paradeira econômica e social até o milagre.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg
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